Título original: São Paulo à la carte
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
Você sabe o que é a tradição política conhecida no mundo anglo-saxão como "conservative"? No Brasil é quase inexistente. Entre nós, o termo é comumente utilizado para designar (de modo retórico) "pessoas más contra a democracia". Mentira. Conservadores são pessoas desconfiadas que não gostam de fórmulas políticas de redenção.
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
Você sabe o que é a tradição política conhecida no mundo anglo-saxão como "conservative"? No Brasil é quase inexistente. Entre nós, o termo é comumente utilizado para designar (de modo retórico) "pessoas más contra a democracia". Mentira. Conservadores são pessoas desconfiadas que não gostam de fórmulas políticas de redenção.
Por exemplo, eu desconfio de quem diz que ama a humanidade. Normalmente quem ama a humanidade detesta seu semelhante. Comumente pensa que seria melhor que seu semelhante deixasse de existir para, em seu lugar, "nascer" aquele tipo de gente que o amante da humanidade acha ideal. Prefiro pessoas que são indiferentes à humanidade, mas que pagam salários em dia.
O crítico da revolução francesa, o britânico Edmund Burke (século 18) usa esta mesma frase: "Loves mankind, hates his kindred" ("ama a humanidade, detesta seu semelhante") para gente como Rousseau (século 18), mentor espiritual da chacina que foi a Revolução Francesa. Proponho a leitura das suas "Considerações sobre a Revolução na França", pedra filosofal da tradição "conservative", ao lado de "Democracia na América" de Tocqueville (século 19).
Hoje, na América Latina, a onda fascista cresce travestida de "justiça social", e por isso sou obrigado a falar de política, caso contrário acabarei caindo na condição de "idiota" no sentido grego antigo: alguém que não participa da política e os outros participam no lugar dele.
Sou pessimista com nosso futuro político imediato: a elite deste país "brinca" com o fascismo de esquerda que se delineia no horizonte. Talvez ela acabe na mesma condição da aristocracia alemã e italiana que achava que podia "brincar" com os fascistas de então, e acabou na condição de cúmplice de um massacre.
Qualquer um que conheça a tradição "conservative" sabe que ela é múltipla e heterogênea. Nasce no século 18 como uma reação à agressão da ganância jacobina. Trata-se de uma sensibilidade política de trincheira. Defende-se, entre outras coisas, da mentira que é a crença em se transformar o mundo a partir de "closet theories" (teorias de gabinete), termo de Burke. O conservador reage a essas teorias não porque seja contra diminuir o sofrimento no mundo, mas apenas porque é inteligente o bastante para perceber o estelionato político dos que se dizem amantes da humanidade. Vejamos um exemplo.
Nos últimos anos um "novo" marxismo surgiu na Europa, uma salada mista de marxismo e Lacan. Nomes como Alain Badiou e Slavoj Zizek são as estrelas dessa nova seita fundamentalista, cozida entre consultórios lacanianos e cafés parisienses. Lacan aqui deve servir pra dar um toque "chique" a uma tradição violenta e banal que matou mais gente do que o próprio Hitler: Lênin, Stálin, Mao e Pol Pot.
Nossos gurus fazem uma leitura infame de São Paulo, fundador do cristianismo, em chave fanático-religiosa, como modelo a ser seguido no combate ao humanismo relaxado da sociedade liberal pós-moderna. Para eles, Paulo seria um exemplo ideal do protorrevolucionário marxista que passou por uma "transformação interior" e descobriu a "verdade" e a levou às últimas consequências. Socorro!
Os gurus, em seus gabinetes chiques, chegam a descrever o amor como "busca da verdade", passo necessário para uma nova "gramática do desejo". Uma "nova política" criada por seres com "gramáticas eróticas libertárias". Puro papo furado para crentes.
Amor não é uma experiência política, nem gramatical, mas afetiva e moral. Não quero que me ensinem a amar da forma correta. Ninguém ama corretamente nem politicamente. Amor é sempre errado.
