do Der Spiegel
Fugindo das ameaças dos aiatolás iranianos, o rapper Shahin Najafi (foto), 31, se refugiou numa casa perto de Colônia, na Alemanha. Embora esteja sob proteção policial, as quatro fatwas lançadas contra ele até o momento pelos principais clérigos iranianos parecem incrivelmente distantes.
Najafi lançou uma música na qual implorava ao décimo imã, Ali al-Hadi al-Naqi, que voltasse à Terra para solucionar os problemas do Irã contemporâneo. Os xiitas veneram al-Naqi, que morreu 1.143 anos atrás e era descendente direto de Maomé. A canção foi baixada mais de 500 mil vezes apenas no Irã e foi assistida mais de meio milhão de vezes no YouTube.
Como é sua rotina no esconderijo em que está?
Leio, escrevo, tenho o violão comigo. Tento não pensar nas ameaças.
Alguém o visita?
Não, ninguém.
Você é casado aqui na Alemanha. Como sua família está lidando com a situação?
É difícil. Prefiro não comentar.
Quando começou a se interessar por música?
Dos 14 aos 18 anos, treinei para me tornar um cantor profissional dos versos alcorânicos.
Qual era o aspecto que mais o fascinava?
Eu era um menino muito religioso e, um dia, ouvi a música de um cantor alcorânico egípcio. A melancolia daquela música me tocou tão profundamente que me levou às lágrimas.
Depois, você frequentou a universidade?
Sim, cursei sociologia, mas não cheguei a me formar - principalmente porque se tratava de sociologia islâmica. Eu tinha dificuldade para aceitar os dogmas. Não se tratava de uma ciência, como ocorre no Ocidente. Fui expulso da universidade. Então, tive de me alistar no Exército. Foi então que perdi a fé.
O que houve?
Até então, eu era um jovem idealista. Vivia no mundo da poesia e das ideias. Pensava que a vida era apenas arte e filosofia. No Exército, descobri subitamente o mundo real.
Por que foi obrigado a deixar o Irã?
Depois do Exército, toquei em bandas que faziam versões cover de músicas pop ocidentais. Inicialmente, tocávamos apenas versões instrumentais, evitando problemas com as autoridades. Mas, a partir de 2003, comecei a compor, a tocar minhas próprias canções e logo me vi perseguido pelos agentes do serviço de informações. Em novembro de 2004, fiz minha última apresentação e fugi para a Alemanha, porque tinha sido sentenciado a 3 anos de prisão e a 100 chibatadas em razão de uma de minhas músicas.
Para um artista, não deve ser fácil viver no exílio. O público desaparece e é difícil conhecer novos ouvintes.
Experimentei bastante e, finalmente, passei a me dedicar ao rap. Na verdade, não gosto muito do hip-hop. A música é repleta de clichês e a subcultura, principalmente o lado machista, não me atrai. Mas, ao mesmo tempo, o rap é uma linguagem simples, direta e forte.
Não chega a ser surpreendente que sua canção 'Naqi' tenha provocado tamanha reação. Afinal, você evoca um imã considerado importantíssimo para os xiitas e faz versos falando de himens reconstituídos, corrupção e sexo. A capa mostra uma mesquita cuja redoma tem a forma de um seio, sobre a qual tremula uma bandeira do arco-íris. Você não acha que é difícil ser mais provocativo do que isso?
Sempre soube que minhas canções provocariam o regime. Entre outras coisas, a capa é uma alusão aos casamentos temporários no Irã. E a bandeira sobre a mesquita simboliza a pena de morte que é aplicada aos homossexuais em nome da religião. Ainda assim, admito que não esperava uma reação tão extrema.
Há algo de satírico nas letras de suas músicas.
Sim, sou um sátiro. Os poderosos não gostam de sátiros.
Salman Rushdie também poderia ser considerado um sátiro.
Os fundamentalistas não sabem brincar. Nunca aceitam piadas. Querem que obedeçamos cegamente e acreditemos nos seus dogmas.
Não se sente horrorizado pela possibilidade de ter de passar muito tempo escondido?
