Título original: Mão de gato
por Drauzio Varella para Folha
Há momentos em que excesso de democracia atrapalha. Antes que você me interprete mal, leitor, vou descrever o caso a que me refiro.
Imbuída de intenções democráticas, a Anvisa decidiu fazer duas consultas públicas que envolvem a comercialização de cigarros. Segundo a agência, "esse processo contribuirá para a transparência e participação da sociedade e auxiliará a Anvisa na elaboração do texto final do regulamento proposto".
A primeira consulta (número 112) trata da permissão para exibir nos maços os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono e de proibir a adição de aromatizantes e flavorizantes.
A questão dos aditivos está entre as grandes malfeitorias praticadas pela indústria: adicionar aromatizantes para disfarçar o odor da fumaça e flavorizantes para conferir sabor de baunilha, menta, chocolate, morango e outros com a finalidade de encobrir o paladar aversivo do fumo e viciar meninas e meninos em idade mais precoce. Crianças e adolescentes somam 90% dos que começam a fumar.
A questão de imprimir no maço os teores de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono é crime ainda mais grave, porque se destina a criar uma sensação falsa de segurança.
Os cigarros "light", "ultralight" ou de "baixos teores" foram lançados nos anos 1960, quando não havia mais como negar a relação entre fumo, câncer, doenças cardiovasculares, pulmonares e dezenas de outras. Para o consumidor a lógica pareceu razoável: se o alcatrão provoca câncer, quanto menos alcatrão, menor o risco. Milhões aderiram às marcas "light".
Os cigarros de "baixos teores" são ainda piores do que os mais fortes. Quem controla a quantidade de nicotina a ser absorvida em cada tragada são os neurônios do fumante.
Se o cigarro é forte, poucas tragadas fornecem a nicotina necessária; quando é fraco, elas se tornam mais profundas e o intervalo entre uma e outra encurta. A fuligem e os 6.000 compostos químicos resultantes da combustão entram em contato mais íntimo e destruidor com os brônquios e alvéolos pulmonares.
A segunda consulta (número 117) procura regulamentar a exposição dos maços nos pontos de venda e o conteúdo das mensagens de advertência.
Proibido o acesso à televisão e aos jornais, os fabricantes investiram pesado na divulgação de material publicitário (displays, cartazes, luminosos etc.) para promover as vendas em locais como padarias, lanchonetes, bancas de jornal e lojas de conveniência.
Em 83% dos estabelecimentos visitados durante uma pesquisa realizada no ano passado pelo DataFolha/Aliança de Controle do Tabagismo, os cigarros estavam expostos junto a balas, chocolates ou doces. Nas padarias esse número chega perto da totalidade.
Como de costume, a indústria reagiu com a mão do gato: mobilizou os setores que defendem seus interesses e os parlamentares financiados por ela.
Na falta de argumentos para justificar o crime continuado de induzir crianças a adquirir a dependência química mais escravizante que a medicina conhece, esses grupos alardeiam que a consulta pública é antidemocrática e autoritária, que exclui o debate e o esclarecimento da população, que irá provocar impactos econômicos gravíssimos para produtores e varejistas, que causará desemprego e abrirá caminho para o contrabando.
Para manter a legislação frouxa como está, chegam ao cinismo de pressionar para que as consultas sejam proibidas.
Vamos inverter o raciocínio deles. Para impedir que os fabricantes continuem a praticar os crimes de acrescentar produtos químicos que tornam o cigarro mais palatável para crianças, de imprimir no rótulo teores de nicotina e alcatrão para fingir que existem cigarros menos nocivos e de expor os maços junto a balas e chocolates nas padarias, seria necessário organizar consultas públicas?
Quando a Anvisa proibiu a exposição de vitaminas nas prateleiras das farmácias, por acaso consultou o público? Se embalagens de vitaminas quase sempre inúteis, porém inócuas para o organismo, não devem ficar expostas ao consumidor desavisado, o maço de cigarro pode?
