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João diz como se transformou no médium de cura João de Deus

por Pablo Nogueira, da revista Galileu, com foto de André Schneider

É um belo fim de tarde de sexta-feira e estou fazendo hora em um jardim. Ao meu redor, espalham-se cerca de 70 pessoas de todas as idades, e estamos aguardando que o homem que dirige esse lugar apareça para nos dizer adeus. Sem ter muito o que fazer, começo a escutar a conversa de quem está por perto. Identifico vários franco-canadenses, um casal alemão com duas filhinhas, uma menina com aspecto de indiana falando francês com sotaque (de onde será?), duas senhoras norte-americanas, outras duas da Austrália e um grande grupo proferindo algo totalmente incompreensível, que depois descubro ser húngaro. Quase todos vestem branco, e o papo segue animado. O clima é aquela mistura de alegria com nostalgia antecipada, característico do fim de qualquer viagem bem-sucedida. Amanhã todos estarão voando de volta a seus países, após uma estadia de pelo menos duas semanas na pequena Abadiânia, no interior de Goiás.

Uma porta se abre. Dela sai um homem corpulento, na faixa dos 60 anos e igualmente vestido de branco, que caminha devagar. Está visivelmente cansado e tem motivos para isso, pois conversou com mais de 2.400 pessoas nos últimos três dias. Ele é cercado pela legião de estrangeiros, ávidos por tirar uma foto ao seu lado. Não há empurra-empurra, mas há competição, e o ritmo é de linha de montagem. Durante 20 minutos, ele posa para os flashes e faz questão de mostrar-se sorridente. Quem consegue sua foto fica satisfeito, pois cruzou continentes para encontrar o homem pessoalmente, ainda que por poucos instantes.

Esse personagem é João Teixeira de Faria (foto), 66 anos, mais conhecido como João de Deus. Ele é aquilo que os espíritas chamam de "médium de cura", alguém que, supostamente sob a influência de seres espirituais, identifica males, prescreve tratamentos e realiza cirurgias. A cena se desenrolou nos jardins da Casa de Dom Inácio, instituição criada por ele para oferecer tratamentos com claro viés espírita.

A mediunidade de João é o coração da Casa de Dom Inácio. Ele tem 1,80 m, voz grave e personalidade forte. Fala com sotaque do interior de Goiás, com o jeito simples de quem teve de interromper os estudos na segunda série para trabalhar. Suas palavras são assertivas. "Minha missão é servir de instrumento às entidades de luz. Quem cura é Deus e as entidades, eu nunca curei ninguém", diz. O tom mistura didatismo e paciência. Afinal, a explicação é repetida desde os anos 1950, quando João passou a ser procurado por doentes em busca de alívio e cura. "Não sou um pregador. Estou procurando mostrar às pessoas o que é a verdade, o que é o amor. Mas é difícil alguém chegar a Deus pelo amor. A maioria chega pela dor. Se você ficar cego um dia, vai buscar a Deus", diz.

Mesmo atribuindo ao além o mérito pelos atendimentos que lhe tornaram mundialmente conhecido, João defende o próprio trabalho. Nas paredes de seu escritório estão dependurados cerca de 50 títulos e diplomas. Eles revelam que João foi homenageado pelo Primeiro Batalhão de Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro, que é "Amigo do Exército", "Amigo da Marinha", cidadão honorário de Teresópolis... Ali também está um grosso arquivo com depoimentos, registrados em cartório, de pessoas que alegam terem sido curadas. "Eles fazem isso porque querem, eu não teria dinheiro para pagar tantas despesas de cartório. Você não faz um registro se não tiver obtido um benefício, não é?", questiona.

João menciona o grande número de famosos e poderosos que, em momentos difíceis, foram a Abadiânia em busca de auxílio. Cita alguns nomes que vão de ministros do Supremo Tribunal Federal a personalidades do showbiz. "Criei a Casa de Dom Inácio para fazer o bem. As pessoas que estão aqui vieram porque quiseram, eu não convido ninguém. Se continuam vindo, é porque percebem que o trabalho é sério. Você pode enganar alguém por um mês ou dois, mas por 50 anos é difícil", diz.

João tinha nove anos quando começou sua jornada. Caçula de cinco irmãos, residia com a família em Itapaci, no interior de Goiás. Certa vez, em visita com a mãe a um povoado vizinho, pediu a ela que regressassem assim que possível, pois uma tempestade logo cairia. Como nada indicasse chuva, ela não deu crédito, mas concordou em procurar abrigo na casa de um conhecido. Pouco depois, uma forte chuva derrubou ou danificou um quarto das construções do lugar.

Menino, caiu no mundo em busca de sustento. Aos 14 anos, foi parar em Campo Grande (MS). João conta que, após passar dias sem comer, estava à beira de um rio na periferia da cidade quando viu uma luz e ouviu uma voz lhe dizendo que fosse a um centro espírita da cidade. "Quando cheguei, perguntaram meu nome e disseram que estavam esperando por mim. Me chamaram para sentar à mesa e dirigir os trabalhos. Eu respondi que não entendia nada daquilo e que estava mesmo é com fome." Terminou aquiescendo e sentando-se à mesa, onde estavam os dirigentes da sessão espírita. Um deles entoou uma prece. "Fechei os olhos e percebi que estava caindo no sono." Quando acordou, foi informado de que havia incorporado uma entidade e realizado 50 cirurgias e atendimentos.

Ficou alguns meses em Campo Grande, mas logo começou a viajar. Durante oito anos, seu trabalho foi movido pelo boca a boca. "Famílias vinham até mim e depois me convidavam para ir às suas cidades", diz. Não se vinculou formalmente a nenhum grupo religioso e seguiu um modelo diferente do espírita tradicional, no qual os tratamentos são feitos apenas nos centros. "Eu acordava de manhã e via aquela multidão parada na minha porta. O que ia fazer? Começava a atender", lembra. Cotegipe (BA), Colinas (TO), Imperatriz (MA) e Wanderlei (BA) são algumas das cidades onde viveu. Ao mesmo tempo, ganhava a vida como pedreiro, garimpeiro e alfaiate.

No rastro do grande público, vinham as autoridades e os médicos. Já então ele dizia a quem o procurava que não interrompesse qualquer tratamento alopático e que seguisse as prescrições médicas. Nem por isso deixou de ser várias vezes detido sob a acusação de exercício ilegal da medicina e charlatanismo. Não chegou a ficar muito tempo preso, mas não gosta de falar do que aconteceu nas delegacias. "Sofri violências na prisão. Mas continuei na minha missão", limita-se a comentar, com os olhos marejados e a voz embargada, antes de mudar de assunto.

Gradativamente, aproximou-se de algumas autoridades. Após o golpe de 1964, começou a trabalhar como alfaiate para oficiais do exército. "Ali, encontrei pessoas que me deram apoio", diz. Continuou perambulando por várias cidades, acompanhando militares que eram transferidos. Assim João livrou-se das prisões e das perseguições.

Sua fase de viajante terminou em 1976, quando chegou a Abadiânia. Na época a cidade era governada por Hamilton Pereira, atual diretor administrativo da Casa de Dom Inácio. "Apoiei a vinda de João porque pensava que ela poderia beneficiar economicamente a comunidade", diz Pereira.

À época, Abadiânia era uma cidade com pouco mais de 10 mil moradores. Seus jovens trabalhavam em Goiânia, Anápolis ou Brasília e só retornavam ao município para dormir. A cidade tinha dois táxis e quase nenhuma infra-estrutura hoteleira. Hoje, com 13 mil habitantes, possui 26 pousadas com 1.500 leitos e uma frota de 37 táxis. São cerca de 500 empregos gerados pela Casa de Dom Inácio. Isso significa que ela tem um peso econômico maior do que a prefeitura. "Fico preocupado com o que pode acontecer quando João não estiver mais aqui", diz Pereira.

A estrutura que Abadiânia oferece para receber seus visitantes é desproporcional ao seu tamanho. Nos seis quarteirões da via que liga a BR-060 à casa, encontra-se uma profusão de restaurantes, cafés com internet, lojas de lembranças e agências turísticas. O viajante pode optar entre contratar os serviços de um massagista especializado em reflexologia ou agendar uma excursão para as cachoeiras de Pirenópolis. Os funcionários dos hotéis e do comércio dominam o básico do inglês, língua encontrada nos cardápios dos restaurantes e nos letreiros das lojas.

Curioso é que, embora João de Deus atraia multidões há décadas, o turismo só desabrochou recentemente. E bem rápido. Heather Cumming, paulista filha de escoceses, começou a freqüentar a região em 1998. Hoje, ela é dona de uma pousada que fica a quatro quarteirões da casa. "Até 2002, da entrada da minha pousada eu enxergava os portões da casa, a área ao redor era um pasto", diz. Agora tudo está tomado. Por trás desse crescimento estão dólares e euros. Heather diz que os primeiros a chegar ao local em grande número foram os australianos, em meados dos anos 1990. "Depois vieram os neo-zelandeses, os europeus e, por último, os norte-americanos", afirma. De fato, sinto-me como em um cofee-break na ONU, tantas são as nacionalidades e etnias representadas ali.

Hoje é possível encontrar vários sites estrangeiros com endereços como "johnofgodtours", "jeandedieu" ou "casadonignacio". Neles, visitantes convertidos em guias oferecem pacotes de viagens, em geral com 15 dias de duração. Os estrangeiros já respondem por metade das cerca de 800 pessoas em busca de uma consulta com o médium por dia. E o fenômeno é de mão dupla: na última década, João esteve uma vez na Grécia, uma na Nova Zelândia, três na Alemanha e quatro nos EUA.

O médium vê com naturalidade o interesse estrangeiro. "É gente que lê, que estuda. Estão vindo pela fé. E eu não prego nenhuma religião." E diz que não há nenhuma diferença entre realizar atendimentos aqui ou no exterior. "Para mim é a mesma coisa. Se pagarem os funcionários da casa por uma semana, vou aonde me chamarem", diz João.

Abadiânia em nada se assemelha aos demais pólos turísticos do País. A pequena cidade goiana respira sobriedade. Quase todos usam branco. Aqui e ali vêem-se cadeirantes e pessoas que caminham com bengalas. Mas também há crianças acompanhadas de seus pais, o que gera uma atmosfera "família". Nos restaurantes, a música calma, em volume baixo, favorece a intimidade. É comum ver duplas sentadas às mesas conversando concentradamente, como se estivessem relatando a história de suas vidas. A água-de-coco é a bebida mais popular, e é praticamente impossível encontrar bebidas alcoólicas nas proximidades da Casa de Dom Inácio.

"Nasci a poucos quilômetros daqui. Estou na minha terra, o interior de Goiás", diz João. Mas o fato é que a opção por Abadiânia não foi tão planejada. "Primeiro me instalei em Anápolis porque era amigo do prefeito", recorda o médium. Sua chegada, porém, despertou a pronta oposição da comunidade médica. "Ele então me pediu que me mudasse para Abadiânia." A história quase mudou de rumo em 1993, quando, escaldado por uma briga, o médium quis ir embora de Goiás. Recebeu um bilhete do amigo Chico Xavier, na verdade uma mensagem psicografada, assinada por Bezerra de Menezes, considerado o pai do espiritismo institucionalizado no Brasil. Ela dizia que Abadiânia era "o abençoado local de sua iluminada missão e de sua paz". "Chico era o papa do espiritismo. Um pedido dele era uma ordem", diz.

Rodar por Abadiânia a bordo da sua minivan Zafira prata é como estar ao lado de um político popular. As pessoas mantêm uma distância respeitosa. Mas, quando ele as chama para conversar, se aproximam sorridentes, apertam sua mão, abraçam. Ele chama aos mais jovens de "filho" e "filha". Sabe os nomes de muitos e conhece as histórias de alguns. "E o seu irmão, como está?", pergunta a um vendedor de espetinhos. Um rapaz evangélico, mulato e miúdo, na casa dos 20 anos faz questão de mostrar seu apreço. "Vou sempre à casa. Tenho uma foto do seu João dentro da Bíblia", diz. Parte da popularidade de João deriva dos trabalhos assistenciais que ele promove na cidade. A lista é extensa. Ele mantém uma filial da casa, situada em outro bairro, distribui diariamente cerca de mil pratos de sopa à população carente, paga o ensino superior para pelo menos uma dúzia de pessoas. Dois anos atrás, comprou quatro motos para a polícia. Em outubro passado, distribuiu 2 mil brinquedos no Dia das Crianças. E por aí vai.

