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O conceito da internet é liberador, diz professor


O professor no curso de Comunicação Digital e coordenador do curso de Jogos Digitais da Unisinos, João Bittencourt conversou com a IHU On-Line, por e-mail, sobre como a internet está mudando nosso “jeito” de viver. Por isso, ele explica que a web não apenas oportunizou novos instrumentos de comunicação, como também disponibilizou novas formas de conhecimento e de relação e, desta maneira, está criando uma cultura “mais cooperativa, mais comunicativa, mais informada sobre qualquer coisa”. No entanto, ele diz que essa nova cultura pode gerar também uma sociedade “mais superficial, mais impaciente”.

Ainda que a internet e suas possibilidades estejam mudando nosso cotidiano em função das novas formas de fazer funcionar o mundo, Bittencourt salienta que “o século XXI irá tornar-se um caos caso se mantiver por mais alguns anos com esta mentalidade analógica”. O professor sugere que “a sociedade atual deve se conscientizar da importância do tele-trabalho” e, assim, mudar a lógica analógica com que atuamos hoje.

A entrevista.

Hoje, em sua opinião, quais são as tecnologias que moldam o mundo?

João Bittencourt - Acredito que a mais evidente, sem dúvida, é a internet. Trata-se de uma revolução na forma de comunicação e na produção de novos conhecimentos. Além disso, a cultura web acaba influenciando as pessoas no seu cotidiano “offline”. Por exemplo, o fato de algo não funcionar 24 horas, ou um serviço ser demorado ou muito complicado/burocratizado de ser feito, acaba nos irritando. Certamente isso é influência deste mundo online. Além da internet, destaca-se a questão da mobilidade. A possibilidade de acessar a web de um celular, a qualquer hora, em qualquer lugar, é algo fascinante.

Como o senhor vê a aproximação do Direito ao campo da Comunicação Digital, principalmente no que diz respeito ao uso das tecnologias da comunicação?

João Bittencourt - Na minha visão, o Direito se aproxima da comunicação digital no que tange, principalmente, a produção do conteúdo e o direito autoral. A relação de autoria é fortemente modificada pela web. O sujeito deixa de ser meramente consumidor e passa também a ser um produtor. Fortifica-se o conceito de co-autoria e da remixagem. Partes das obras são recombinadas, recriando novos produtos. Neste contexto, surge a licença Creative Commons [1], chamada de copyleft, o contrário do copyright. Neste modelo de licença, o autor define se permite que a obra seja usada sem fins comerciais e se é possível gerar obras derivadas dela.

E como o senhor vê a relação entre comunicação e mobilidade? Qual o futuro das cidades a partir dessa relação?

João Bittencourt - Acredito que o século XXI irá se tornar um caos caso se mantiver, por mais alguns anos, com esta mentalidade analógica. As grandes cidades estão caóticas em função da grande quantidade de carros nas ruas. A sociedade atual deve se conscientizar da importância do tele-trabalho, de usar as tecnologias para trabalhar a partir de suas residências. Por exemplo, o litoral gaúcho sofre fortemente no período do inverno. Muitos profissionais poderiam morar no litoral e trabalhar remotamente. Além de evitar o tumulto no trânsito, acabaria redistribuindo as pessoas nas cidades e favorecendo a economia local. Além deste aspecto, outro lado que deve ser revisto é a mobilidade que as cidades irão receber com uma camada adicional de informação acessível de qualquer lugar e usando diferentes dispositivos (um celular, um notebook...). A computação ubíqua trata exatamente deste aspecto. Por exemplo, poderíamos ir a um museu, apreciar uma determinada obra de arte e, com um celular, apontar para uma obra e obter mais informações sobre o autor, sobre a técnica usada. Essas tecnologias vão acabar mudando a relação do homem com a cidade.

 O Brasil "invadiu" o Orkut e, de acordo com o relatório do O'Reily Radar sobre o crescimento do Facebook, é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?

João Bittencourt - O brasileiro é conhecido no exterior pela sua espontaneidade; é um povo alegre e comunicativo. Sem dúvidas, se sentirá atraído por estes ambientes online, onde poderá conhecer novas pessoas, formas, amizades, namoros, contatos. É muito interessante observarmos nas lan houses da periferia das cidades da Grande Porto Alegre placas anunciando o acesso ao Orkut e ao MSN. O brasileiro também gosta muito da sociedade do espetáculo, de bisbilhotar a vida dos famosos e de ter seus quinze minutos de fama. Se não gostasse, o Big Brother Brasil não estaria indo para a décima edição. As redes sociais são uma forma de oportunizar estes minutos de fama, do sujeito se tornar conhecido e poder bisbilhotar não só na vida dos famosos, mas dos colegas, vizinhos e amigos.

Como o senhor vê o conceito de poder liberador das redes sociais?

