do National Catholic Reporter
Com a premiação de Melhor Filme para Spotlight, a humilhação pública à Igreja Católica está, agora, tão completa quanto se poderia esperar em uma cultura onde o que está nas telas é, frequentemente, o elemento mais persuasivo na formação da opinião pública.
No caso dos sacerdotes abusando sexualmente de crianças e bispos e outros ocultando os seus crimes, a ressonância bíblica pode, então, ser finalmente sentida: os primeiros foram postos, publicamente, em seus lugares nos últimos assentos. Os segundos tornaram-se os primeiros — e ganharam um lugar especial (inclusive no palco com Lady Gaga). As vítimas não mais precisam se esconder ou temer. Os poderosos, de fato, caíram de seus tronos; os humildes foram exaltados.
Conforme disse Barbara Blaine — fundadora da Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres — na noite de Oscar: “Expor centenas de milhares de pessoas em todo o planeta a um convincente filme, baseados em fatos reais, sobre essa crise (…), é, em si, uma realização incrível e real, uma vitória na vida de incontáveis pessoas”.
O filme poderosamente ilustra o que a Igreja não conseguiu perceber a respeito de si mesma: que o ato de abuso, horrível como o é em quaisquer circunstâncias, amplificou-se em suas indizíveis especificidades porque uma cultura masculina celibatária fora tão protetora de seu próprio status e de seus privilégios, ficando tão fechada sobre si mesma que acabou surda aos apelos lancinantes de filhos, pais, congregações e as poucas almas dentro de suas fileiras que se atrevem a falar a verdade.
Em resumo, o filme, na verdade, fala de um “sistema”, um sistema que, em tese, deveria ajudar na busca pela santidade, busca que se revelou desprezivelmente corrupta. A produção levou pessoas de fora — jornalistas, em particular — a questionar a moralidade da instituição. Levou também a se questionar aqueles que se afastaram dessa cultura clerical, notadamente o padre dominicano Thomas Doyle, que entendeu que estava condenando a sua carreira clerical quando decidira não dar as coisas às vítimas, e o ex-padre beneditino Richard Sipe, psicanalista que seriamente estudou o sacerdócio e compreendia a dinâmica do escândalo.
O filme, sobretudo, trouxe a coragem das vítimas que vieram a público e resistiram à arrogância, muitas vezes fulminante, de bispos e advogados que tentavam desvirtuar a verdade perturbadora.
Muito resta ainda a ser feito em múltiplos níveis, especialmente no sentido de garantir aos sobreviventes caminhos de cura. Mas para os que, por quaisquer motivos compreensíveis, não coadunam com os milhares de palavras escritas sobre o escândalo, com as pilhas de documentos que foram desenterradas, que não gostariam de ouvir as infinitas horas de depoimento acumuladas durante três décadas, o filme Spotlight fornece um jeito de captar, com rapidez, a realidade essencial deste capítulo da vida da Igreja.
A humilhação é impressionante e apropriada, dada a imensidão da traição. Não é pequena ironia o fato de que Academy Awards, frequentemente um exemplo de superficialidade cultural, deva ser o veículo para esta verdade quaresmal.
O que Hollywood não pode fazer, evidentemente, é explorar a tradição sacramental da Igreja, em que se encontram todos os recursos necessários para se entender a humilhação e usá-la como um ponto de conversão.
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Com a premiação de Melhor Filme para Spotlight, a humilhação pública à Igreja Católica está, agora, tão completa quanto se poderia esperar em uma cultura onde o que está nas telas é, frequentemente, o elemento mais persuasivo na formação da opinião pública.
Filme mostra que vítimas resistiram à arrogância fulminante de bispos |
O filme poderosamente ilustra o que a Igreja não conseguiu perceber a respeito de si mesma: que o ato de abuso, horrível como o é em quaisquer circunstâncias, amplificou-se em suas indizíveis especificidades porque uma cultura masculina celibatária fora tão protetora de seu próprio status e de seus privilégios, ficando tão fechada sobre si mesma que acabou surda aos apelos lancinantes de filhos, pais, congregações e as poucas almas dentro de suas fileiras que se atrevem a falar a verdade.