É claro que sim. Sou um músico. Preciso me apresentar. Não posso desistir. Tenho de ser ainda mais corajoso. Sabemos que temos muitos inimigos. Não apenas no Irã. Mas nada disso importa. O futuro nos pertence. Acho que a arte é uma força capaz de transformar o mundo.
São palavras nobres.
Na noite passada, vi um vídeo na internet. Nele, dois homens mascarados me ameaçam, falando em persa com sotaque afegão. Eles perguntam: por que você insulta nossa fé? Vamos encontrá-lo, não importa onde esteja escondido. Não estará a salvo em lugar nenhum. E eles também falam alemão. Talvez morem na Alemanha ou tenham crescido aqui. O que devo fazer? Desistir? Demonstrar arrependimento? Não farei nada disso. Acredito na história. Precisamos de tempo. Será preciso tempo para que as coisas comecem a mudar. Mas elas vão mudar.
Com tradução de Augusto Calil para o Estadão.
Irã condena atriz a chibatadas e à prisão pelo filme Teerã à Venda
outubro de 2011
Shahin Najafi foi
sentenciado a
três anos de prisão
|
Najafi lançou uma música na qual implorava ao décimo imã, Ali al-Hadi al-Naqi, que voltasse à Terra para solucionar os problemas do Irã contemporâneo. Os xiitas veneram al-Naqi, que morreu 1.143 anos atrás e era descendente direto de Maomé. A canção foi baixada mais de 500 mil vezes apenas no Irã e foi assistida mais de meio milhão de vezes no YouTube.
Como é sua rotina no esconderijo em que está?
Leio, escrevo, tenho o violão comigo. Tento não pensar nas ameaças.
Alguém o visita?
Não, ninguém.
Você é casado aqui na Alemanha. Como sua família está lidando com a situação?
É difícil. Prefiro não comentar.
Quando começou a se interessar por música?
Dos 14 aos 18 anos, treinei para me tornar um cantor profissional dos versos alcorânicos.
Qual era o aspecto que mais o fascinava?
Eu era um menino muito religioso e, um dia, ouvi a música de um cantor alcorânico egípcio. A melancolia daquela música me tocou tão profundamente que me levou às lágrimas.
Depois, você frequentou a universidade?
Sim, cursei sociologia, mas não cheguei a me formar - principalmente porque se tratava de sociologia islâmica. Eu tinha dificuldade para aceitar os dogmas. Não se tratava de uma ciência, como ocorre no Ocidente. Fui expulso da universidade. Então, tive de me alistar no Exército. Foi então que perdi a fé.
O que houve?
Até então, eu era um jovem idealista. Vivia no mundo da poesia e das ideias. Pensava que a vida era apenas arte e filosofia. No Exército, descobri subitamente o mundo real.
Por que foi obrigado a deixar o Irã?
Depois do Exército, toquei em bandas que faziam versões cover de músicas pop ocidentais. Inicialmente, tocávamos apenas versões instrumentais, evitando problemas com as autoridades. Mas, a partir de 2003, comecei a compor, a tocar minhas próprias canções e logo me vi perseguido pelos agentes do serviço de informações. Em novembro de 2004, fiz minha última apresentação e fugi para a Alemanha, porque tinha sido sentenciado a 3 anos de prisão e a 100 chibatadas em razão de uma de minhas músicas.
Para um artista, não deve ser fácil viver no exílio. O público desaparece e é difícil conhecer novos ouvintes.
Experimentei bastante e, finalmente, passei a me dedicar ao rap. Na verdade, não gosto muito do hip-hop. A música é repleta de clichês e a subcultura, principalmente o lado machista, não me atrai. Mas, ao mesmo tempo, o rap é uma linguagem simples, direta e forte.
Capa da música Naqi é uma alusão
aos casamentos temporários no Irã
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Sempre soube que minhas canções provocariam o regime. Entre outras coisas, a capa é uma alusão aos casamentos temporários no Irã. E a bandeira sobre a mesquita simboliza a pena de morte que é aplicada aos homossexuais em nome da religião. Ainda assim, admito que não esperava uma reação tão extrema.
