Título original: Dez passos pra usar bota branca
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Conversando com uma jornalista de uma importante revista do mercado editorial recentemente, usei algumas vezes a palavra "brega" e ela me perguntou: "Pondé, o que você quer dizer com a palavra brega? Para mim, brega é usar bota branca".
Cumpro aqui a promessa que fiz a ela: vou dizer o que eu acho brega, e você vai ver como vivemos numa época brega.
Antes, um reparo: "brega" normalmente quer dizer coisa cafona, de mau gosto, como gente chorando em programa de TV para dona de casa, churrasco na laje como estilo de vida ou feijoada com pagode (sua presença será perdoada só se você estiver lá para pegar alguém, claro, aí, com Deus ou sem Deus, tudo é permitido).
Outro reparo: para os eruditos, sei bem que sou acusado de estetizar a ética (nisso tenho comigo um excelente cúmplice, Nietzsche). Explico: estetizar a ética é tornar o problema do bem e do mal mera questão de gosto, coisa de gente blasé.
Assumo o risco, quem ficar bravo pegue uma senha. Sei bem que o problema do bem e do mal não se reduz à questão de gosto, mas, num mundo como o nosso, defender-se desse mau gosto que é fazer marketing de comportamento é uma obrigação de qualquer pessoa de bom gosto.
Ser brega é:
1) Querer ser chique. Essa é terrível. Nada mais brega do que se preocupar com o que os ricos pensam de você. Confundir "ter dinheiro" com "ser chique" é coisa de gente pobre de espírito. "Ser chique" é como ter olho azul ou verde: se você não tem, azar o seu, se colocar lentes de contato com cor, será ridículo, como homem careca que usa peruca ou homem que pinta o cabelo.
2) Achar que seu filho não sofre dos males que os filhos dos outros sofrem. Crer que seus filhos não falam bobagens nas redes sociais. Achar que eles gostam mesmo de pepino e berinjela e que são mesmo pessoas preocupadas com o ambiente aos 12 anos de idade.
Some a essa breguice sua crença de que seu "filho consciente" é a prova viva de que você o educou bem e veja nisso uma prova de que você é mesmo legal. Gente assim coloca fatias de laranja italiana em jarras de água em festas e adora receber e fazer elogios no Facebook. Além, é claro, de criar vira-latinhas como prova de consciência social.
3) Achar avião chique. Tirar foto dentro do avião ou de você "com a Monalisa". Ir ao Louvre. Confundir "fazer turismo" com "conhecer o mundo". Uma diferença grande é: se quando voltar, você quiser muito contar para os outros onde foi que você fez turismo.
4) Acreditar em energias. Dizer que "você tem um deus dentro de você" e que ele "lhe entende". Deus deve ter bode de gente como você.
5) Querer que pensem que sua filha é sua irmã. Achar legal ela ser mais careta do que você. Pedir conselhos amorosos para ela.
6) "Respeitar" seu parceiro. No caso dos homens, dizer coisas como "Eu acho que as mulheres são vítimas sociais". Isso é papo de quem só pega mulher chata e feia ou nunca pegou mulher nenhuma.
7) Você até pode ser uma pessoa "fiel" e "honesta", mas, se você conseguir resistir à infidelidade e a "roubar no jogo" seja lá no que for e achar que resistiu não porque você teve medo ou porque a oportunidade não foi tão boa (o que você tem em casa é melhor, por exemplo, ou o risco de ser pego não vale a empreitada), você é mesmo brega.
Se você sabe que está mentindo, você é apenas hipócrita, se acredita mesmo na sua falsa virtude, é brega. Nada mais brega do que acreditar que você tem virtudes quando, na realidade, faltam oportunidades para você realizar seus vícios.
8) Ter sensibilidade de classe média: sonhar com ambientes de gente rica. Achar legal ser celebridade. Pegar trânsito para ir à praia em feriadões. Vestir-se para festa quando você vai a shopping centers.
9) Dizer que "você quer ser feliz" ou que não tem preconceitos. Acreditar numa vida saudável e na psicologia de recursos humanos aplicada à sua vida pessoal: confundir ter amigos com fazer networking, "agregar valor" a si mesmo, fazer marketing pessoal ou marketing do bem.
10) Acreditar em si, na natureza, no progresso da humanidade, na vida e na energia do Réveillon.
> 'Otimismo, principalmente hoje em dia, é um desvio de caráter.'
outubro de 2010
> Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Conversando com uma jornalista de uma importante revista do mercado editorial recentemente, usei algumas vezes a palavra "brega" e ela me perguntou: "Pondé, o que você quer dizer com a palavra brega? Para mim, brega é usar bota branca".
