por Christopher Hitchens
Em 2002, segundo o colunista e católico praticante Ross Douthat, o então cardeal Joseph Ratzinger (foto) disse a uma plateia na Espanha: “Estou convencido de que a presença constante na imprensa dos pecados dos padres católicos, especialmente nos Estados Unidos, é uma campanha planejada para desacreditar a Igreja Católica”. Na semana passada, o The New York Times – aparentemente o centro da “campanha planejada” – republicou a cópia de uma carta assinada por Ratzinger em 1985.
A carta instava leniência no caso do reverendo Stephen Kiesle, que havia amarrado e torturado sexualmente dois meninos em uma propriedade da Igreja na Califórnia. Os superiores de Kiesle haviam escrito para o gabinete de Ratzinger, em Roma, pedindo-lhe para expulsar o criminoso do clero. A resposta veio cheia de conselhos morais. “O bem da Igreja Universal”, ele escreveu, “deveria ser levado em conta acima de tudo.” Deveria ser entendido que, “particularmente tendo em vista a juventude” do padre Kiesle, um grande “detrimento” poderia ser causado “dentro da comunidade dos fiéis a Cristo” se ele fosse afastado. O bom padre tinha então 38 anos. Suas vítimas, 11 e 13. Nas décadas seguintes, Kiesle arruinou a vida de mais algumas crianças, até ser finalmente preso por causa de uma nova acusação em 2004.
Compare isso ao caso ainda mais horroroso da escola para crianças surdas em Wisconsin, onde o reverendo Lawrence Murphy obteve acesso a mais de 200 vítimas anormalmente indefesas. De novo o mesmo padrão: repetidas petições da diocese local para que o criminoso “perdesse a batina” (um termo estranho se pararmos para pensar nele) foram recebidas com indiferença pétrea da burocracia controlada por Ratzinger. Anos depois, o imundo padre Murphy pediu para ser enterrado com todas as honrarias de um padre, com sua batina. Foi atendido. Em um caso, um estuprador de crianças escapou porque era muito jovem. No seguinte, um estuprador de crianças foi abrigado porque era muito velho! Que compaixão.
Todas as cartas da diocese para Ratzinger e de Ratzinger para a diocese estavam preocupadas com uma única questão: isso pode ferir a Santa Mãe Igreja? É como se as crianças fossem irrelevantes ou inconvenientes (como no caso dos meninos estuprados na Irlanda, forçados a assinar acordos de confidencialidade pelo homem que ainda é o cardeal do país).
Em 2002, segundo o colunista e católico praticante Ross Douthat, o então cardeal Joseph Ratzinger (foto) disse a uma plateia na Espanha: “Estou convencido de que a presença constante na imprensa dos pecados dos padres católicos, especialmente nos Estados Unidos, é uma campanha planejada para desacreditar a Igreja Católica”. Na semana passada, o The New York Times – aparentemente o centro da “campanha planejada” – republicou a cópia de uma carta assinada por Ratzinger em 1985.
A carta instava leniência no caso do reverendo Stephen Kiesle, que havia amarrado e torturado sexualmente dois meninos em uma propriedade da Igreja na Califórnia. Os superiores de Kiesle haviam escrito para o gabinete de Ratzinger, em Roma, pedindo-lhe para expulsar o criminoso do clero. A resposta veio cheia de conselhos morais. “O bem da Igreja Universal”, ele escreveu, “deveria ser levado em conta acima de tudo.” Deveria ser entendido que, “particularmente tendo em vista a juventude” do padre Kiesle, um grande “detrimento” poderia ser causado “dentro da comunidade dos fiéis a Cristo” se ele fosse afastado. O bom padre tinha então 38 anos. Suas vítimas, 11 e 13. Nas décadas seguintes, Kiesle arruinou a vida de mais algumas crianças, até ser finalmente preso por causa de uma nova acusação em 2004.