Segundo João, o dinheiro para as obras de caridade vem da administração de quatro fazendas. "Trabalho lá três dias por semana e outros três na casa. Às terças, descanso", diz. Todos os tratamentos na casa são gratuitos. As entidades podem prescrever o uso de um medicamento de ervas produzido ali mesmo, que custa R$ 10 o pote. Mas quem alega não ter dinheiro pode levá-lo gratuitamente.

Com área de 12 mil m2, a Casa de Dom Inácio é um conjunto de pequenas construções, quase todas pintadas de azul celeste. Seu coração é a chamada "área mediúnica", um conjunto de cinco salas onde se desenvolve o atendimento. É lá, entre quarta e sexta, que João de Deus atende todos que o procuram.
Exatamente às 8h, as 200 cadeiras do saguão estão tomadas por uma multidão vestida de branco. O lugar é decorado com imagens de diversos líderes religiosos e seitas, de Jesus Cristo e Santo Inácio a Joana de Ângelis (ligada ao espiritismo), passando pelo budismo tibetano e sete gurus indianos. Há também um choque de estilos. Vejo um rapaz do leste europeu, usando cabelos compridos, com flores brancas nas mãos, grandes óculos escuros e camisa Empório Armani. Ele espera ser atendido ao lado de uma típica senhora do interior do Brasil. Ela veste saia de algodão e havaianas.

Abaixo da superfície colorida correm as águas escuras do sofrimento. Basta ver os que caminham com bengalas ou estão restritos a cadeiras de rodas, ou ainda aqueles que ostentam a calvície típica de quem encarou a quimioterapia. E aqueles cujos males não saltam aos olhos? Por trás de cada visitante pode haver uma história muito triste.
É preciso, então, grande discrição. "A gente não pergunta por qual motivo a pessoa veio aqui", diz Sebastião de Lima, 55, o Tiãozinho, que desde 1972 acompanha João como voluntário. "A pessoa diz às entidades o que busca, a fim de ser tratada. Para nós, ela só conta o que quiser, e se quiser", afirma.

Não há um ritual rígido ordenando as atividades da casa. Descalço e vestido de branco, João recita uma prece e, já em transe, senta-se em uma cadeira de espaldar alto para dar início aos atendimentos. "Sou um médium inconsciente, não lembro de nada do que aconteceu durante a incorporação", diz. Ele afirma que não gosta de ver sangue, nem de assistir aos registros em vídeo das cirurgias.

João não sabe dizer quantas entidades incorpora. Estima-se que sejam de 20 a 30. Os voluntários não sabem sequer os nomes de muitas, já que elas nem sempre se identificam. Mas aprenderam a distinguir as mais freqüentes pelos seus trejeitos. Dom Inácio manca e é bastante amoroso. Dr. Augusto de Almeida tem um jeito mais autoritário. Mas ninguém os confunde com João. Para um olhar destreinado como o meu, com pouco tempo de observação, fica difícil enxergar personalidades diferentes.

O momento do encontro com a entidade é um dos pontos altos da viagem a Abadiânia. É a hora de pedir o que se precisa ou averiguar o estado de um tratamento iniciado anteriormente. Muitos na fila estão descalços. Pessoas em cadeira de rodas parecem ter prioridade. Os estrangeiros muitas vezes estão acompanhados pelos seus guias, que traduzem seus pedidos à entidade, e a sua respectiva resposta. Os que estão sós podem contar com os voluntários da casa, que falam inglês e um pouco de francês. Embora a sala esteja lotada, a conversa é íntima e afetiva. A entidade sorri, pergunta como o consulente está, olha direto em seus olhos. Muitos se ajoelham. Há quem se debruce sobre o médium, como se procurasse mais privacidade. Muitos o chamam de "pai".

