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'A história é feita por poucos porque a maioria é medíocre'

Título original: A viúva e o cowboy

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Não gosto de arte como ferramenta de cidadania. Uma palavra que, com o tempo, passou a me encher o saco foi "cidadania".

"Faixa cidadã" (faixa para motocicletas), "teologia cidadã". Desta, então, eu não tenho a mínima ideia do que seja.Talvez (arrisco uma hipótese, toda minha, mas inspirada no que poderia ser a defesa da "cidadania bíblica dos gays"), seja uma releitura da Bíblia a partir da "Queer Theology" ("teologia bicha")? Ou seja, quem sabe Jesus e seus discípulos formavam uma comunidade gay e a traição de Judas teria sido uma crise de ciúmes porque Jesus preferia "meninos" como João. Humm...

Tem mais: "Pedagogia cidadã" (seria: "Não reprove ninguém, respeite os direitos dos alunos não saberem nada da matéria e permitam que eles construam as avaliações coletivamente"), ou "geografia cidadã" (no lugar de ensinar a localização dos países na aula de geografia, obrigue os alunos a saberem de cor a gloriosa história do sindicato dos boias-frias), ou "sexo cidadão" (deve ser sexo sem invadir a intimidade do/a outro/a!!).

Nem o coitado do Rousseau (e seus tarados jacobinos), que amava a humanidade, mas abandonou os filhos e a esposa, imaginou que levassem tão longe seus pobres delírios em suas caminhadas solitárias.

E o pior é a história do "voto cidadão" e "a festa da democracia para a qual o título é seu convite". Sou obrigado a votar e ainda chamam isso de "direito cidadão". Quer saber? Deixem-me em paz e não me obriguem a votar. Acho que o voto deveria ser facultativo no Brasil, como é na maioria dos países civilizados do planeta.

Mas eu dizia que não gosto desse negócio de arte como ferramenta de cidadania. Por quê? Porque faz da arte coisa de retardado.

Antes de tudo, nada contra o uso de arte nas escolas. Mas, é claro, a maioria de nós (incluindo a mim mesmo que não sei desenhar nem uma casinha) não é capaz de qualquer arte. Este papo de que "todo mundo tem uma competência que lhe define" é conversa mole de pedagogo de autoajuda.

Melhor logo dizer que o universo conspira a favor de todos os alunos e que basta se concentrar que você vira Da Vinci ou Shakespeare. A história do mundo, seja ela artística, política, econômica, social ou científica, sempre foi feita por alguns poucos seres humanos. A maioria nunca fez nada além de tocar sua vidinha medíocre e continua assim, afora a "publicidade cidadã".

Num sábado de preguiça, eu e minha bela esposa assistimos na TV a um filme de cowboy, desses antigos nos quais homem é homem e mulher é mulher (que saudade...), com James Stewart, Rachel Welch, Dean Martin e George Kennedy chamado "O Preço de um Covarde".

Nada deste papo furado de "filme cidadão", onde as mulheres lutam com espadas para provar que são iguais aos homens (ou melhores do que os homens), ou heróis se emocionam diante de uma lagartixa em agonia ou lutam em favor de um país africano onde todo mundo é santo, menos os brancos interesseiros. Enfim, essa arte com compromisso social é sempre lixo.

O filme apresenta a vida como ela é: sem coerência, sem roteiro moral prévio, submetida ao acaso desarticulador de toda esperança vã. Rachel Welch é uma recém-viúva milionária. É pega como refém pelo bando de Dean Martin, condenado à forca, mas que é salvo pelo irmão James Stewart.

Este é um homem generoso que busca salvar seu irmão não só da forca, mas do desencanto com a vida que o levou ao crime. George Kennedy, xerife da cidade e apaixonado por Rachel Welch, é um homem honesto e virtuoso que irá corajosamente à caça do bando.

Dean Martin encontra na inesperada paixão entre ele e Rachel Welch o motor suficiente pra fazê-lo escutar o conselho de seu irmão: "Deixe a vida criminosa e vá fazer uma família".

O xerife, quando consegue prender o bando, pede a mão da bela mulher, mas ela recusa, ainda que ele seja honesto e devoto a ela. Ela prefere o criminoso. Este, em claro processo de redenção, acaba morto (junto com seu irmão), destruindo toda a esperança.

Qual é a moral dessa história? Nenhuma. Ou, arrisquemos uma: a vida é cega.





'O politicamente correto é coisa de retardado' 

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

k.lincoln disse…
Não gosto de arte como ferramenta de cidadania. Uma palavra que, com o tempo, passou a me encher o saco foi "cidadania".
HAHAHAHAHAHAHAHAHAA demais
Anônimo disse…
Não gosto do que vejo...
pois o que vejo (brancos cowboys saxões protestantes, ou WASPS) É O QUE EU NÃO SOU,
mas como o que NÃO SOU É O QUE EU VEJO,
gosto do que vejo...
e passo a não gostar do que não vejo!
pois o que não vejo
É O QUE NA VERDADE SOU
POR ISSO NÃO VEJO NEM QUERO VER...
meu passado, de POBRE E NORDESTINO
como eu mesmo já confessei dantes
quando me acusaram de elitista...
(como dizia meu pai, a diferença não está na graduação nem no filosofado...mas na base).
Anônimo disse…
Não é a vida que é cega, aliás ela enxerga microscopicamente, via cromossomos-dna. O colonizado é que tem hipermetropia, postos os olhos sempre na longínqua metrópole...
ALÊ disse…
Destaco esse trecho, por ser excelente: "Nem o coitado do Rousseau (e seus tarados jacobinos), que amava a humanidade, mas abandonou os filhos e a esposa, imaginou que levassem tão longe seus pobres delírios em suas caminhadas solitárias."

E esse também: "basta se concentrar que você vira Da Vinci ou Shakespeare. A história do mundo, seja ela artística, política, econômica, social ou científica, sempre foi feita por alguns poucos seres humanos. A maioria nunca fez nada além de tocar sua vidinha medíocre e continua assim"
Anônimo disse…
É duro para o ser humano se saber sem o mínimo valor. E muitas vezes se descobre essa realidade, quando caem nas mãos de fiscal público ou em um hospital público, onde, em ambos, o senso de dignidade de uma pessoa não faz a menor diferença. Aí sim, vida é completamente medíocre!

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