Compare isso ao caso ainda mais horroroso da escola para crianças surdas em Wisconsin, onde o reverendo Lawrence Murphy obteve acesso a mais de 200 vítimas anormalmente indefesas. De novo o mesmo padrão: repetidas petições da diocese local para que o criminoso “perdesse a batina” (um termo estranho se pararmos para pensar nele) foram recebidas com indiferença pétrea da burocracia controlada por Ratzinger. Anos depois, o imundo padre Murphy pediu para ser enterrado com todas as honrarias de um padre, com sua batina. Foi atendido. Em um caso, um estuprador de crianças escapou porque era muito jovem. No seguinte, um estuprador de crianças foi abrigado porque era muito velho! Que compaixão.
Todas as cartas da diocese para Ratzinger e de Ratzinger para a diocese estavam preocupadas com uma única questão: isso pode ferir a Santa Mãe Igreja? É como se as crianças fossem irrelevantes ou inconvenientes (como no caso dos meninos estuprados na Irlanda, forçados a assinar acordos de confidencialidade pelo homem que ainda é o cardeal do país).
Observe que houve uma consistente política de evitar o contato com a lei. E observem, ainda, que houve um programa de propaganda preconcebido de Ratzinger para culpar a imprensa se alguma das condutas criminosas ou obstruções de justiça se tornasse conhecida. O cúmulo obsceno disso ocorreu na Sexta-Feira Santa, quando o papa escutou sentado o sermão de um subordinado em que a divulgação dos crimes da sua igreja foi comparada à perseguição e até aos pogroms contra os judeus.
Desde que a igreja deu abrigo ao cardeal Bernard Law, de Boston, para poupá-lo do inconveniente de responder a perguntas sob juramento, ela convidou a metástase desse horror. Agora o próprio Ratzinger está exposto.
Não se deve culpar apenas a igreja. Onde estava a aplicação da lei americana durante as décadas em que as crianças foram vítimas? Onde estava a lei internacional enquanto o Vaticano se tornou um local de asilo para criminosos? Onde está escrito que a Igreja Católica romana é o juiz em seu próprio caso? Apta a usar tribunais privados? Autorizada a usar fundos doados pelos fiéis para pagar as vítimas ou as suas famílias?
Não há um promotor distrital ou estadual nos EUA capaz de decidir representar as crianças? Em Londres, alguns advogados de direitos humanos experientes vão desafiar o direito de Ratzinger de desembarcar na Inglaterra com imunidade em setembro. Se ele conseguir se safar, então ele se safou. Mas isso nós podemos prometer: vai haver apenas um assunto de conversa até Ratzinger cancelar sua visita, e somente um assunto se ele decidir mantê-la. Nos dois casos, ele vai ser lembrado apenas por uma coisa muito tempo depois que morrer.
Desde que a igreja deu abrigo ao cardeal Bernard Law, de Boston, para poupá-lo do inconveniente de responder a perguntas sob juramento, ela convidou a metástase desse horror. Agora o próprio Ratzinger está exposto.
Não se deve culpar apenas a igreja. Onde estava a aplicação da lei americana durante as décadas em que as crianças foram vítimas? Onde estava a lei internacional enquanto o Vaticano se tornou um local de asilo para criminosos? Onde está escrito que a Igreja Católica romana é o juiz em seu próprio caso? Apta a usar tribunais privados? Autorizada a usar fundos doados pelos fiéis para pagar as vítimas ou as suas famílias?
Não há um promotor distrital ou estadual nos EUA capaz de decidir representar as crianças? Em Londres, alguns advogados de direitos humanos experientes vão desafiar o direito de Ratzinger de desembarcar na Inglaterra com imunidade em setembro. Se ele conseguir se safar, então ele se safou. Mas isso nós podemos prometer: vai haver apenas um assunto de conversa até Ratzinger cancelar sua visita, e somente um assunto se ele decidir mantê-la. Nos dois casos, ele vai ser lembrado apenas por uma coisa muito tempo depois que morrer.
Em português, este artigo foi publicada originalmente na Época.
‘Papa não para de pedir perdão, mas não age’, diz vítima de padre.
setembro de 2010
Casos de padre pedófilo. Sobre Hitchens.
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setembro de 2010
Casos de padre pedófilo. Sobre Hitchens.
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