Entrevista com Hitchens feita em 2010, um ano antes de ele morrer |
por Vanda Marques
do Informação, de Portugal
Frontal, polêmico e irônico. Dos quatro cavaleiros do anti-apocalipse - como foram batizados os pensadores ateus que surgiram dos últimos cinco anos - Christopher Hitchens [1949-2011] é o mais controverso. Jornalista, colunista na Vanity Fair e na Atlantic Monthly, acusou a Madre Teresa de Calcutá de se dar com ditadores.
Christopher, inglês a viver nos Estados Unidos, esteve em Lisboa, na Casa Fernando Pessoa, para discursar sobre a "Urgência do Ateísmo". O escritor, de 60 anos, falou com o i enquanto regressava de uma visita a Évora, e já tem um livro a caminho, desta vez vai analisar os Dez Mandamentos.
De que forma é que a religião envenena tudo, como diz no seu livro?
A religião diz que não temos liberdade, que fomos feitos por um ser superior. Esse ditador divino disse-nos que não saberíamos nada e que não seríamos capazes de distinguir o bem do mal. É uma forma doente de educar as pessoas. Envenena porque te torna num escravo, mas a religião não vai acabar.
Por quê?
Porque tem como principais recursos a estupidez humana, a crendice e a vaidade, disfarçada de humildade. A religião não acaba porque somos egocêntricos e temos medo de morrer. Assim, acreditamos que dizemos umas coisas pela ordem certa e vamos para o céu. Até agora nunca foi provado que aquele ser onisciente e benigno existe.
E os milagres, como o de Fátima?
Ilusões. Duas coisas simples provam que não existe: ela nunca aparece a não cristãos e quando aparece é igualzinha à estátua que está à entrada da escola das crianças. Já agora, se o sol tivesse parado tinha sido visto noutras partes do mundo. Fátima mais parece uma senhora que nasceu na Islândia ou no Minnesota do que na Galileia.
Por que escreveu "Deus não é Grande - Como a Religião Envenena Tudo"?
O debate entre os que acreditam no sobrenatural e os que não acreditam é o mais importante. Na altura [2007] havia um confronto entre a teocracia e a democracia. Além disso, tinha a sensação de que nos EUA estavam fartos de ver o ensino da biologia substituído por religião, com a história do criacionismo. A violência da jihad também era, e é, uma preocupação real. É o reavivar de superstições medievais, com crueldade e estupidez.
Em várias culturas sempre houve a noção de Deus. Por quê?
É inato à mente humana procurar padrões para entender o mundo. Somos primatas que precisam disso, foi assim que aprendemos a domesticar animais, entendemos o padrão, logo o seu comportamento. A desvantagem é que preferimos aceitar qualquer tipo de padrão a nenhum. Haverá uma razão para que todas as igrejas de Lisboa tenham caído em 1755? É tão importante para nós. De certeza que é importante para o cosmos. Mas estão enganados. Não havia plano, há sim uma grande falha entre Lisboa e os Açores.
Somos demasiado egocêntricos?
Uma das grandes piadas da religião é que defende a ideia de que somos simples criaturas, não valemos nada, mas depois acrescenta: "Já agora, nós somos a razão pela qual o sol se levanta." Pergunto: "Sou humilde ou não?" Aliás, são muito arrogantes. Pensam: "Claro que todas as igrejas de Lisboa caíram porque comi a mulher do meu amigo."
Mas a religião não é importante na educação, já que cria padrões morais?
É um argumento muito comum em todas as religiões. Tenho uma pergunta para essas pessoas: se a religião é a base da moral então enumerem-me uma ação moral que só uma pessoa de fé possa fazer e que eu, como ateu, não possa? Não existe. E conseguem indicar-me uma ação cruel que um crente faça apenas por causa da sua fé? Os exemplos são muitos: do 11 de Setembro à Inquisição.
Existem religiões mais perigosas do que outras?
Nos anos 30 e 40 do século XX, diria que a mais perigosa era o catolicismo romano porque estava relacionado com o fascismo. Agora é muito claro que é a versão mais radical do islamismo. Não aceito que vivamos à mercê de pessoas que às vezes nos toleram outras não. Quando armas de destruição maciça caem nas mãos de loucos, ou temos de ser muito educados para não os chatear - que para mim seria uma humilhação intolerável - ou vamos esperar pelo veredicto final - que é uma versão ainda pior do mesmo dilema. Recuso-me a viver um dia da minha vida submisso ao prazer destas pessoas.
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