Pular para o conteúdo principal

Em Estado laico ninguém pode impor sua religião à sociedade


Parlamentares não deveriam
ser porta-vozes de religiosos

por 
para Consultor Jurídico

Durante quase 400 anos, desde o início da colonização portuguesa até o advento da República, o Estado e a Igreja Católica integravam a ordem política brasileira.

A Constituição imperial de 1824, apesar de sua inspiração iluminista e liberal, estabeleceu em seu artigo 5º: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. Assim, à Igreja Católica se assegurou o domínio do espaço político, e às demais, o espaço privado.

A interferência da religião na vida privada foi marcante na formação do homem brasileiro, repercutindo na dificuldade até hoje sentida da definição do que é privado e do que é público, da confusão entre “o jardim e a praça” — a feliz metáfora de Nelson Saldanha —, do sentimento generalizado de que a coisa pública e as funções públicas seriam extensão do espaço familiar ou patrimônio expandido de grupos familiares.

Esse traço resistente da nossa cultura tem origem no desenvolvimento da sociedade portuguesa, transplantado para o Brasil colonial. 

Para Nestor Duarte, o “privatismo característico da sociedade portuguesa” encontrou, no meio colonial brasileiro, condições excepcionais para o fortalecimento da organização familiar, “que se constitui a única ordem perfeita e íntegra que essa sociedade conheceu”. A casa grande era uma “organização social extraestatal, que ignora o Estado, que dele prescinde e contra ele lutará”. A igreja era a única ordem que conseguia preencher o vazio entre a família e o Estado no território da colônia.

A igreja regulava a vida privada das pessoas desde o nascimento à morte, conferindo a seus atos caráter oficial. Os atos e registros de nascimento, casamento e óbito eram da competência do sacerdote. Os cemitérios estavam sob controle da igreja.

Apenas com o advento da República, em 15 de novembro de 1889, o ideário da modernidade de separação do Estado e da igreja se consumou (Decreto 119-A, de 17 de janeiro de 1890).

A Constituição de 1891 estabelecerá que (artigo 72, parágrafo 7º) “nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o governo da União ou dos estados”. A partir daí, confirmando-se nas Constituições subsequentes (como o artigo 19, I, da CF-88), a religião saiu juridicamente da vida política, destinando-se à vida privada.

O Estado laico é conquista de todos e das famílias, porque fundado na ética da tolerância. Não é hostil às religiões; ao contrário, surgiu no processo emancipador da humanidade, para assegurar a liberdade religiosa. Acolhe e garante os crentes e os não crentes. Nesse sentido, é o Estado neutro.

Apesar do advento mais que centenário do Estado laico, houve e ainda há tentativas de imposições de valores religiosos no ordenamento jurídico das relações familiares.

A igualdade entre os cônjuges, o reconhecimento jurídico das entidades familiares fora do casamento, o direito ao divórcio, a igualdade jurídica entre filhos de qualquer origem foram e são alvo dessa interferência indevida, em desafio aberto ao Estado laico. Foi difícil a luta para redução do quantum despótico nas famílias, ao longo do século XX; cada passo era resultado de árdua batalha legislativa, como se viu na progressiva emancipação dos filhos “ilegítimos”.

No âmbito privado, as pessoas podem dirigir suas vidas familiares de acordo com os valores da religião a que se vincula, desde que não conflitem com os princípios constitucionais. Podem, por exemplo, não se divorciar, se assim determina sua religião. Podem não concordar que haja outras entidades familiares fora do casamento.

Não podem, todavia, impor suas convicções religiosas ao conjunto da sociedade, ainda que aquelas sejam majoritárias, porque o Estado laico também protege outras convicções religiosas ou não religiosas minoritárias e a liberdade de cada pessoa de realizar seus projetos de vida.

É preocupante que alguns parlamentares assumam seus mandatos como representantes do povo e se convertam em porta-vozes de seus grupos religiosos, como se não vivessem em um Estado laico. 

Paulo Lôbo é advogado, doutor em Direito Civil pela USP. O título do texto é de autoria deste site.


Estado laico deve proteger todas as constituições de família

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Psicóloga defende Feliciano e afirma que monstro é a Xuxa

Marisa Lobo fez referência ao filme de Xuxa com garoto de 12 anos A “psicóloga cristã” Marisa Lobo (foto) gravou um vídeo [ver abaixo] de 2 minutos para defender o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da crítica da Xuxa segundo a qual ele é um “monstro” por propagar que a África é amaldiçoada e a Aids é uma “doença gay”. A apresentadora, em sua página no Facebook, pediu mobilização de seus fãs para que Feliciano seja destituído da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara. Lobo disse que “monstro é quem faz filme pornô com criança de 12 anos”. Foi uma referência ao filme “Amor Estranho Amor”, lançado em 1982, no qual Xuxa faz o papel de uma prostituta. Há uma cena em que a personagem, nua, seduz um garoto, filho de outra mulher do bordel. A psicóloga evangélica disse ter ficado “a-pa-vo-ra-da” por ter visto nas redes sociais que Xuxa, uma personalidade, ter incitado ódio contra um pastor. Ela disse que as filhas (adolescentes) do pastor são fãs

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê