por Christopher Hitchens
Um grande tumulto ocorreu na Malásia no mês passado [janeiro de 2010], depois que o juiz da Suprema Corte Lau Bee Lan proferiu uma decisão judicial sobre o nome adequado para chamar Deus. Grupos muçulmanos haviam apresentado uma reclamação de que cristãos locais estavam usando a palavra “Alá” em suas cerimônias e publicações.
Na língua malaia, coincidentemente, essa é a palavra usada para denominar Deus de uma forma geral – e “Deus” é um termo difícil de ser evitado pelos cristãos.
A decisão da alta corte foi dividida. Dizia que o jornal malaio Catholic Herald podia usar “Alá” em sua edição na língua malaia, desde que fosse vendido “apenas dentro dos limites da igreja e ostentasse o rótulo ‘Somente para não muçulmanos’”. Até mesmo essa restrição foi considerada insuficiente para os islâmicos.
Algumas igrejas e conventos foram incendiados com bombas, e o governo da Malásia lamentou publicamente a decisão do tribunal. Segundo um relato da Associated Press, as autoridades acreditam que “tornar Alá sinônimo de Deus pode confundir os muçulmanos e acabar induzindo-os a se converter ao cristianismo”.
Esse risco parece ser pequeno. A maior parte dos 2,5 milhões de cristãos da Malásia é etnicamente chinesa ou indiana. A verdade é que existe uma leve, porém inconfundível, pincelada de racismo na demanda dos muçulmanos malaios. E isso está acontecendo em um dos países muçulmanos mais celebrados como “moderado”.
Quando falam suavemente para públicos ocidentais ignorantes, os propagandistas muçulmanos algumas vezes dizem de forma reconfortante que nós todos – cristãos, judeus, muçulmanos – adoramos o mesmo Deus. É verdade que o Corão contém muito material tomado emprestado do Pentateuco e do Novo Testamento, mas também é verdade que ele em geral é considerado autêntico somente quando escrito ou declamado em árabe. A língua franca bahasa, da Indonésia e da Malásia, contém muitos empréstimos do árabe, incluindo a palavra que começa com D, mas isso não impede seus falantes cristãos de ter de ouvir que não podem seguir sua própria fé em sua própria língua.
Passei meus primeiros anos na ilha de Malta, aquele maravilhoso pontinho de terra entre a Líbia e a Sicília. Malta tem uma língua própria, que eu falava do meu jeito infantil.
Alguns filologistas, certa época, consideravam que a língua maltesa descendia da fala dos cartagineses, mas ela tem um parentesco muito mais próximo do árabe falado no Magreb (Líbia, Tunísia e Marrocos). É a única língua semita escrita com caracteres latinos, e, ao lado do inglês, é língua oficial do país.
E em maltês a palavra para “Deus” é “Alá”, o que significa que, quando proferida por um padre, soa exatamente igual. Isso se torna ainda mais interessante por Malta ser provavelmente o país mais cristão da Europa, mais católico do que a Espanha, Portugal e Irlanda e até a Polônia.
Pode ser que essa informação inquietante ainda não tenha chegado aos ouvidos dos jihadistas, os praticantes da “guerra santa”. Mas ela agora se junta à lista elástica de problemas pelos quais os muçulmanos se dão o direito de se sentir injustiçados. Quem poderia adivinhar que até o ano passado não tinham percebido que havia não muçulmanos falando a mesma língua que eles?
O árabe é uma língua importante para a literatura e a poesia, e palavras derivadas dela (como “álgebra”) são encontradas em nossos dicionários. Seria de imaginar que os muçulmanos se sentissem lisonjeados por os cristãos da Europa mediterrânea e da Ásia usarem a palavra árabe para o divino. Mas parece que o sectarismo sinistro agora está à frente de tudo. Talvez em nossas redações os editores devessem começar a fazer ajustes relevantes, de modo que multidões gritando “Allahuh Akbar” sejam traduzidas como se estivessem dizendo “Alá é grande”, e as pessoas entoando “Insh’allah” sejam citadas como se estivessem dizendo “Se Alá quiser”, em vez de “Se Deus quiser”. Se essa mudança algum dia fosse adotada, porém, pode estar certo de que haveria tumulto do mesmo jeito.
Esse risco parece ser pequeno. A maior parte dos 2,5 milhões de cristãos da Malásia é etnicamente chinesa ou indiana. A verdade é que existe uma leve, porém inconfundível, pincelada de racismo na demanda dos muçulmanos malaios. E isso está acontecendo em um dos países muçulmanos mais celebrados como “moderado”.
Quando falam suavemente para públicos ocidentais ignorantes, os propagandistas muçulmanos algumas vezes dizem de forma reconfortante que nós todos – cristãos, judeus, muçulmanos – adoramos o mesmo Deus. É verdade que o Corão contém muito material tomado emprestado do Pentateuco e do Novo Testamento, mas também é verdade que ele em geral é considerado autêntico somente quando escrito ou declamado em árabe. A língua franca bahasa, da Indonésia e da Malásia, contém muitos empréstimos do árabe, incluindo a palavra que começa com D, mas isso não impede seus falantes cristãos de ter de ouvir que não podem seguir sua própria fé em sua própria língua.
Passei meus primeiros anos na ilha de Malta, aquele maravilhoso pontinho de terra entre a Líbia e a Sicília. Malta tem uma língua própria, que eu falava do meu jeito infantil.
Alguns filologistas, certa época, consideravam que a língua maltesa descendia da fala dos cartagineses, mas ela tem um parentesco muito mais próximo do árabe falado no Magreb (Líbia, Tunísia e Marrocos). É a única língua semita escrita com caracteres latinos, e, ao lado do inglês, é língua oficial do país.
E em maltês a palavra para “Deus” é “Alá”, o que significa que, quando proferida por um padre, soa exatamente igual. Isso se torna ainda mais interessante por Malta ser provavelmente o país mais cristão da Europa, mais católico do que a Espanha, Portugal e Irlanda e até a Polônia.
Pode ser que essa informação inquietante ainda não tenha chegado aos ouvidos dos jihadistas, os praticantes da “guerra santa”. Mas ela agora se junta à lista elástica de problemas pelos quais os muçulmanos se dão o direito de se sentir injustiçados. Quem poderia adivinhar que até o ano passado não tinham percebido que havia não muçulmanos falando a mesma língua que eles?
O árabe é uma língua importante para a literatura e a poesia, e palavras derivadas dela (como “álgebra”) são encontradas em nossos dicionários. Seria de imaginar que os muçulmanos se sentissem lisonjeados por os cristãos da Europa mediterrânea e da Ásia usarem a palavra árabe para o divino. Mas parece que o sectarismo sinistro agora está à frente de tudo. Talvez em nossas redações os editores devessem começar a fazer ajustes relevantes, de modo que multidões gritando “Allahuh Akbar” sejam traduzidas como se estivessem dizendo “Alá é grande”, e as pessoas entoando “Insh’allah” sejam citadas como se estivessem dizendo “Se Alá quiser”, em vez de “Se Deus quiser”. Se essa mudança algum dia fosse adotada, porém, pode estar certo de que haveria tumulto do mesmo jeito.
Na tradução em português, esse artigo foi publicado originalmente na Época.