O que a sociedade espera da Anvisa são decisões técnicas para proteger a saúde da população. Reduzir o consumo de cigarros e o contingente de crianças que se tornará dependente de nicotina pelo resto da vida estão entre elas.
> Vídeo de ong faz campanha contra os cigarros adocicados.
março de 2011
> Cigarro. > Campanhas de interesse público. > Posts deste mês.
por Drauzio Varella para Folha
Há momentos em que excesso de democracia atrapalha. Antes que você me interprete mal, leitor, vou descrever o caso a que me refiro.
Imbuída de intenções democráticas, a Anvisa decidiu fazer duas consultas públicas que envolvem a comercialização de cigarros. Segundo a agência, "esse processo contribuirá para a transparência e participação da sociedade e auxiliará a Anvisa na elaboração do texto final do regulamento proposto".
A primeira consulta (número 112) trata da permissão para exibir nos maços os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono e de proibir a adição de aromatizantes e flavorizantes.
A questão dos aditivos está entre as grandes malfeitorias praticadas pela indústria: adicionar aromatizantes para disfarçar o odor da fumaça e flavorizantes para conferir sabor de baunilha, menta, chocolate, morango e outros com a finalidade de encobrir o paladar aversivo do fumo e viciar meninas e meninos em idade mais precoce. Crianças e adolescentes somam 90% dos que começam a fumar.
A questão de imprimir no maço os teores de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono é crime ainda mais grave, porque se destina a criar uma sensação falsa de segurança.
Os cigarros "light", "ultralight" ou de "baixos teores" foram lançados nos anos 1960, quando não havia mais como negar a relação entre fumo, câncer, doenças cardiovasculares, pulmonares e dezenas de outras. Para o consumidor a lógica pareceu razoável: se o alcatrão provoca câncer, quanto menos alcatrão, menor o risco. Milhões aderiram às marcas "light".
Os cigarros de "baixos teores" são ainda piores do que os mais fortes. Quem controla a quantidade de nicotina a ser absorvida em cada tragada são os neurônios do fumante.
Se o cigarro é forte, poucas tragadas fornecem a nicotina necessária; quando é fraco, elas se tornam mais profundas e o intervalo entre uma e outra encurta. A fuligem e os 6.000 compostos químicos resultantes da combustão entram em contato mais íntimo e destruidor com os brônquios e alvéolos pulmonares.
A segunda consulta (número 117) procura regulamentar a exposição dos maços nos pontos de venda e o conteúdo das mensagens de advertência.
Proibido o acesso à televisão e aos jornais, os fabricantes investiram pesado na divulgação de material publicitário (displays, cartazes, luminosos etc.) para promover as vendas em locais como padarias, lanchonetes, bancas de jornal e lojas de conveniência.
Em 83% dos estabelecimentos visitados durante uma pesquisa realizada no ano passado pelo DataFolha/Aliança de Controle do Tabagismo, os cigarros estavam expostos junto a balas, chocolates ou doces. Nas padarias esse número chega perto da totalidade.
Como de costume, a indústria reagiu com a mão do gato: mobilizou os setores que defendem seus interesses e os parlamentares financiados por ela.
Na falta de argumentos para justificar o crime continuado de induzir crianças a adquirir a dependência química mais escravizante que a medicina conhece, esses grupos alardeiam que a consulta pública é antidemocrática e autoritária, que exclui o debate e o esclarecimento da população, que irá provocar impactos econômicos gravíssimos para produtores e varejistas, que causará desemprego e abrirá caminho para o contrabando.
Para manter a legislação frouxa como está, chegam ao cinismo de pressionar para que as consultas sejam proibidas.
Vamos inverter o raciocínio deles. Para impedir que os fabricantes continuem a praticar os crimes de acrescentar produtos químicos que tornam o cigarro mais palatável para crianças, de imprimir no rótulo teores de nicotina e alcatrão para fingir que existem cigarros menos nocivos e de expor os maços junto a balas e chocolates nas padarias, seria necessário organizar consultas públicas?
