Titulo original: Ancestralidade
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
Um homem deve reconhecer seus ancestrais. Existem várias formas de ancestralidade. Nossos autores prediletos são nossos patriarcas.
O primeiro texto que me marcou foi a Bíblia. Abraão e sua solidão diante de um Deus que armou sua tenda no deserto me deram um senso estético que nunca perdi. Seus profetas, num combate contínuo contra a estupidez do povo, fizeram de mim um cético com relação às virtudes populares.
Na medicina, Freud foi um encontro definitivo: o homem é um barco à deriva num mar de pulsões autodestrutivas. Vive como pode num mundo onde sua felicidade não parece fazer parte dos planos do Criador.
O Deus do ateu Freud é arrasador. Um judeu ateu é sempre um drama maior do que qualquer ateu, porque se assemelha à agonia de um vulcão.
Já na filosofia, o viés trágico se impôs com a descoberta de Nietzsche e sua filosofia do martelo, cujo desprezo mortal pela covardia e pelo ressentimento se tornou em mim uma segunda natureza. Sua política, uma espécie de anarquismo aristocrático, é sempre perigosa para os amantes dos rebanhos.
O ceticismo dos gregos, de Montaigne e de David Hume abalou para sempre minha capacidade de fé na razão, não em Deus, como pensa a vã filosofia.
Nunca acreditei muito no ser humano: considero o otimismo, principalmente hoje em dia, um desvio de caráter. Santo Agostinho e Pascal, cristãos pessimistas, me ensinaram que o cristianismo é uma história do homem combatendo ingloriamente (e cotidianamente) sua natureza afogada no mais sofisticado orgulho e na mais profunda inveja (de Deus). Quando me perguntam qualquer coisa sobre o ser humano, antes de tudo, penso como um medieval: os sete pecados capitais estão quase sempre certos. Somos pó que fecha os olhos diante do vento.
Dostoiévski é sempre essencial. Para mim, uma de suas descobertas capitais é que, ao contrário do que diz nossa miserável ciência da autoestima, apenas quando encaramos o mal (a "sombra" de uma espécie abandonada ao próprio azar) em nós é que recuperamos a vontade de viver. Só esmagando o orgulho com a humildade de quem se sabe insignificante é que vale a pena apostar no dia a dia.
Entre Nietzsche e Dostoiévski, aprendi que o niilismo, "esse incômodo convidado para o jantar", veio pra ficar e é apenas diante dele que vale a pena exercer a filosofia.
E o judeu Rosenzweig? Definitivo para quem pressente que a metafísica nada mais é do que pensamento mágico a serviço do medo da morte. E que não é a esperança mágica que deve nos guiar, mas a percepção de si mesmo como milagre em meio ao pó que em nós estremece. Rosenzweig pensa como o homem bíblico.
Quando "decidi" que a academia era pequena sem a mídia, os "jornalistas filósofos" passaram a marcar meu horizonte profissional. Otto Maria Carpeaux descreveu a imagem máxima da relação entre espírito e corpo: quando o primeiro se levanta, o segundo se põe de joelhos.
Nelson Rodrigues, que estava certo em tudo que falava, escrevendo uma obra entre Santo Agostinho, Dostoiévski e Freud, iluminou um fato consumado: se o mineiro for solidário apenas no câncer, então tudo é permitido.
Paulo Francis, uma eterna falta entre nós, percebeu que o medo e a mentira pautariam a vida intelectual futura e que o "bem político" seria a nova face da estupidez do pensamento público.
E finalmente a praga da "fé política". Contra essa, Edmund Burke e Tocqueville são bálsamos essenciais.
Tocqueville, principal referência para entendermos a democracia, nos alertou para a natural vocação que esta tem para uma nova forma de tirania, a tirania da maioria. Antes de tudo, a democracia fez os "idiotas" (expressão rodriguiana) descobrirem que são maioria.
Burke nos lembrou, contra os que "amam a moda", que a sociedade é uma comunidade moral de almas, que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Para Burke, é apenas neste arco de ancestralidade que o homem se faz homem, contra a banalidade do presente que nos assola.
Enfim, quem conhece sua ancestralidade, mesmo quando caminhando no vale das sombras, nunca está só.
setembro de 2010
Comentários
E, além da tirania da maioria, o nosso tempo nos oferece essa droga da tirania das minorias; os pequenos tiranos do politicamente correto que pretendem, com a sua presunção e a sua chatice, nos impor como pensar, que fazer, de que modo olhar o mundo.
Pondé é um alívio, pois nos faz pensar e entender um pouco essa confusão toda que nos cerca. Obrigado.
João Weiss
Evoé, viva para sempre, sábio Pondé!
Agora, "bravo, paladino resistente contra a avalanche da besteira desencabulada"? Sério?
Menos gente, menos...