Cumpro aqui a promessa que fiz a ela: vou dizer o que eu acho brega, e você vai ver como vivemos numa época brega.
Antes, um reparo: "brega" normalmente quer dizer coisa cafona, de mau gosto, como gente chorando em programa de TV para dona de casa, churrasco na laje como estilo de vida ou feijoada com pagode (sua presença será perdoada só se você estiver lá para pegar alguém, claro, aí, com Deus ou sem Deus, tudo é permitido).
Outro reparo: para os eruditos, sei bem que sou acusado de estetizar a ética (nisso tenho comigo um excelente cúmplice, Nietzsche). Explico: estetizar a ética é tornar o problema do bem e do mal mera questão de gosto, coisa de gente blasé.
Assumo o risco, quem ficar bravo pegue uma senha. Sei bem que o problema do bem e do mal não se reduz à questão de gosto, mas, num mundo como o nosso, defender-se desse mau gosto que é fazer marketing de comportamento é uma obrigação de qualquer pessoa de bom gosto.
Ser brega é:
1) Querer ser chique. Essa é terrível. Nada mais brega do que se preocupar com o que os ricos pensam de você. Confundir "ter dinheiro" com "ser chique" é coisa de gente pobre de espírito. "Ser chique" é como ter olho azul ou verde: se você não tem, azar o seu, se colocar lentes de contato com cor, será ridículo, como homem careca que usa peruca ou homem que pinta o cabelo.
2) Achar que seu filho não sofre dos males que os filhos dos outros sofrem. Crer que seus filhos não falam bobagens nas redes sociais. Achar que eles gostam mesmo de pepino e berinjela e que são mesmo pessoas preocupadas com o ambiente aos 12 anos de idade.
Some a essa breguice sua crença de que seu "filho consciente" é a prova viva de que você o educou bem e veja nisso uma prova de que você é mesmo legal. Gente assim coloca fatias de laranja italiana em jarras de água em festas e adora receber e fazer elogios no Facebook. Além, é claro, de criar vira-latinhas como prova de consciência social.
3) Achar avião chique. Tirar foto dentro do avião ou de você "com a Monalisa". Ir ao Louvre. Confundir "fazer turismo" com "conhecer o mundo". Uma diferença grande é: se quando voltar, você quiser muito contar para os outros onde foi que você fez turismo.
4) Acreditar em energias. Dizer que "você tem um deus dentro de você" e que ele "lhe entende". Deus deve ter bode de gente como você.
5) Querer que pensem que sua filha é sua irmã. Achar legal ela ser mais careta do que você. Pedir conselhos amorosos para ela.
6) "Respeitar" seu parceiro. No caso dos homens, dizer coisas como "Eu acho que as mulheres são vítimas sociais". Isso é papo de quem só pega mulher chata e feia ou nunca pegou mulher nenhuma.
7) Você até pode ser uma pessoa "fiel" e "honesta", mas, se você conseguir resistir à infidelidade e a "roubar no jogo" seja lá no que for e achar que resistiu não porque você teve medo ou porque a oportunidade não foi tão boa (o que você tem em casa é melhor, por exemplo, ou o risco de ser pego não vale a empreitada), você é mesmo brega.
Se você sabe que está mentindo, você é apenas hipócrita, se acredita mesmo na sua falsa virtude, é brega. Nada mais brega do que acreditar que você tem virtudes quando, na realidade, faltam oportunidades para você realizar seus vícios.
8) Ter sensibilidade de classe média: sonhar com ambientes de gente rica. Achar legal ser celebridade. Pegar trânsito para ir à praia em feriadões. Vestir-se para festa quando você vai a shopping centers.
9) Dizer que "você quer ser feliz" ou que não tem preconceitos. Acreditar numa vida saudável e na psicologia de recursos humanos aplicada à sua vida pessoal: confundir ter amigos com fazer networking, "agregar valor" a si mesmo, fazer marketing pessoal ou marketing do bem.
10) Acreditar em si, na natureza, no progresso da humanidade, na vida e na energia do Réveillon.
> 'Otimismo, principalmente hoje em dia, é um desvio de caráter.'
outubro de 2010
> Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
Sorry Mr. Pondé, mas essa história de "estetizar a ética" não colou. O Sr. não precisa se justificar para nós, mortais comuns. Digo isso sem maldade, pois sei que seu público highbrow está em outro lugar e não da Folha de São Paulo.
Boas Festas!