Quando a Anvisa proibiu a exposição de vitaminas nas prateleiras das farmácias, por acaso consultou o público? Se embalagens de vitaminas quase sempre inúteis, porém inócuas para o organismo, não devem ficar expostas ao consumidor desavisado, o maço de cigarro pode?
O que a sociedade espera da Anvisa são decisões técnicas para proteger a saúde da população. Reduzir o consumo de cigarros e o contingente de crianças que se tornará dependente de nicotina pelo resto da vida estão entre elas.
> Vídeo de ong faz campanha contra os cigarros adocicados.
março de 2011
> Cigarro. > Campanhas de interesse público. > Posts deste mês.
Comentários
Mas acho um TOTAL ABSURDO e HIPOCRISIA , todos os setores da sociedade comparar o CIGARRO como sendo o SATANÁS [ os crentes vao amar essa...rs rs rs ] e fazer o total e completo combate do cigarro , com todo e qualquer tipo de proibição , enqto que :
o ALCOOL que é de longe a DROGA mais ANTIGA , PODEROSA E NEFASTA da História da humanidade , que causa :
. DEPENDENCIA FISICA tanto qto heroina
. DESTROE FAMILIAS e INCITA A VIOLENCIA E CRIMES
. CAUSA MORTE POR OVERDOSE enqto cigarro e maconha por exemplo NÃO !!!
. DESTROE OS ORGÃOS VITAIS : cerebro , coração , figado etc
. Provoca as mais diversas doenças como : obesidade , diabete , infartos , derrames , cirrose , demencia e problemas mentais
. é responsavel por a MAIORIA DOS ACIDENTES AUTOMOBILISTICOS
Etc etc
E O ALCOOL É APLAUDIDO E INCENTIVADO DE MANEIRA CRIMINOSA por TODOS , devido ao altissimo PODER FINANCEIRO DA INDUSTRIA DO ALCOOL
1 TRILHÃO DE VEZES mais rica que a do CIGARRO ...
PORQUE DESSA HIPOCRISIA ???
O combate ao tabagismo e seus motivadores não exclui o de outras drogas.
Quanto menos estímulos para nos tornarmos dependentes (e aos nossos filhos), melhor.
Qual é o problema? O raciocínio do autor é perfeito. Xeque-mate!
Quem disse que é preciso pedir licença para proteger o interesse da saúde da população (física e financeira)?
Muitas pessoas vêm o alcool como saudavel se bebido "moderadamente".
Se a proibição de alcool fosse só mesmo pensada, teriamos uma rebelião.
Meu ex-professor de filosofia disse uma vez "se o alcool é capaz de fazer um carro funcionar, o que não faz com o organismo?"
Quando eu era criança bebia alcool, simplesmente me davam, mas quando cheguei aos 11 anos tive que começar a tomar remedios e não podia mais beber... aconteceu de eu perceber que alcool não faz falta nenhuma pra mim.
Hoje com 19 anos não bebo mais remédios,nem alcool.
Eu mal tenho tempo pra cuidar de minha vida, e tem nego com tempo pra cuidar da vida de todo mundo. Vai saber.
O triste é que não tem nenhum fdp preocupado com minha saude, com a saude das pessoas que passam por mim quando estou fumando, e nem com as criançinhas que fumam. Ninguém está nem ai, ninguém liga.
O unico motivo por toda a força no batalhão de anti-tabagistas nazistas é o fato deles precisarem desesperadamente se afirmar e fingir que estão lutando por um mundo mais seguro para os filhos que eles sabem que não estão nem ai pra eles.
Quer fumar camarada? Fume, é a porra da sua vida e eu não tenho nada haver com ela.
Não quer fumar? Não fume, mas não tire o direito de quem quer.
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