A maioria dos pedidos diz respeito a problemas de saúde. Há quem traga fotos de doentes, para serem tratados à distância. Com uma caneta, o médium faz um sinal atrás das imagens. Algumas são colocadas numa caixa, outras são devolvidas. Uma mulher loira, aparentando 45 anos, mostra uma foto e diz que aquela pessoa havia sido curada sem deixar a Finlândia. Com a voz séria, a entidade diz: "Esse é o poder de Deus. Eu sou o Dr. Augusto de Almeida".

Em outros momentos, a ação é mais direta, e a entidade faz as chamadas "cirurgias visíveis". São intervenções com facas, bisturis e tesouras, popularizadas por José Arigó nos anos 1970. Na Casa de Dom Inácio elas não são freqüentes e, em sua maioria, são pedidas pelos próprios consulentes, quase sempre os estrangeiros. Assisti a cinco dessas intervenções em três dias e pude observar que, embora houvesse pequenos sangramentos em alguns casos, ninguém se queixou de dor, mesmo quando a entidade passou uma faca sobre o olho de um homem sem o uso de anestésicos. Não localizei essas pessoas após as intervenções, para que relatassem mais detidamente os eventuais benefícios obtidos.

Quando pergunto o que faz com que alguns sejam curados e outros não, João diz que, "se houvesse um lugar onde todos ficassem curados, seria uma maravilha. Os hospitais fechavam. Não tem mágica, cada um recebe de acordo com o que merece. E quem cura é Deus, não sou eu".

Há ainda quem peça auxílio para trabalhar, para passar no vestibular, para ser aprovado em concursos, para encontrar pessoas desaparecidas, para engravidar. "Pode deixar que eu vou te ajudar com a sua profissão", diz a entidade a uma adolescente sorridente. Um casal de 20 e poucos anos, com aspecto de classe média alta, traz uma criança de colo e agradece a entidade. Ela segura o menino e sorri. Os atendimentos são interrompidos por volta do meio-dia e recomeçam às 14h. Tudo acaba por volta das 17h.

Filho da contracultura, o fotógrafo americano Craig Kolb, 61 anos, é um veterano de dez viagens à Índia. A fim de tratar de um problema no coração de sua mulher, Judith, pegou a "ponte aérea" Califórnia-Goiás. "Uma amiga brasileira nos recomendou a Casa de Dom Inácio. Ficamos interessados e descobrimos que nossos vizinhos haviam feito uma visita um ano antes." Vieram ao Brasil em abril por duas semanas, pagando US$ 3.000 cada um. Voltaram em outubro. "Estávamos com muita vontade de retornar. O quadro da minha esposa é estável. E eu, apesar de não ter nenhum problema, fui indicado a fazer uma cirurgia espiritual. Agora me sinto mais leve", diz.

O inglês Errol Roget, 55 anos, tem o olhar compenetrado do professor de matemática que é. Veio de Londres em março para tratar de uma dor crônica no joelho, causada por uma lesão na cartilagem. "Fiz uma cirurgia espiritual, mas não segui as indicações do tratamento. Voltei para fazer tudo certo. Meu joelho melhorou 60%, mas há algo mais acontecendo. Minha espiritualidade se fortalece. E isso é mais importante do que o meu joelho", diz.

A idéia de que o valor da visita vai além da cura física é algo presente na mente de muitos estrangeiros. É o caso da nova-iorquina Eva, uma loira de 50 anos presumíveis que trabalha como agente de viagens e pediu para não ter seu sobrenome citado. Ela conta que esteve na casa pela primeira vez em maio de 2007, movida pelo depoimento de uma amiga que melhorara de um câncer. "Eu sofria com dores nos ouvidos, menopausa, ansiedade e desequilíbrios nos neurotransmissores", conta. Passou por duas cirurgias espirituais. Quando voltou aos EUA, experimentou uma sensação de transformação. Além do bem-estar físico, diz que ficou mais intuitiva e sensível, e superou problemas pessoais.