Em resumo, o filme, na verdade, fala de um “sistema”, um sistema que, em tese, deveria ajudar na busca pela santidade, busca que se revelou desprezivelmente corrupta. A produção levou pessoas de fora — jornalistas, em particular — a questionar a moralidade da instituição. Levou também a se questionar aqueles que se afastaram dessa cultura clerical, notadamente o padre dominicano Thomas Doyle, que entendeu que estava condenando a sua carreira clerical quando decidira não dar as coisas às vítimas, e o ex-padre beneditino Richard Sipe, psicanalista que seriamente estudou o sacerdócio e compreendia a dinâmica do escândalo.
O filme, sobretudo, trouxe a coragem das vítimas que vieram a público e resistiram à arrogância, muitas vezes fulminante, de bispos e advogados que tentavam desvirtuar a verdade perturbadora.
Muito resta ainda a ser feito em múltiplos níveis, especialmente no sentido de garantir aos sobreviventes caminhos de cura. Mas para os que, por quaisquer motivos compreensíveis, não coadunam com os milhares de palavras escritas sobre o escândalo, com as pilhas de documentos que foram desenterradas, que não gostariam de ouvir as infinitas horas de depoimento acumuladas durante três décadas, o filme Spotlight fornece um jeito de captar, com rapidez, a realidade essencial deste capítulo da vida da Igreja.
A humilhação é impressionante e apropriada, dada a imensidão da traição. Não é pequena ironia o fato de que Academy Awards, frequentemente um exemplo de superficialidade cultural, deva ser o veículo para esta verdade quaresmal.
O que Hollywood não pode fazer, evidentemente, é explorar a tradição sacramental da Igreja, em que se encontram todos os recursos necessários para se entender a humilhação e usá-la como um ponto de conversão.
Os bispos e o resto da cultura clerical têm a linguagem e a formação para compreender esta tradição sacramental e a necessidade do verdadeiro arrependimento. Aqui e ali, vemos pessoas fazendo essa tentativa. Mas nunca se tentou fazer um esforço comunitário amplo.
Ao escrever para o National Catholic Reporter em julho, Dom Edward J. Burns, de Juneau, Alaska, presidente da Comissão para a Tutela das Crianças e Jovens, da Conferência Episcopal dos EUA, assim se manifestou:
“Nós não devemos considerar o escândalo de abuso sexual clerical como um desvio da missão da Igreja, como se, uma vez tendo meio de ‘ratificado o problema’, poderíamos continuar como antes. Em vez disso, os nossos pastores, eu incluso, precisam encarar a situação e se arrependerem. Um arrependimento autêntico e sincero pelos nossos pastores da nossa igreja não é um desvio da missão: é a missão neste momento na vida da Igreja e de seus líderes”.
A comunidade anseia por cura. Esperemos para ver se os líderes católicos de hoje têm a vontade de se engajarem verdadeiramente neste momento na vida da Igreja.
Com tradução de Isaque Gomes Correa para IHU Online.
“Nós não devemos considerar o escândalo de abuso sexual clerical como um desvio da missão da Igreja, como se, uma vez tendo meio de ‘ratificado o problema’, poderíamos continuar como antes. Em vez disso, os nossos pastores, eu incluso, precisam encarar a situação e se arrependerem. Um arrependimento autêntico e sincero pelos nossos pastores da nossa igreja não é um desvio da missão: é a missão neste momento na vida da Igreja e de seus líderes”.
A comunidade anseia por cura. Esperemos para ver se os líderes católicos de hoje têm a vontade de se engajarem verdadeiramente neste momento na vida da Igreja.
Com tradução de Isaque Gomes Correa para IHU Online.
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