por Helio Duque
“Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade”. De maneira icástica, sem artifícios, Rui Barbosa definiu o que deve nortear o processo civilizatório: o amor à verdade. Um século depois da notável definição de Rui, o Brasil se defronta com o surgimento de fundamentalismos invadindo o seu cotidiano. Nele o Estado laico vem sendo vítima.
Ante uma realidade complexa, agredida pela injustiça social, patrimonialismo, ignorância emburrecedora e negação dos valores que devem orientar uma sociedade decente e solidária, os seus arautos propõem soluções simplistas. Na esfera pública se alimenta da indigência popular, terreno fértil para as suas propostas. A verdade é atropelada.
Messianismo nefasto se sente empoderado |
O Estado laico no Brasil tem sua origem na Constituição republicana e se consolidou nos diferentes textos constitucionais.
Nele, o livre pensar e a liberdade de culto, em todas as suas latitudes, é garantido institucionalmente. Não se descrimina a fé, seja católica, protestantes, islâmicas, budistas, judaicas, hinduístas e as africanas nas suas várias manifestações.
Infelizmente o respeito a diferentes credos vem sendo demonizados por seitas fundamentalistas.
É um messianismo nefasto que usa o nome de Deus na mercantilização da fé, transformada para alguns em grande negócio com acumulação de fortunas incalculáveis. Chegam a criar partidos políticos, avançando na mídia eletrônica e empobrecendo a vida pública, com inegável êxito.
O Estado laico, ao assegurar a pluralidade de pensamento e convicções pessoais, é o pleno exercício da liberdade. Na fé e na política ela deve ser exercida na sua plenitude. Os professadores de verdades acabadas tem horror às ideias democráticas.
Não fica adstrita ao fundamentalismo religioso, estende-se pela política com as verdades ideológicas sendo transformadas em monopólio. Esse cenário entristecedor vem criando raízes profundas e se multiplicando, tendo o sectarismo como matriz das suas pregações.
Sectarismo agora é a matriz das pregações |
O laicismo estatal passa a ser ferido em duas frentes. De um lado pelos adulteradores da fé e do outro por formulações políticas intolerantes impróprias do viver democrático. Na educação, por exemplo, a laicidade estatal não pode ser violentada, objetivando traçar novas diretrizes para a educação pública.
O professor Fernando Abrucio, coordenador do curso de administração da Fundação Getúlio Vargas, considera que temas como Escola sem Partido, carecem de sentido real. Afirmando: “O projeto Escola sem partido, em verdade baseia-se em equívocos conceituais. O primeiro deles é acreditar – ou dizer acreditar – que seja possível transmitir conhecimento de uma forma neutra. Isso não é possível em nenhum lugar ou época da história humana. Ao contrário, o ideal é construir uma escola plural, em que várias ideias diferentes possam ser apresentadas e discutidas”.
É oportuno relembrar que, a partir de 1891, com o advento da República, Estado e Igreja foram separados. Por quatro séculos no Brasil a Igreja Católica era a religião oficial do Estado. Sendo estatal, padres, bispos e arcebispos eram remunerados como funcionários públicos.
A liberdade de poder educar as gerações nos fundamentos da liberdade tem aí a sua origem. Nos últimos 170 anos nascia, para se perpetuar pelo tempo na vida brasileira, o laicismo. Defender princípios religiosos ou ideológicos que negue a pluralidade de consciência na formação de gerações é negar a liberdade ou consciência.
O professor emérito da Universidade de São Paulo, José de Souza Martins, ante essa realidade adverte: “Essas iniciativas representam uma agressão ao bem comum e tentativa de grupos sociais restritos de instituírem mecanismos repressivos de controle ideológico ou religioso sobre a formação das novas gerações de todos os brasileiros.”
Com a autoridade de ser um dos maiores sociólogos brasileiros, demonstra que o Estado laico não pode ser capturado por um Estado confessional ou ideológico. Resistir é missão dos brasileiros conscientes.
Helio Duque é doutor em ciências pela Unesp. Esse artigo foi publicado originalmente no site Alerta Total.
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