Há ainda outros motivos para os estrangeiros lotarem a casa. Um bom exemplo é a história da jornalista romena Simona Constantinescu, que visitava a casa pela primeira vez em outubro. Ano passado, uma amiga dela veio a Abadiânia para encontrar-se com João. "Ela não tinha problemas de saúde. Veio apenas para entender mais sobre a vida e a morte", diz Simona. A amiga mostrou uma foto da jornalista a João, para pedir "boas vibrações". O médium disse que Simona deveria vir ao Brasil. "Me convenci que seria uma experiência enriquecedora e juntei o dinheiro durante um ano." Quando ficou frente a frente com João de Deus, Simona ouviu que é "filha da casa", um termo que sugere uma afinidade com o trabalho que acontece ali. A jornalista caiu em prantos. "Não sei que efeito isso vai ter em mim. Nunca tive experiências espíritas, mas estou deixando as coisas acontecerem", diz.

A atitude de João quanto ao tema religião é complexa. "Sou católico", responde ele, quando pergunto diretamente. No dia seguinte, define-se como "um espiritualista, que acredita em Deus, na fé, no amor". No mesmo dia, revela que vai "à Assembléia de Deus. Vou aonde eu me sentir bem, para ouvir a palavra de Deus". E argumenta: "Todas as religiões são boas. Maus são alguns dirigentes". Sua atitude ecumênica ficou clara quando me levou até Céu de Abadia, uma igreja do Santo Daime que funciona perto de Abadiânia. "O seu João nos apoiou desde que chegamos aqui", diz Wilson Francisco, padrinho do local. "Nos anos 1970 eu já dizia que o chá não era droga e fui preso e perseguido pelas autoridades por causa disso", lembra João.
A Casa de Dom Inácio reafirma o poder curativo da fé. Por isso, é natural que muitos dos que a visitam questionem suas próprias crenças. "Fui criada como católica, mas me afastei da religião. Quando voltei para casa, voltei à Igreja", diz Eva. "Muitos se reaproximam da religião que já tinham depois da experiência", concorda Heather.

Para os estrangeiros, a estadia em Abadiânia é a porta de entrada para o espiritismo, tal como se consolidou no Brasil. "Já li três livros sobre o espiritismo brasileiro, que comprei aqui mesmo na casa. Pretendo aprender português para me aprofundar", diz o americano Kolb. Já a romena Simona preferiu se preparar para a viagem lendo 20 livros sobre espiritismo em espanhol num período de seis meses.

João diz que o espiritismo é "uma filosofia" e que se aproximou dela "pelo conhecimento". Gosta de citar seu encontro com nomes como Gerônimo Candinho e Chico Xavier. Também narra como os familiares de Eurípedes Barsanulfo deram-lhe uma xícara que pertencera ao prócer do movimento espírita. Em dado momento, é capaz de se definir como kardecista. Mas volta atrás. João faz questão de frisar que, durante sua trajetória, não atendeu em centros espíritas. Aí pode estar um dos principais elementos do seu trabalho. Ao afastar-se de uma religião organizada, pode receber quem talvez se recusasse a entrar num centro espírita.

O fato é que Abadiânia está se tornando um ponto de peregrinação internacional. Há outros lugares no mundo onde se pode observar fenômenos parecidos. A pequena Puttaparthi, no sul da Índia, recebe anualmente milhares de visitantes, vindos de todas as partes do mundo, em busca de uma bênção do guru Satia Sai Baba. E até hoje a cidade de Puna, também na Índia, continua recebendo caminhões de adeptos dos ensinamentos do guru Osho, que morreu há quase 20 anos. A pequena cidade de Goiás, porém, entrou na rota de pessoas de todo tipo de crença, pois não está formalmente vinculada a nenhuma. E a única semelhança entre João de Deus e um guru é o fato de que ele repete, incansavelmente, um mesmo mantra: "Quem cura é Deus e os bons espíritos. Eu nunca curei ninguém".

Doentes fazem peregrinação a Franca em busca da medicina do além.
abril de 2011

Os milagrentos.

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