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Traumas, obsessões e taras é que dão consistência a uma personalidade

Título original: Demônios no espelho

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Não, não acho que o homem seja em si mau. Não creio num "em si" do homem. Refiro-me a "homem" como espécie e não como gênero. Prefiro a palavra "sexo" porque ela tem cheiro de "peso" do corpo (e para mim, tem cheiro de corpo de mulher) e a palavra "gênero" tem cheiro de assembleias militantes cheias de gente chata, feia e autoritária. Assembleias manipulam todo mundo para votar no que elas querem. Sim, eu fiz parte do movimento estudantil e estava em 1979 no Centro de Convenções em Salvador no congresso de "reconstrução" da UNE. Baseado em experiências como essas é que sempre julgo infantil quem acredita em "decisões coletivas e democráticas". Risadas...

Voltando ao que queria dizer, não acho que o homem seja mau em si.

Acho que somos sim uma espécie atormentada, perdida num espaço minúsculo de sua alma insegura e incerta e num espaço gigantesco de um universo escuro e cego. Esmagada entre um destino certo (a morte, a derrota) e opaco (algo nele depende dramaticamente de nós, mas nunca sabemos em qual medida).

Acusam-me de niilista. Reconheço que há algo de chique nisso. A medicina antiga já relacionava a melancolia à inteligência, não? Alguns apostam em traumas infantis avassaladores na minha infância. Devo tê-los muitos. Mas minha família nunca deteve o monopólio da miséria humana. A miséria humana é um "bem" dividido democraticamente entre todas as famílias que são, cada uma de sua forma, todas infelizes.

Sou daqueles que suspeitam que os traumas, as obsessões e taras é que dão consistência a uma personalidade e não os contos da Branca de Neve ou do Papai Noel, ou os bons sentimentos porque estes quase sempre são falsos. Aliás, a Branca de Neve é mais "atraente" nos momentos de agonia do que quando desperta com o beijo do príncipe. E o Papai Noel fica mais interessante quando teme que finalmente tornou-se velho demais e por isso não consegue carregar mais presentes. Será ele ainda amado se não trouxer mais presentes ou afundará na solidão como a maioria dos idosos "sem uso"?

Mas hoje ficou na moda dizer coisas do tipo "encontre Papai Noel em seu coração e você terá esperanças". Que horror que é ver a "inteligência" parasitada pelo oportunismo da autoajuda, se vendendo barato como brinquedo feito na China.

Sim, sofremos, mas não me interesso nem pelo sobrenatural, nem por "brinquedos chineses". Prefiro soluções pontuais para os grandes dramas da vida. Pagar um bom terapeuta, ir ao cinema, ler um bom livro, arriscar um beijo na hora certa, tomar um bom antidepressivo quando a coisa pega, levar o filho ao médico quando ele tem febre, rezar (para quem o faz) quando nada mais funciona, apostar no mistério da vida quando cansamos da banalidade do cotidiano.

Contra a mediocridade da literatura de autoajuda travestida de "psicologia" para as massas infelizes, prefiro a psicologia de Ingmar Bergman, o grande cineasta sueco. No seu maravilhoso filme "Fanny e Alexander", de 1982, o bispo da cidade (da igreja protestante), o "malvado" da história, se casa com a bela e recém viúva, mãe de Fanny e Alexander.

Na cena em que ele já agoniza diante da morte, ele inveja a capacidade da esposa de ter "tantas máscaras" diante da vida, enquanto ele tem "apenas uma", aquela monstruosa que vemos ao longo do filme: um homem cruel, que usa o ministério religioso como forma de destruição da vida ao seu redor. Em desespero, ele confessa que muitas vezes tentou arrancar essa máscara do rosto, mas nunca conseguiu porque ele já não tinha rosto sem ela.

Ele não é "mau em si". Ele é, como todos nós, inseguro, desamparado, abandonado num mundo que vaga sob uma abóbada azul vazia (imagem comum na obra de Bergman). Alguns sucumbem mais violentamente aos demônios do que outros. Alguns negam esses demônios dizendo que eles não existem. Eu prefiro vê-los no espelho todo dia porque eles são o meu rosto.