Há algo de satírico nas letras de suas músicas.
Sim, sou um sátiro. Os poderosos não gostam de sátiros.
Salman Rushdie também poderia ser considerado um sátiro.
Os fundamentalistas não sabem brincar. Nunca aceitam piadas. Querem que obedeçamos cegamente e acreditemos nos seus dogmas.
Não se sente horrorizado pela possibilidade de ter de passar muito tempo escondido?
É claro que sim. Sou um músico. Preciso me apresentar. Não posso desistir. Tenho de ser ainda mais corajoso. Sabemos que temos muitos inimigos. Não apenas no Irã. Mas nada disso importa. O futuro nos pertence. Acho que a arte é uma força capaz de transformar o mundo.
São palavras nobres.
Na noite passada, vi um vídeo na internet. Nele, dois homens mascarados me ameaçam, falando em persa com sotaque afegão. Eles perguntam: por que você insulta nossa fé? Vamos encontrá-lo, não importa onde esteja escondido. Não estará a salvo em lugar nenhum. E eles também falam alemão. Talvez morem na Alemanha ou tenham crescido aqui. O que devo fazer? Desistir? Demonstrar arrependimento? Não farei nada disso. Acredito na história. Precisamos de tempo. Será preciso tempo para que as coisas comecem a mudar. Mas elas vão mudar.
Com tradução de Augusto Calil para o Estadão.
Irã condena atriz a chibatadas e à prisão pelo filme Teerã à Venda
outubro de 2011
Comentários
O mais interessante neste caso é que o fenômeno "perda da fé" parece ocorrer por uma mudança de realidade que leva o indivíduo a experimentar as contradições residentes em suas crenças.
Najafi diz:"Fui expulso da universidade. Então, tive de me alistar no Exército. Foi então que perdi a fé."
Já a ex pastora Teresa Macbain, da notícia veiculada neste site em 1/5/12, diz que seu último sermão foi no domingo dia 18 daquele mês. Falou de seu passado, de suas angústias e da necessidade de seguir novos caminhos.
O ex bispo mórmom Antônio Carlos Popinhaki, diz em seu blog: "Não creio num Deus que está presente em todos os lugares e que se denomina “pai de todos”. Não creio nisso. Isso foge à razão. Se Deus fosse assim, porque ele deixaria seus filhos morrerem de fome? Por que ele deixaria seus filhos prantearem, matarem-se entre si? E por qual razão uma pessoa nasce pobre e desprovida de certos confortos num país pobre da África enquanto outra pessoa nasce num país rico e cheia de privilégios?
Não posso concordar com estas teses apresentadas na bíblia e utilizadas por líderes religiosos corruptos e inescrupulosos de que Deus é amor, é bondade e tudo o mais."
Em matéria de 27/03/12, deste site, é dito sobre o ex pastor americano Mike Aus: "A ‘desconversão’ de Aus não ocorreu de um dia para outro. Um vídeo de dois anos atrás no Youtube mostra-o abordando de uma maneira crítica a história das religiões. Ele chega a comparar Deus com Papai Noel."
Então, se uma pessoa é educada para seguir um conjunto de regras e, por força destas mesmas regras, é levada a uma realidade em que experimenta contradições às regras, ela perde a fé. E este não é um processo rápido, leva tempo.
Também vou abrir aqui um espaço para a campanha pela vida do ateu saudita Hamza Kashgari. Tirando, talvez, a Turquia, a Albânia, a Bósnia e o Uzbequistão, a maioria todos países de maioria islâmica restringem a liberdade religiosa. São um bando de fundamentalistas e fascistas!
Não sabia que além da "psicologia cristã" ainda existia uma "sociologia islâmica".
E ainda tem ateu chorão que reclama de perseguição no brasil.
Onde?
