por Sérgio Rangel, da Folha
Um dos líderes da era Mano Menezes, o lateral direito Daniel Alves (foto), 27, começou a trabalhar em 1991. Logo após completar oito anos, ele ajudava seu pai na roça, no interior da Bahia, e sempre lembra o castigo imposto pela seca aos parentes e amigos.
Quase 20 anos depois, o jogador virou titular da seleção brasileira, é um dos astros do milionário Barcelona e já conquistou há algum tempo a independência financeira.
Apesar da carreira de sucesso, o baiano de Juazeiro (a cerca de 500 km de Salvador) diz ser vítima de racismo nos campos do velho continente.
Em entrevista à Folha, Dani Alves, como é chamado na Catalunha, revelou que é xingado pelos torcedores rivais.
"Convivo com isso todos os jogos. Eles me insultam, me chamam de macaco", afirmou o lateral, que se declara "moreno de família negra" e tem os olhos verdes.
Sem se esquecer da imagem da terra rachada na sua cidade, o lateral quer iniciar neste ano um projeto de irrigação no interior baiano para amenizar os efeitos da seca.
Não gosta, entretanto, de ter sua infância na roça usada como um exemplo. "Agora acho bacana ter passado por aquilo tudo, mas não desejo isso para nenhuma criança", afirma o jogador.
Folha - Você é um dos líderes da era Mano Menezes. Qual é o seu objetivo nesses próximos quatro anos?
Daniel Alves - A conquista da Copa do Mundo de 2014 é o objetivo principal. Vou fazer o trabalho da melhor maneira possível nos próximos anos para chegar bem no Mundial. Na [Copa da] África do Sul [em 2010], fizemos um trabalho espetacular, mas faltou arrematar com o título. Agora, estou num projeto novo. O Mano está dando oportunidade aos novos atletas. Essa é a marca do início do trabalho dele, que vai refletir na frente. Temos uma safra espetacular de jogadores.
Os atletas vivem reclamando da pressão dos torcedores, da série de jogos. É tão estressante assim?
As pessoas me questionam muito sobre a pressão do mundo do futebol aqui na Europa. Acho graça. Pressão sentia quando tinha que acordar às cinco horas da manhã para trabalhar e depois rodar mais de dez quilômetros para chegar ao colégio. Ia à escola preocupado se a plantação estava dando certo. Aquilo era pressão. No futebol, essa pressão não me pega. Eu faço o que eu amo, tento fazer o melhor que posso e estou em um jogo em que se pode vencer, empatar e perder. Futebol é isso.
Você nasceu no interior. Começou a trabalhar cedo?
Morei na roça. Meu pai alugava terras para plantar. Vivíamos da colheita, que na maioria das vezes não dava certo. Ele plantava melão, tomate, cebola, mas a seca atrapalhava muito. Desde os oito anos, eu colocava a bomba nas costas e jogava veneno nas plantas para matar as pragas. Trabalhava na enxada para fazer a irrigação. Não tínhamos máquinas na roça. Fiz de tudo até os 14 anos, quando comecei com o futebol e fui para Salvador.
Você ajuda a sua cidade?
Tenho um projeto social de levar água até o pessoal da roça. São seis meses de água e seis meses de seca lá. Espero que dê tudo certo. A ideia é começar o mais rápido possível. Já vi muita gente passar fome. Sei da dificuldade. A imagem da terra rachada me impressiona demais até hoje.
Você já sofreu racismo na Espanha?
Muito. Infelizmente, aprendi a conviver com isso. Eu me chocava bastante no começo. Mas agora não dou importância a essas reações. Eu acredito que as coisas só ofendem se você dá importância para elas.
Você é xingado durante as partidas?
Convivo com isso todos os jogos, mas não me sinto ofendido. Eles me insultam, me chamam de macaco. As torcidas é que fazem isso. Os jogadores são contrários. Todo jogo a torcida me enche. A minha família fica triste. Eles reclamam, mas procuro me distanciar disso. Considero essas pessoas sem educação e não dou importância.
Vocês não reclamam com os dirigentes?
Os clubes e a liga espanhola tentam fazer alguma coisas contra. Chegam a punir o clube, mas é incontrolável. Isso não vai acabar nunca.
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janeiro de 2011
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