por Contardo Calligaris para Folha
Em maio passado, durante uma visita ao santuário de Fátima, o papa Bento 16 declarou que o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo estão entre os mais "insidiosos e perigosos desafios ao bem comum".
Atualmente, quase todas as igrejas cristãs (curiosamente alinhadas com as posições do papa) negociam seu apoio aos candidatos à presidência cobrando posições contra a descriminalização do aborto e contra o casamento gay.
Em 2000, segundo o censo, havia, no Brasil, 125 milhões de católicos, 26 milhões de evangélicos e 12 milhões de sem religião. É lógico que os principais candidatos inventem jeitos de ficar, quanto mais possível, em cima do muro -tentando satisfazer o lobby cristão, mas sem alienar totalmente as simpatias de laicos, agnósticos e livres pensadores (minoritários, mas bastante presentes entre os formadores de opinião).
Adoraria que as campanhas eleitorais fossem mais corajosas, menos preocupadas em não contrariar quem pensa diferente do candidato. Adoraria também que soubéssemos votar sem exigir que nosso candidato pense exatamente como nós.
Voltemos à declaração do papa, que junta aborto e casamento gay numa mesma condenação e, claro, tenta pressionar os poderes públicos, mundo afora. Para ele, o que é pecado para a igreja deve ser também crime para o Estado.
No fundo, com poucas exceções, as igrejas almejam um Estado confessional, ou seja, querem que o Estado seja regido por leis conformes às normas da religião que elas professam. De novo, as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado: o sonho escondido de qualquer Roma é Teerã ou a Cabul do Talibã.
Há práticas sexuais que você julga escandalosas? Está difícil reprimir sua própria conduta? Nenhum problema, a polícia dos costumes vigiará para que ninguém se dedique ao sexo oral, ao sexo anal ou a transar com camisinha.
Para se defender contra esse pesadelo (que, ele sim, é um "insidioso e perigoso desafio ao bem comum"), em princípio, o Estado laico evita conceber e promulgar leis só porque elas satisfariam os preceitos de uma confissão qualquer. As leis do Estado laico tentam valer por sua racionalidade própria, sem a ajuda de deus algum e de igreja alguma.
Por exemplo, é proibido roubar e matar, mas essa proibição não é justificada pelo fato de que essas condutas são estigmatizadas nas tábuas dos dez mandamentos bíblicos. Para proibir furtos e assassinatos, não é preciso recorrer a Deus, basta notar que esses atos limitam brutalmente a liberdade do outro (o assaltado ou o assassinado).
Agora, imaginemos que você se oponha ao casamento gay invocando a santidade do matrimônio. Se você acha que o casamento é um sacramento divino que só pode ser selado entre um homem e uma mulher, você tem sorte, pois vive numa democracia laica e sua liberdade é total: você poderá não se casar nunca com uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, você poderá manter quanto quiser a santidade e a sacramentalidade de SEU casamento.
Acha pouca coisa? Pense bem: você poderia ser cidadão de uma teocracia gay, na qual o Estado lhe imporia de casar com alguém do mesmo sexo.
Argumento bizarro? Nem tanto: quem ambiciona impor sua moral privada como legislação pública deveria sempre pensar seriamente na hipótese de a legislação pública ser moldada por uma outra moral privada, diferente da dele.
Sobre a dobradinha sugerida pela declaração do papa: talvez, para o pontífice, aborto e casamento gay sejam unidos na mesma condenação por serem ambos consequências da fraqueza da carne (que, obstinadamente, quer gozar sem se reproduzir).
Mas, numa perspectiva laica, a questão do aborto e de sua descriminalização não tem como ser resolvida pelas mesmas considerações que acabo de fazer para o casamento gay. Ou seja, não há como dizer: se você for contra, não faça, mas deixe abortar quem for a favor. Vou voltar ao assunto, apresentando alguns dilemas que talvez nos ajudem a pensar.
> Procuradoria questiona o ensino religioso nas escolas públicas.
agosto de 2010
Em maio passado, durante uma visita ao santuário de Fátima, o papa Bento 16 declarou que o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo estão entre os mais "insidiosos e perigosos desafios ao bem comum".
