Pular para o conteúdo principal

Ensino religioso em escolas de um Estado laico é aberração



por Juan Arias
para El País Brasil

Assim como não existe nas escolas uma matéria sobre o amor, também não deve existir sobre a religião. Existem coisas que se aprende com a vida, dentro da família e da comunidade. E, principalmente, se vive.

O debate sobre a necessidade de se criar em um Estado laico uma disciplina chamada religião junto com a física e a matemática é uma verdadeira aberração. É um debate político, não educacional.
Escola não pode
impor uma forma
de religião ou de fé

A história nos ensina tristemente como se degrada a religião quando dela se faz um instrumento de poder e de conquista, ou se pretende impor.

Pode-se discutir até o infinito se o sentido religioso ou sagrado é algo natural ao homo sapiens ou adquirido, mas não se pode impor uma forma de religião ou de fé.

Sabemos muito bem onde desembocaram os Estados confessionais, que foram a base da vida social da Idade Média, assim como das ditaduras modernas de direita. Sabemos igualmente como acabaram fracassando, pelo outro extremo, os regimes comunistas que tentaram barrar da história e do ser humano o sentimento do sagrado.

Assim como não se pode impor por lei ou Constituição o ateísmo, também não se pode impor qualquer tipo de crença. Se há algo que deve ser deixado ao livre arbítrio, à esfera pessoal, é o sentir religioso ou agnóstico da vida. Salvaguardar esses espaços de liberdade em matéria de fé e religião, sem fazer deles instrumento de política ou de conquista, é a melhor homenagem que se pode oferecer a eles.

É fato que a religião, como o amor, são tão antigos como a humanidade. Os primeiros seres humanos já enterravam seus mortos.

Mas, se não se deve ensinar a religião nas escolas, e menos ainda uma religião determinada, para defender a liberdade dos alunos de decidir pessoalmente como e no que acreditar em matéria religiosa, se poderia sim ensinar a história das religiões.

Foi um amigo meu, o filósofo agnóstico Fernando Savater, que me convenceu um dia de que todos (inclusive os não religiosos) deveriam estudar como nasceram, se forjaram e atuaram no mundo as diferentes formas de religiosidade, desde as monoteístas às panteístas, assim como as infinitas formas de se manifestar do sentimento religioso através da história nos diferentes continentes.

Meu amigo filósofo estava convencido de que, assim como se estuda História da Arte e História da Filosofia, se deveria ensinar nas escolas a História das Religiões, justamente para poder entender de um ponto de vista puramente cultural a influência que as religiões tiveram e têm na criação das diferentes artes, da pintura à arquitetura. E até mesmo da própria filosofia.

Como explicar, por exemplo, a criação de templos, igrejas e catedrais, as infinitas obras pictóricas ou de guerras criadas em nome das religiões sem estudar a evolução e a história das mesmas através dos séculos, vistas do ponto de vista histórico e político?

Se para qualquer aluno seria uma grave lacuna deixar de estudar, por exemplo, a História da Arte e sua evolução desde as pinturas rupestres até hoje, também o seria ignorar a existência das diferentes religiões e o que elas criaram de positivo e de negativo ao longo dos tempos.

Desse estudo, que deve ser apenas acadêmico, à educação — como pretendem algumas correntes religiosas — de uma religião concreta e apresentada geralmente como melhor do que as outras e, às vezes, em antagonismo a elas, existe, no entanto, um abismo.

Um Estado laico, como é o Brasil por Constituição, não pode impor, sem infringir sua Carta Magna, a religião como disciplina nas escolas públicas.

A desculpa apresentada por alguns para defender a disciplina obrigatória, de que a Constituição brasileira foi promulgada em 1988 “sob a proteção de Deus” é uma falácia. Essa alusão a Deus significa apenas que este é um país onde o sentimento religioso, a presença do sagrado, e em geral do divino, é algo que pertence à essência da sociedade, e que, por isso mesmo, deixou sua marca na Carta Magna.