A literatura de autoajuda é apenas uma máscara vendida a R$ 1,99. Miserável falta de respeito para com uma espécie que luta ancestralmente contra os próprios demônios.

> Liberdade não é sinônimo de felicidade, é conflito, agonia, solidão.
novembro de 2010

> Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
O que o incomoda,nessas alusões recorrentes à auto-ajuda , é que ela vende, e vende bastante. O que o tortura, é que essa gente autoritária e feia, a militância que tanto critica e culpabiliza; é o retrato dele mesmo, OS DEMÔNIOS que literariamente EVOCA, MAS NÃO QUER VER NO ESPELHO...Todas as soluções deste senhor são superficiais e vazias, como a própria alma do neurótico. Porque o neurótico não possui alma, já dizia Karen Horney, mas uma imagem egóica de suporte, para o ego vitimizado e fragilizado. Essa inflação, essa elevação da fraqueza disfarçada de fúria, é semelhante à birra infantil; as máscaras são várias, mas para não usar os nomes, que o incomodam, prefere o bom livro, o terapeuta, o shopping...Ora, as máscaras têm nome: vamos nomeá-las, feio, baixo, infância pobre, militância política cosmética, voracidade, ânsia por vencer, revanche, arrivismo, oportunismo carreirista, nihilismo...Nada porém de chique, é neurose mesmo.Não tem antidepressivo que cura, porque a cura viria com a derrocada final do ídolo, e embora este tenha sempre os pés de barro, demora a cair!
maniacsT disse…
As máscaras são o reflexo do irreal, como os antidepressivo e os "livrecos" de autoajuda,são as paranoias que a sociedade impõem: ter status se mostrar forte. "foda-se" a melhor saída é Hemingway e Bronson e o resto é história da High Society.
Anônimo disse…
É o samba do sociólogo-doido,o cara mistura até personagens das fábulas...

Wander
Ricardo disse…
Teve uma palestra que o Sr. Pondé deu ao Café Cultural, da TV Cultura, onde, lá pelo final, ele disse que, em caso de desespero extremo, ele não exitaria em recorrer à literatura de auto-ajuda caso isso fosse o último recurso que o "ajudasse a chegar ao dia seguinte" (suas próprias palavras).
O que incomoda nessas coluninhas dele na FSP é justamente isso. Possuem informação incosistente e soam um tanto quanto "forçadas", passando a imagem de que de que ele é apenas um sujeitinho marrento, e náo o filósofo que alega ser. Teve alguém aqui que reclamou que escrever por obrigação dá nisso mesmo. Mas tenho minhas dúvidas. Todos os outros cronistas/colunistas também escrevem por dinheiro e se saem razoavelmente bem.
Anônimo disse…
Luis é o melhor pensador do Brasil nos últimos 500 anos!
Anônimo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
É verdade é o maior pensador dos ultimos quinhentos anos.
Anônimo disse…
Fico imaginando o príncipe entrando na casa dos sete anões e tentando acordar a Branca de Neve aos beijos, os anões não aceitariam essa afronta, enquanto isso, a Bela Adormecida permaneceria adormecida...
ALÊ disse…
Faço minhas essas excelentes palavras pondenianas: "Acho que somos sim uma espécie atormentada, perdida num espaço minúsculo de sua alma insegura e incerta e num espaço gigantesco de um universo escuro e cego. Esmagada entre um destino certo (a morte, a derrota) e opaco (algo nele depende dramaticamente de nós, mas nunca sabemos em qual medida).

Acusam-me de niilista. Reconheço que há algo de chique nisso. A medicina antiga já relacionava a melancolia à inteligência, não?"
Bruno disse…
O Pondé entende e escreve sobre a alma humana e suas mazelas como nenhum outro o faz. Para mim quem critica o discurso do Pondé, ou não conhece de fato toda a profundidade e lucidez dos argumentos dele, ou não tem capacidade intelectual para entender o que ele diz, ou então é um coitado que só quer ser feliz e ofende-se profundamente com todas as hipocrisias, mentiras e auto-enganos que o Pondé expõe em relação a estes que encaram a vida com um otimismo infantil.

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