Atualmente, quase todas as igrejas cristãs (curiosamente alinhadas com as posições do papa) negociam seu apoio aos candidatos à presidência cobrando posições contra a descriminalização do aborto e contra o casamento gay.
Em 2000, segundo o censo, havia, no Brasil, 125 milhões de católicos, 26 milhões de evangélicos e 12 milhões de sem religião. É lógico que os principais candidatos inventem jeitos de ficar, quanto mais possível, em cima do muro -tentando satisfazer o lobby cristão, mas sem alienar totalmente as simpatias de laicos, agnósticos e livres pensadores (minoritários, mas bastante presentes entre os formadores de opinião).
Adoraria que as campanhas eleitorais fossem mais corajosas, menos preocupadas em não contrariar quem pensa diferente do candidato. Adoraria também que soubéssemos votar sem exigir que nosso candidato pense exatamente como nós.
Voltemos à declaração do papa, que junta aborto e casamento gay numa mesma condenação e, claro, tenta pressionar os poderes públicos, mundo afora. Para ele, o que é pecado para a igreja deve ser também crime para o Estado.
No fundo, com poucas exceções, as igrejas almejam um Estado confessional, ou seja, querem que o Estado seja regido por leis conformes às normas da religião que elas professam. De novo, as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado: o sonho escondido de qualquer Roma é Teerã ou a Cabul do Talibã.
Há práticas sexuais que você julga escandalosas? Está difícil reprimir sua própria conduta? Nenhum problema, a polícia dos costumes vigiará para que ninguém se dedique ao sexo oral, ao sexo anal ou a transar com camisinha.
Para se defender contra esse pesadelo (que, ele sim, é um "insidioso e perigoso desafio ao bem comum"), em princípio, o Estado laico evita conceber e promulgar leis só porque elas satisfariam os preceitos de uma confissão qualquer. As leis do Estado laico tentam valer por sua racionalidade própria, sem a ajuda de deus algum e de igreja alguma.
Por exemplo, é proibido roubar e matar, mas essa proibição não é justificada pelo fato de que essas condutas são estigmatizadas nas tábuas dos dez mandamentos bíblicos. Para proibir furtos e assassinatos, não é preciso recorrer a Deus, basta notar que esses atos limitam brutalmente a liberdade do outro (o assaltado ou o assassinado).
Agora, imaginemos que você se oponha ao casamento gay invocando a santidade do matrimônio. Se você acha que o casamento é um sacramento divino que só pode ser selado entre um homem e uma mulher, você tem sorte, pois vive numa democracia laica e sua liberdade é total: você poderá não se casar nunca com uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, você poderá manter quanto quiser a santidade e a sacramentalidade de SEU casamento.
Acha pouca coisa? Pense bem: você poderia ser cidadão de uma teocracia gay, na qual o Estado lhe imporia de casar com alguém do mesmo sexo.
Argumento bizarro? Nem tanto: quem ambiciona impor sua moral privada como legislação pública deveria sempre pensar seriamente na hipótese de a legislação pública ser moldada por uma outra moral privada, diferente da dele.
Sobre a dobradinha sugerida pela declaração do papa: talvez, para o pontífice, aborto e casamento gay sejam unidos na mesma condenação por serem ambos consequências da fraqueza da carne (que, obstinadamente, quer gozar sem se reproduzir).
Mas, numa perspectiva laica, a questão do aborto e de sua descriminalização não tem como ser resolvida pelas mesmas considerações que acabo de fazer para o casamento gay. Ou seja, não há como dizer: se você for contra, não faça, mas deixe abortar quem for a favor. Vou voltar ao assunto, apresentando alguns dilemas que talvez nos ajudem a pensar.
> Procuradoria questiona o ensino religioso nas escolas públicas.
agosto de 2010
Comentários
PORQUE A ICAR não considera crime :
. ABUSO SEXUAL E PEDOFILIA dos PADRES ?
. Por que a ICAR Não faz absolutamente nada pelas crianças pauperrimas nascidas na africa e em todos os paises pobres do mundo...?