Quando a política se "finge" amorosa é para matar o homem real em nome do amor por uma ideia de homem.
Pensar em se "reordenar politicamente a libido", coisa típica dessa seita, é um delírio que autoriza a repressão do desejo concreto em nome de um desejo abstrato, este, claro, definido no gabinete chique do guru. No fundo a seita quer que os homens reais deixem de existir para dar lugar aos homens com "libido politicamente reordenada".
Quem seriam eles? Provavelmente os gurus e seus discípulos, como sempre.
Livro afirma que Mahatma Gandhi foi bissexual, racista e pedófilo
março de 2011
Os afetos -- e não as ideias -- nos humanizam
junho de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
O crítico da revolução francesa, o britânico Edmund Burke (século 18) usa esta mesma frase: "Loves mankind, hates his kindred" ("ama a humanidade, detesta seu semelhante") para gente como Rousseau (século 18), mentor espiritual da chacina que foi a Revolução Francesa. Proponho a leitura das suas "Considerações sobre a Revolução na França", pedra filosofal da tradição "conservative", ao lado de "Democracia na América" de Tocqueville (século 19).
Hoje, na América Latina, a onda fascista cresce travestida de "justiça social", e por isso sou obrigado a falar de política, caso contrário acabarei caindo na condição de "idiota" no sentido grego antigo: alguém que não participa da política e os outros participam no lugar dele.
Sou pessimista com nosso futuro político imediato: a elite deste país "brinca" com o fascismo de esquerda que se delineia no horizonte. Talvez ela acabe na mesma condição da aristocracia alemã e italiana que achava que podia "brincar" com os fascistas de então, e acabou na condição de cúmplice de um massacre.
Qualquer um que conheça a tradição "conservative" sabe que ela é múltipla e heterogênea. Nasce no século 18 como uma reação à agressão da ganância jacobina. Trata-se de uma sensibilidade política de trincheira. Defende-se, entre outras coisas, da mentira que é a crença em se transformar o mundo a partir de "closet theories" (teorias de gabinete), termo de Burke. O conservador reage a essas teorias não porque seja contra diminuir o sofrimento no mundo, mas apenas porque é inteligente o bastante para perceber o estelionato político dos que se dizem amantes da humanidade. Vejamos um exemplo.
Nos últimos anos um "novo" marxismo surgiu na Europa, uma salada mista de marxismo e Lacan. Nomes como Alain Badiou e Slavoj Zizek são as estrelas dessa nova seita fundamentalista, cozida entre consultórios lacanianos e cafés parisienses. Lacan aqui deve servir pra dar um toque "chique" a uma tradição violenta e banal que matou mais gente do que o próprio Hitler: Lênin, Stálin, Mao e Pol Pot.
Nossos gurus fazem uma leitura infame de São Paulo, fundador do cristianismo, em chave fanático-religiosa, como modelo a ser seguido no combate ao humanismo relaxado da sociedade liberal pós-moderna. Para eles, Paulo seria um exemplo ideal do protorrevolucionário marxista que passou por uma "transformação interior" e descobriu a "verdade" e a levou às últimas consequências. Socorro!
Os gurus, em seus gabinetes chiques, chegam a descrever o amor como "busca da verdade", passo necessário para uma nova "gramática do desejo". Uma "nova política" criada por seres com "gramáticas eróticas libertárias". Puro papo furado para crentes.
Amor não é uma experiência política, nem gramatical, mas afetiva e moral. Não quero que me ensinem a amar da forma correta. Ninguém ama corretamente nem politicamente. Amor é sempre errado.
Quando a política se "finge" amorosa é para matar o homem real em nome do amor por uma ideia de homem.
Pensar em se "reordenar politicamente a libido", coisa típica dessa seita, é um delírio que autoriza a repressão do desejo concreto em nome de um desejo abstrato, este, claro, definido no gabinete chique do guru. No fundo a seita quer que os homens reais deixem de existir para dar lugar aos homens com "libido politicamente reordenada".