O link da Folha é só para assinantes, mas tem uma cópia fiel neste endereço:
http://www.luizberto.com/?p=18735&cpage=1#comment-60315
Na nona "tese" há este trecho:
"Rompe-se aqui a falácia judaica moderna por excelência porque não há judaísmo "cultural", só religioso."
No texto transcrito aqui ele fala da agonia do "judeu ateu", e cita Freud como exemplo.
Levando-se em conta o texto de 12/01/09, me parece um tanto contraditório o conceito de "judeu ateu", exposto no texto de 18/10/10. O que será que o Sr. Pondé quis dizer?
Após, intervêm o crítico não solicitado, pomposo, cheio de embáfia, pra alfinetar a tiete com sua bazófia...Pondé faz comentários impagáveis, mas é dificil garimpar alguma coisa que preste nesses comentários que o elogiam...Se eu não tivesse lido na alfabetização a cartilha de Karen Horney, e não soubesse que isso é apenas o velho...NÃO BASTA VENCER , É PRECISO TRIUNFAR.ha,ha,ha,ha,hasórrindo.
Ah, ia esquecendo, toda macumba tem que ter um bode, então não esqueça de colocar um bode no trabalho. O bode, na linguagem acadêmica, é um erro crasso, uma gritante falha ortográfica, ou bárbara omissão gramatical, um atentado ao léxico, qualquer coisa que possa receber um nome (essa boa gente, como você, adora e acredita em nomes) de BARBARISMO, erro bárbaro (bárbaro e crasso são nomes do dialeto deles, como você tem os seus). Daí eles vão perder tempo criticando o bode, e esquecem de encontrar coisas mais chatas e complicadas de consertar. Como você não sai de lá limpinho mesmo, tem sempre ressalvas, compromissos de refazer posteriormente etc., é melhor corrigir um erro BÁRBARO que essas imprecisões transcendentais e metafísicas das interpretaçoes.
boa sorte.
Segundo o pensamento do mestrando em poneologia, a primeira citação: não há judaísmo cultural, mas religioso,
e a segunda citação:judeu ateu,
são contraditórias
então eu quero dizer aqui, mestrando em poneologia, que Poné refere-se a judeu, como o senso comum apreende, como povo, nação, etnia, não como culturalidade. O que Poné quis dizer, mestrando em poneologia, é para um judeu, cuja etnia é baseada numa suposta eleição divina, e cuja nacionalidade é fundamentalismo religioso (não cultural), SER ATEU é capaz de deixar o sujeito perplexo, mas não deslocado. Vide o sentimento ateu comum partilhado hoje pela população média de Israel, onde os religosos fundamentalistas são rechaçados. Sugiro, - só a guisa de comentário -, que você leia A Questão Judaica, do judeu Karl Marx. Você vai adorar.
Volte pra casa, refaça a tese , mas parabéns, você agora é mestre.
Hegel e Kant na terceira série primária? Sério? E tudo isso pra você escrever "sórrindo", "embáfia", "distaladores"?
Sem mencionar os "conseguis", "acossais" e "vossas". Quanto ao seu argumento, bem... sei lá o que você quis dizer. Você escreve igual ao Augustinho Carrara (da Grande Família) falando.
E que conversa é essa de "crítico não solicitado"?. Este espaço existe justamente para comentar os textos de Luiz Felipe Pondé, seja elogiando, argumentando ou metendo o pau mesmo.
Que o Sr. Paulo Roberto Lopes (dono do blog) me corrija, por favor, se eu estiver errado.
Segundo minha avaliação, ainda continua a existir uma contradição.
Pois se a pessoa se considera judia (no sentido extritamente religioso) não pode ser ateia.
Ao dizer "judeu ateu" Pondé, ao que me parece, quis se referir ao judaísmo enquando identidade cultural, com toda a carga que isto traz ao indivídio, vide o título do texto.
É perfeitamente possível (pelo menos no mundo Ocidental)existir uma "cultura" judaica, cristã, mulçulmana, hindu ou qualquer outra, onde há pessoas que não acreditam, necessariamente, em tudo o que o contexto religioso dessas culturas prega.
Quando o(a) Ilmo(a) se refere ao "judeu Karl Marx", por exemplo. A qual "judaísmo" quis se referir? Pois, que eu saiba, Marx era um ateu confesso.
Espero que minha tese não tenha ficado confusa demais.