João Bittencourt - Na verdade, o poder liberador está no conceito da internet, de uma grande rede de comunicação e informação. A riqueza revolucionária está na capacidade de transformar o receptor/consumidor em emissor/produtor de conteúdo. O caso recente do Irã é um exemplo disso. No século XXI, as ditaduras se tornam mais difíceis, fica mais complicado querer oprimir a imprensa oficial, pois existem centenas de pessoas com acesso à tecnologia e à internet, que podem transmitir a informação para todo o mundo, no momento em que o fato está ocorrendo. Não é só politicamente que as coisas mudam, mas o perfil do consumidor também se altera. As próprias campanhas publicitárias perdem a força no sentido de que hoje muitas pessoas não compram nada antes de ver a opinião de outros na internet. Antes, só uma campanha publicitária bem feita era suficiente. Atualmente, é mais difícil efetuar este convencimento.

A internet comercial no Brasil começou há 14 anos, com a conexão discada e o modem de 14.4 Kbps, ocupando a linha telefônica, com contas altíssimas por um serviço lento. É óbvio que o nosso cenário tecnológico atual não é dos melhores, mas muita coisa mudou. Hoje temos mais acesso à banda larga, novos planos mais acessíveis para a internet discada e até a internet 3G. Sem ter uma postura alienante, considerando nossos problemas sociais, podemos dizer que um jovem de classe média, nascido há 14 anos, já tinha em casa um mundo com água, luz, telefone e internet. No início do século passado, aqui mesmo em Porto Alegre, nas regiões rurais, só havia água do poço ou do córrego mais próximo. Isso, sem dúvida, muda fortemente nossa sociedade, nossos valores e nosso comportamento de uma forma radical. As redes sociais são meramente mais um modismo tecnológico deste universo em rede. A libertação está no protagonismo do sujeito.

O conceito de web 2.0 ainda pode ser considerado atual?

João Bittencourt – Na minha opinião, ainda é. Na verdade, a internet pensada por Tim Berners Lee [2] é a web 2.0 - do compartilhamento, da co-autoria, da sociedade em rede. A geração web 1.0 só existiu pela falta de tecnologia da época. Só hoje estamos realmente vivendo a web 2.0. Ainda não temos boas aplicações para dizermos que já estamos em uma web 3.0, que seria o uso mais inteligente da informação disponível na web. Temos exemplos de agregadores de RSS, feeds, também os mashups, que agregam várias informações em um site. Mas ainda estamos longe de um uso inteligente e adaptativo desta informação. Para isso, precisamos de agentes artificiais que apliquem inteligência artificial nestas ferramentas, para adaptar o conteúdo conforme o perfil do usuário.

Nicolas Negroponte [3] em seu livro Vida Digital (São Paulo: Companhia das Letras, 1995) já tratava da necessidade de termos estes agentes inteligentes para organizar a informação para o sujeito. Imagine a quantidade de vídeos que são criados pelas produtoras e pelas pessoas. Chegamos em casa cansados e queremos assistir a um vídeo para relaxar. Queremos ligar a TV e ver o que está passando, sem ficar horas fazendo buscas. Neste caso, seria ótimo se houvesse um agente que sabe meu perfil, meus gostos, o que gosto de assistir em determinado dia/horário e, quando eu ligar a TV, já assistir a um vídeo adequado ao meu perfil. Quando estivermos nesse nível, podemos começar a falar de uma web 3.0.

Que sociedade a cibercultura está ajudando a criar?

João Bittencourt – Uma sociedade mais cooperativa, mais comunicativa, mais informada sobre qualquer coisa (sem entrar no mérito do julgamento da qualidade e da relevância desta informação). Algumas pessoas têm a oportunidade de serem criativas e colaborarem na criação de novos artefatos digitais. Outras, mais críticas, podem construir uma sociedade mais democrática, no sentido de oportunizar a difusão de ideias e conceitos. Em contrapartida, também gera uma sociedade mais superficial, mais impaciente, com síndrome de 24 horas por 7 dias na semana, mais efêmera, mais casual, sem heróis, mas cheia de personalidades relâmpagos, que são conhecidas por campanhas virais.

Notas:

[1] Creative Commons pode denominar tanto um conjunto de licenças padronizadas para gestão aberta, livre e compartilhada de conteúdos e informação (copyleft), quanto a homônima organização sem fins lucrativos norte-americana que os redigiu e mantém a atualização e discussão a respeito delas.

[2] Timothy John Berners-Lee é o inventor do World Wide Web e diretor do World Wide Web Consortium, que supervisiona o seu desenvolvimento.

[3] Nicholas Negroponte é um cientista estadunidense, formado em Arquitetura. É um dos fundadores e professor do Media Lab, o laboratório de multimídia do Massachusetts Institute of Technology (MIT)


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