Você não entendeu porra nenhuma do que o Pondé disse, cara. Leia de novo.
Se não entendeu, leia de novo.
Entendi o seguinte: vivemos na nossa própria ilusão de mundo que melhoramos a nós mesmos, mas na verdade apenas nos enganamos.isso?
Brega é pensar como o carra que escreveu o texto;
botas brancas também ja foram chik um dia...
Boas festas!!!
Mauri
Araraquara - SP
Vão te malhar por conta desse artigo...
Eu curto seus artigos, discordo de um ponto ou outro.
Mas você "manda muito bem"!
Parabéns!
O criador do blog sabe do que falo, e pode ou não concordar com o que digo. Uma boa também é o fato de que ele aqui quase não escreve, então tem menos chances de escrevinhar m...s e sempre manda bem quando intervêm, falando o apropriado e o lícito.
A precisão de trabalhar pra viver, a necessidade do empregado, no caso de que o ofício seja a escrita, ainda mais em se tratando de jornalista com emprego em empresa de matéria paga, dependendo do editor, do articulista...
Mas no caso desse senhor, o seu verdadeiro público, concordo com o comentarista acima, não é a mass media, tampouco a intelectualidade, nem a !"pseudo", ou arremedo desta; é uma pequena burguesiasinha que o convida, e que ele "frequenta", da qual se tornou fã, sequaz e pior, sectário, como todo arrivista.
Conheço-o e conheço bem, desde a U.., ONDE MILITEI nas arenas das quais ninguém sai limpinho e sem alguma conversão a alguma seita, a algum sacrifício elitista. Ouvi-o dizer que preferia os alunos da Ad.., porque eram verdadeiros burgueses e como são lindos os burgueses! Os da filosofia, verdadeiros ou falsos pobres, rejeitava. Sob o ponto de vista ético, é uma nulidade. Sei o que digo. E tenho dito. Daí, são compreensíveis os constantes ataques à ética, as perversões de sentido, anfibologias, propositais, no intuito de perverter, corromper, que é uma velhíssima mania da pessoa em questão -digo porque observei e constatei-; reduzir tudo à sedução,ao jogo de prazer-conquista, ainda que por meio de bravatas, encanto via palavras, uma vez que eroticamente, deixa muito -aos moldes e padrões -, muito a desejar...Como é ridículo o oportunismo de carreira, mas como marca a pessoa onde quer que ela vá. Saindo da U.., levou para a F.., os mesmos maus hábitos. Agora por favor, dizer que Nietzsche, um filósofo de primeira grandeza, pode ser rebaixado a ponto de torcer sua filosofia, estetizando a ética, ou que o problema inefável do bem e do mal se reduz a gosto...É de amargar.
Mas se não podemos engolir certas falácias pelo viés Trágico, tentemos então digeri-las pelo Cômico.
Se chegarmos a conclusão de que respeitar o perceiro e combater os impulsos de infidelidade é ser brega, proponho que aprendamos todos com a breguiçe.
Não acredito que uma pessoa mereça necessariamente a definição de virtuosa pelo fato de não ceder aos impulsos da volúpia quando um desejo nos expreme na parede, mas se considerarmos que, simplesmente o mundo não tem sentido com o intuito de nos darmos ao luxo de satisfazer nossas necessidades narcísicas elementares e eliminando quaisquer restígios de culpa que atormentam a consciência, não passaremos nunca de reflexos autômatos da natureza.
E no que se refere ao mundo natural, eu fico com o Marquês de Sade que o assimila (o mundo natural)como essencialmente sádico e maligno, sendo que os homens estão igualmente condenados nele a gemer até o fim - até porque em grande parte o homem também é "natural".
Mas combater o marketing do comportamento fazendo alusão a outro tipo de marketing (também de comportamento) não é uma boa estratégia muito inteligente. E o que definitivamente não está claro no discurso do nosso filósofo é que a consciência moral (e a consequente demanda ética nela implícita) não é uma necessidade ontológica do ser.
Muito pelo contrário, a demanda ética apenas existe para perturbar a ontologia do ser-para-si-mesmo enquanto fim último de uma ação. Em outras palavras, assimilar valores morais (no sentido de ser-para-o-outro) não é uma boa escolha para pessoas fracas, uma vez que a doação é um atributo dos fortes e optando por ser um ser moral, com certeza voce não tem absolutamente nada a ganhar e no que se refere justamente ao plano físico e material, voce, fatalmente, irá tudo perder.