. Por que a ICAR vive em tanto luxo como no Vaticano e não acolhe crianças pobres que nascem como ratos nos paises pobres e depois ou morrem de fome ou virão bandidos ??
Thiago
Tenho a dizer-vos, como co-irmãos de latinidade, que infelizes de vós, se não vos libertardes a tempo da tirania da igreja católica. Na Universidade aonde estudamos, somos perseguidos pela ditadura dos espiões do vaticano, que espreitam-nos a conduta, impõem-nos ridículas regras como a de usarmos vestimentas parecidas com a dos medievos...Deveis lutar pelo Estado laico, ainda não é a saída, posto que trata-se também de religião embora civil, mas é avanço, em direção à emancipação humana legítima. Aqui, dia 03 do mês passado, o país parou estarrecido ante o julgamento dos culpados no maior escândalo de pedofilia do século, acobertado desde a década de 1970 pela nefanda instituição.
Quanto ao casamento e ao aborto, são barricadas detrás de que se escondem o ímpio clero e o corrupto e não menos impiedoso covil dos políticos, para enganar-vos como christãos e piedosos...
Adoram falar imensas bobagens contra a igreja.
Os críticos da igreja sejam honestos, e olhem para o mundo e suas instâncias com olhos abertos, não com olhos fechados e com míopia excessiva.
A mundo caminha muito bem. Os críticos da igreja fazem muito para melhorar o mundo?
As críticas em relação a igreja, são feitas de forma leviana e tendenciosa.
Os críticos promovem um mundo melhor?
O mundo vai piorando cada vez mais.
Os donos do mundo, os responsáveis por grandes organizações, os banqueiros, os grandes empresários, os magnatas, não fazem nada para o mundo melhorar? São eles quem mandam.
Melhorem o mundo.
todo mundo agora é homofóbico basta criticar e pronto.
Houve um tempo em que as mulheres eram proibidas de falar...O que desenvolveu-lhes a insuperável capacidade de ouvir e observar - segundo Choderlos de Laclos -, NÃO O QUE AS PESSOAS DIZEM, MAS O QUE POR TRÁS DOS INTERDITOS ELAS PRETENDEM OCULTAR...Faltando agora argumentos ameaçadores, de um porvir cruel e insano, pela injusta disparidade entre um projeto de vida cidadã, que era interdito aos gays, embora todas as obrigações tributárias eram-lhes cobradas; os detentores da ilusão de dominação, que são os dominados e pobres fantoches em busca de inimigos e conspiradores; não têm mais como esconder sua inveja e sua fúria, porque, como eu mesma havia predito muitas vezes nesses posts, nesse blog, os gays venceram. O direito canônico , cuja brecha permite que 200 anos após um costume ser consagrado o mesmo transforme-se em Lei, há de ceder também um dia, e a própria Igreja - se sobreviver até lá!-, há de afirmar solenemente; uniões gays são verdadeiras, legítimas, e válidas. Os perseguidos serão os gays (ou heteros) solteiros, as bruxas e bruxos da ocasião. O paradigma da procriação terá sido substituído pela familiarização. Ou como queria supostamente o fundador involuntário dessas camarilhas chamadas igrejas, a confraternização, a igualdade, a solidariedade, o amor, a comunhão. Se estivesse vivo, Cristo estaria batendo palmas de alegria, porque homens e mulheres - declarados por Ele igualmente dignos, embora dignidade fosse um conceito abstrato muito avançado para a época e o ambiente atrasado do judaísmo-; finalmente agora podem se congraçar e felicitar, pelo fim da disparidade, da desigualdade. O que vai ter de homofóbico com inveja, com raiva, porque não tem mais a desculpa do autoengano: pelo menos me casei e criei filhos, pois só existe família heterossexual...Mas as futuras gerações colherão os frutos dessa mais que ansiada reparação, aos direitos humanos negados não só aos gays, como aos negros, às mulheres, à toda humanidade, pela sua emancipação efetiva, universal.
"Os cães ladram, e a Caravana passa."
Tem gente que jura que a hipocrisia católica, evangélica e congêneres há de se perpetuar eternamente, ameéeem...
Bendita seja a internet, pois deste mal não haveremos de sofrer por tanto tempo mais.
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