Eu não sei quantos cristãos foram mortos por sua fé, mas sempre vou ficar do lado da liberdade religiosa. Fiquei do lado dos cristãos que são perseguidos na Nigéria, mandei um e-mail à Embaixada do Irã no Brasil criticando a condenação dada àquele pastor (que deixou o islã e tornou-se cristão), além da perseguição aos bahá'ís (uma minoria religiosa perseguida em muitos países islâmicos). Defendemos o Estado laico e a liberdade religiosa irrestrita. Mas cristãos também, num período não muito longe, perseguiram minorias religiosas. As guerras religiosas na Europa, a Inquisição, a perseguição a judeus, as bruxas mortas na Europa protestante e na América do Norte... E aqui mesmo na minha cidade, a mídia local já noticiou ataques que centros de religiões afro-brasileiras (umbanda e candomblé) que foram depredados e atacados por cristãos (provavelmente, evangélicos). Já presenciei um ataque de um evangélico a uma procissão católica aqui no meu bairro.
E ainda tem ateu chorão que reclama de perseguição no Brasil.
Quando uma celebridade da TV acusa no seu programa que os que não acreditam em Deus como responsáveis pela degradação da sociedade, isso não é perseguição?
Quando somente 13% dos brasileiros dizem que votariam num ateu, isso não é preconceito? Ironia das ironias, nunca votei num ateu (não que eu saiba). A religião (ou a falta de) do candidato não é fator para que eu vote em alguém, ao contrário dos 87% de brasileiros preconceituosos.
Quando o papa associa ateus a nazistas, isso também não é perseguição?
Quando um aluno ateu recusa a rezar numa escola pública e é perseguido por professores e alunos, isso não é perseguição?
" Eu era um menino muito religioso e, um dia, ouvi a música de um cantor alcorânico egípcio. A melancolia daquela música me tocou tão profundamente que me levou às lágrimas. "
Me lembra a relação entre religião e música, tratada nesse artigo:
http://xr.pro.br/ENSAIOS/Religiao_Musical.html
Um trecho:
" Façamos um desafio aos religiosos, ou ao menos à maioria deles, principalmente aos cristãos: experimentem retirar TOTALMENTE a Música de suas atividades! Fazendo isso, será que a 'presença de Deus' se fará sentir da mesma forma? Será que teremos os arrebatamentos emocionais tão típicos das congregações? Continuariam a igrejas lotadas e animadas?
E se a Arte, em especial a Música, não for o mero resultado da alegria típica dos rituais, ou uma mera retribuição estética ao divino?
E se a Arte for na verdade a causa da Religiosidade? "
Antonio Porto (conhecido troll religioso de Internet, vai ficar famoso assim.:-), a perseguição a cristãos é fundamentalmente feita por outras religiões, assim como cristãos tem perseguido outras crenças sempre que possível (como judeus, islâmicos, etc).
Assim, o melhor e mais seguro lugar para ser religioso, é em uma sociedade laica, como todas as evidências indicam.
Antes de começar com a falácia conhecida sobre "os comunista ateu", precisa entender que além de uma sociedade laica, para ser segura e mais justa, esta precisa ser democrática.
Totalitarismos, ditaduras, teocráticas ou de estado, são perniciosas, não por serem "atéias", mas por serem ditaduras, e como tal, sufocarem grupos de oposição, ou que possam vir a ser oposição, como igrejas, sociedades de amigos de bairro, sindicatos, clubes do livro, etc.
Se você, com seu cristianismo cego, tivesse de escolher um lugar para viver, onde escolheria, a laica Suécia, e sua maioria de habitantes ateus e agnósticos, ou a religiosíssima Nigéria?
Se acha a Nigéria demais, tente a Arabia Saudita, muito "rica" (em termos, se não for da realeza saudita).
Não é uma "reclamação" de perseguição que se faz no Brasil, é a exigência de direitos reais, e a defesa de um estado laico, para que continue laico.
Isso é importante, inclusive, para malucos religiosos como você, para estarem mais seguros. Pense (não dói), se uma das muitas religiões se tornar hegemônica no Brasil, mas não for a "sua" religião, o que acha que acontecerá com seu direito a liberdade religiosa?
Cognite Tute
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