Não obstante, existe um ganho paradoxal em tudo isso, pois o enriquecimento das relações que só poderá ser efetivamente reconhecido pelo outro torna necessariamente o mundo humano um espaço destinado ao combate do mundo natural, mesmo sabendo que ao final, todos iremos sempre perder a batalha, mas que outros (futuramente falando) algo a acrescentar poderão sempre ganhar.
Viver concentrado apenas na capacidade de autoafirmação para satisfazer os impulsos egocentricos tais quais nos são evidentes pela experiência da primeira infância(e caricatural no caso dos adultos mimados)é fácil! Muito simples, quase reflexo. Mas assumir valores como respeito e compromisso, ao contrário, é muito difícil, pois nas palavras de Bauman, ser moral é aceitar conviver com a ansiedade perpétua e na incerteza constante (coisa de gente grande).
Viver para satisfazer apenas a si mesmo pode até não ser brega, mas é vulgar! E para quem não leu as palavras que Platão colocou na boca de Sócrates e ainda precisa de um motivo egóico para manter-se fiel, vale o lembrete: "Não é tão indicado cometer um assassinato todos aqueles que não pretendem ser acompanhados 24 horas (dia e noite) por um assassino".
Espero estar acompanhado sempre de pessoas bregas e que por Jesus Cristo, eu supere cada vez mais das tentações...
No fim concordo com Pondé, o animal humano é mais verdadeiro, pois é palpável e não um ideal postiço que "joga pra torcida!". Quanto ao Bem e mal não mera questão de gosto.O homem sabe o que é mal,mas também não quer morrer sem ter alguma felicidade genuína sem auto sacrifício.
Viver pode doer e se não houver prazer, pode doer MUITO!
Como bem demonstrou o comentador de 07/1/11, das 17:51 (essa gente insiste em ficar anônima), a grandeza é algo para os fortes. Entretanto, o dinheiro, a glória recíproca dos homens com que se glorificam uns aos outros, o convidar e ser convidado, o dar presentes a quem retribui e todas as prescrições da justiça elementar, que consiste em dar a cada um o que é devido, além de punir os discordantes; produzem mesmo essa dissipação que distração após outra, produz a inconsistência final e fatal, resumo do desespero ético e estético; o que levou Kierkegaard a optar como única alternativa pelo dado do salto da fé. Eu pessoalmente acredito que Pondé seja um bom historiador da filosodia, não um filósofo, porque nem no doutorado elaborou nenhum conceito original, invenção ou inferência filosófica, por isso não é considerado filósofo pela Enciclopédia Universal dos Filósofos. Apenas Bento Prado Júnior teve essa honra e essa glória, com o seu conceito universal de transcendência como negatividade no pensamento de Bergson, o que foi aproveitado por Deleuze. Na verdade Bergson é muito mais conhecido na França e estudado, que no Brasil Mais um sinal da hipermetropia Brasileira que não valoriza o seu único filósofo reconhecido no mundo. Marilena Chauí é citada, mas como comentadora, a maior do mundo, diga-se, em Espinosa. Creio que Pondé escreve como jornalista, como cronista, e o faz muito bem. E rio à beça com essas louvações simpáticas que o aclamam como o maior pensador dos ultimos 500 anos! Menos...
E com muito orgulho, devo dizer.
Brega é esse texto, deus que me perdoe... mesmo que eu acreditasse nele.
Estilo cada um tem o seu. Feliz é quem faz uma festa na laje e tem amigos verdadeiros.
Chic, escrito assim agora, vem de sciccheria(ital.) e chiqueria(fra.) que determinava o público que frequentava a "cena" na época do início dos tablóides. Portanto, nao tem nada haver com trazer de berço como se refere numa comparação claramente nazista, a nascer-se com olhos azuis ou verdes.
Aromatizar a água em ocasião festiva, é uma forma de acaraciar os convidados, usar frutos cítricos para isso; um costume dos povos mediterrâneos que nem se pode determinar a origem, os italianos foram os primeiros a cultivar a laranja "pomo da sina" depois os portugueses a espalharam por todo o mediterrâneo, mas como os persas tb já a cultivavam, nao se pode determinar se este hábito se originou entre os persas, ou se depois dos grandes plantios na penísula ibérica... o autor do texto poderia ser mais ponderado.
Ser chic é poder se vestir com botas brancas ou azuis e nao perder a elegancia, a segurança, no evento apropriado. Desde que nao seja uma bota branca e um casaco branco de pele de urso...
Alguém falou aí em cima, nos comentários: Isso é que dá, ter que escrever por profissão!
Um fiasco! Não sabe onde canta o galo!
Essa frase resume muito bem muitas pessoas.
Isaac
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