Essa é uma sociedade que leva em suas veias a mistura de muitas crenças, começando pela cristã imposta pelos conquistadores, às vezes com violência atroz, aos nativos que possuíam suas crenças religiosas, das quais foram extirpados. Chegaram depois as ricas religiões africanas trazidas pelos escravos, assim como as diferentes confissões dos inúmeros imigrantes que chegaram a esta terra considerada abençoada pelos deuses.

Essa mescla de religiões diferentes é o que faz com que o Brasil se distingua por sua rica cultura religiosa, sem guerras de religião, harmonizado e enriquecendo as diversas crenças.

Quando cheguei ao Brasil há anos, o teólogo da libertação e meu bom amigo Leonardo Boff me explicou que para entender aqui o fenômeno religioso tão diferente, por exemplo, do europeu, basta ver que um brasileiro pode pela manhã batizar seu filho em uma igreja católica, assistir à tarde a uma cerimônia espírita e, à noite, ir a um culto evangélico ou a uma reunião do candomblé.

Acrescentou Boff: “Aqui nem os agnósticos e ateus ficarão chateados se forem saudados com um ´Deus te abençoe´”.

Se, por exemplo, os italianos já nascem com o sentimento de arte em seu sangue, os brasileiros nascem com um profundo sentimento do sagrado, sejam ou não religiosos. Ainda hoje, em plena modernidade, é algo cultural, que ninguém tem o direito de combater nem de explorar, menos ainda politicamente. É um patrimônio nacional. É uma forma de amar. E isso não se ensina nem se impõe, se vive e se respira. E precisa poder ocorrer em absoluta liberdade.



Advogados se posicionam contra ensino religioso confessional

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Papa tem prima na Austrália que é Testemunha de Jeová

Bento 16  fez uma visita  a sua parente Em sua visita à Austrália, o papa Bento 16 visitou uma prima de segundo grau. O nome dela é Steffie Brzako Kopp, tem 81 anos, mesma idade do papa, e é também alemã. Steffie é Testemunha de Jeová. Ela mora em Cooma, comunidade de 8 mil pessoas. Sua mãe foi prima da mãe de Joseph Ratzinger, hoje o papa. Ela não via o primo desde 1979, época que Ratzinger era arcebispo de Munique, informa o jornal Canberra Times. Ao visitar a prima, Bento 16 elogiou as atividades missionárias dos Testemunhos de Jeová. E acrescentou: “Vocês estão fazendo o que deveríamos fazer. Têm salas pequenas, mas cheias; nós temos as catedrais e as igrejas, muitas vezes vazias”. A afirmação do papa confirma que ele não está preocupado com a perda de fiéis nos últimos anos, graças, por exemplo, a atitudes retrógadas da Igreja Católica de ser contra o uso da camisinha nesta época de AIDS. O bispo Edir Macedo, oportunista do jeito que é, talvez se inte...

Cardeal africano cotado para ser papa associa gay à pedofilia

O conservador Peter Turkson é forte  candidato a substituir o papa Bento 16 O cardeal Peter Turkson (foto), de Gana, disse à rede CNN que há menos casos de pedofilia na África em relação a outros continentes porque muitos povos africanos não aceitam o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Nas bolsas de apostas, Turkson é um dos mais cotados para ser o novo papa. Ele afirmou que a África existem “sistemas culturais tradicionais que protegem sua população dessa tendência [pedofilia]”. Isto porque, explicou, em muitas comunidades “as relações de pessoas do mesmo sexo não são toleradas". Barbara Blaine, presidente da Snap., uma ong de assistência às vítimas de pedofilia, disse que o comentário “horrível” de Turkson o desqualifica para substituir Bento 16. "As declarações do cardeal são inaceitáveis”, disse Blaine à Folha de S.Paulo. “Se ele for eleito o novo papa, a igreja vai jogar sal nas feridas das vítimas e mandar um sinal claro de que os padres crimi...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Livro conta em 300 páginas histórias de papas das quais poucos sabem

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

O compositor e cantor Chico Buarque  disse em várias ocasiões ser ateu. Em 2005, por exemplo, ao jornal espanhol La Vanguardia , fez um resumo de sua biografia.

Nada na civilização faz sentido, exceto à luz da evolução de Darwin