Quem seriam eles? Provavelmente os gurus e seus discípulos, como sempre.
Livro afirma que Mahatma Gandhi foi bissexual, racista e pedófilo
março de 2011
Os afetos -- e não as ideias -- nos humanizam
junho de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
"O amor a um único ser é uma barbaridade pois é pratico às expensas de todos os outros. Tal é o amor a Deus."
Além do Bem e do Mal. Aforisma nº 67.
"A humanidade" é apenas um ser abstrato ao qual a pessoa devota seu amor e o nega aos demais.
Eu sinceramente vi nada que lembrasse a hipocrisia dos cristãos intolerantes que leem um livro que diz pra "amar o próximo" mas odeiam não cristãos e LGBT e são machistas, mas vi muito sobre como o conservadorismo é supostamente ideal pra deter a "aberração" liberal/progressista/socialista.
Que bom também que vc adquira aprendizado com aqueles de que vc discorda. Nessa parte eu admito que preciso me ajustar.
Abs
No entanto, a grande maioria dos discordantes que tenho encontrado com ideias opostas às minhas têm argumentos de baixa qualidade. Usam muito de agressividade, falácias e manipulações (tipo Veja, blogs especistas, direitistas que não sabem argumentar sem xingar Lula, Dilma e o PT, cristãos preconceituosos etc.). Não que meu lado seja livre de erros, mas fatalmente percebo um contraste de qualidade entre o lado vegano/ateísta/cético/humanista/ambientalista e o especista/religioso/fortiano/teocêntrico/antiambientalista.
O texto acima argumenta em prol do conservadorismo sem agressividade. É, porém, uma exceção. Pelo menos ao meu ver.
(Robson, tenho fascínio pelos textos dos quais discordo talvez porque eles tenham a possibilidade de alargar a minha visão de mundo. O que não ocorre com textos que refletem o que penso. Abs.)
Realmente é muito perspicaz da sua parte! E o modo como foi dito, perfeito!
Vou escrever no jornal da minha escola à favor do direitismo e conservadorismo( é claro que todos lá são de esquerda). Gostaria de dizer que li 2 de seus livros e vários de seus textos e considero o senhor muito útil e vibrante!!! Fico feliz que existam pessoas como o senhor e ri por dentro quando, apesar de encontrar várias pessoas manifestando sua discordância, não encontrei um só argumento. Sinceramente, seria humanamente possível alguém escrever algo mais vazio do que: "Ao refletir a respeito do que foi postado, não pude deixar de notar o enorme vazio que o compõe. Nem tanto pelo estilo boçal com que foi escrito, mas certamente pelo evidente desconhecimento da história que foi demonstrado. Conservadores são sempre um atraso...", como vez o mocinho ai em cima?!
MH
Parabéns pelos sempre Brilhantes Textos..!
Amor não é uma experiência política, nem gramatical, mas afetiva e moral. Não quero que me ensinem a amar da forma correta. Ninguém ama corretamente nem politicamente. Amor é sempre errado.
Quando a política se "finge" amorosa é para matar o homem real em nome do amor por uma ideia de homem.
Pensar em se "reordenar politicamente a libido", coisa típica dessa seita, é um delírio que autoriza a repressão do desejo concreto em nome de um desejo abstrato, este, claro, definido no gabinete chique do guru. No fundo a seita quer que os homens reais deixem de existir para dar lugar aos homens com "libido politicamente reordenada".
Quem seriam eles? Provavelmente os gurus e seus discípulos, como sempre."
SÓ EU QUE VI AQUI UMA POSSÍVEL (E PROVÁVEL) CRÍTICA AS IDEIAS DO TAL PASTOR MALAFAIA E SEGUIDORES DAS SUAS IDEIAS INSANAS??
A restrição do amor à um grupo de pessoas próximas (amigos, família, colegas) é umas das raízes dos males do mundo: cuidar do que é seu e não se importar com o que ocorre com todos os outros.
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