O seu trabalho está muito bem escrito, e eu fico realmente muito agradecido por o senhor ter me convidado pra o exame da sua dissertação, e compor a banca examinadora. É uma oportunidade maravilhosa que eu tenho de deslocar-me de avião, do rio grande do sul, onde eu moro, até o nordeste, onde o senhor vive, tudo pago com o dinheiro da capes, cnpq, etc. O seu texto está muito preciso, muito coeso, muito bem sistematizado (vá aprendendo esses termos), e eu percebo algumas inferências(outro) que o senhor faz, por exemplo: o senhor distingue judaísmo como religião, etnia e cultura. Vamos por partes: a religião judaica não é o que faz a etnia judaica e sim o sangue (geralmente AB), e compõe-se majoritariamente dos ASKENAZIM, e dos SHEPARDS. Quando o autor Poné faz a critica...não existe judaísmo cultural mas religioso, é porque o alarde, a propaganda, o embuste que usa os estados unidos como polícia para manter expasionismos territorialistas impróprios, o faz em nome da religião, nada mais lógico porque o livro xiita é o que fundamenta ambos...judaísmo e império protestante yankee. Setores da direita imperialista como os mórmons, os batistas, são aliados dessa concepção fundamentalista de que a terra toda pertence a Israel...não são eles os eleitos, os escolhidos de Deus, dos quais nasceu Seu Filho? Então, não há cultura judaica, não há filosofia judaica, não há direito judaico, musica judaica, mas religião judaica. A citação do senhor Poné está correta (aprenda a separar o que a pessoa diz daquilo que se atribui à pessoa, como se esta fosse ou não correta). Quando cita o judeu-ateu Freud, ele se refere ao judaísmo étnico de freud, não ao religioso, uma vez que freud é ateu, o mesmo vale para Karl Marx , ok? Como o senhor está concluindo o doutorado agora, eu o envio de volta pra casa, faça as correções adequadas, e lembre-se: Um ateu pode ser judeu e vice e versa, não nos referimos a religião mas a etnia. Por isso os habitantes do Estado de Israel, em sua maioria ateus, não gostam mais do termo judeu (usado para o significado religioso) e sim israelitas. Aprovado, com nota 6,8, mas com ressalvas para correções.
Existem vários termos ofensivos usados contra os judeus mas eu nunca vi nenhum deles reclamar por ser chamado de... judeu!
Valeu pela força, cara
Abraços
Faço uma autocritica, honesta, em o caso de admitir, não sem certa tristeza, que o judaísmo contém elementos fundamentalistas, como se diz, herança do patriarcado pastoral, comum tanto a hebreus como árabes, descendência comum dos pais e patriarcas, de abraão e sem.
Mas não posso deixar de lamentar algumas inverdades, pois, em primeiro lugar, o vestígio do fundamentalismo religioso que ninguém ousa enfrentar, é o patriarcado, o qual, como sabemos, pode ser hindu, chinês, africano, etc. Não é privilégio nosso - e aqui não quero ser simplesmente anti-antisemita, nem muito menos sionista!
Termos -, digamos, certas tendências sociais e religiosas que são resquícios do passado de crueldade e violência, de povos que são considerados primitivos?
...Mas, que povo moderno e civilizado não tem suas violências, suas crueldades? Está certo também o leitor acima quando diz que todos os deuses têm seus exclusivismos, pretensões de serem os únicos e verdadeiros, corrigindo: não são pretensões dos deuses, são presunções dos adoradores dos deuses, geralmente propensos a serem fanáticos.
As inverdades que me refiro, entretanto, são as de que o leitor mais acima, refere que não há música judaica, não há arte judaica, não há matemática judaica, não há pintura judaica,não há arquitetura judaica, filosofia judaica, etc.
O leitor pode blazonar-se ser muito culto mas é pouco educado...e menos inteligente, pois, a arte e a ciência do ocidente são repetições alternadas dos modelos greco-romanos, e nós judeus, sempre fomos avessos ao helenismo.
Também não nos prostituimos no sincretismo, na inculturação escandalosa com o opressor como os escravos de roma convertidos ao cristianismo fizeram com o edito de liberdade do imperador...
como o cristianismo católico, com o império romano...fomos rechaçados por eles, mas resistimos bravamente! Temos nossa filosofia, nossa música e nossa arte, temos uma cultura judaica, só que preferimos que ela seja realmente universal, não esse bairrismo faccioso e inexistente, mero eurocentrismo cristão.
Agradeço contudo, pelos pontos que o senhor esclarece, acerca de como o fundamentalismo cristão do ocidente, alia-se com setores do fundamentalismo judaico, em nada dessemelhante, do terrorismo árabe, que tanto criticam, e alegam combater.
Paula
Existem outros artigos, inclusive neste blog, em que Pondé, no seu dizer, "desenvolve um texto próprio".
Acesse o menu de artigos em http://integras.blogspot.com/2009/06/artigos-de-luiz-felipe-ponde-para-folha.html e escolha algum texto.
Eu lhe sugiro o que está em http://e-paulopes.blogspot.com/2010/08/temos-medo-de-ser-como-sao-quase-todos.html: "Temos medo de ser como são quase todos: medíocres".
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