Título original: O porquê do fundamentalismo
por Ricardo Gondim
Ao terminar o culto, notei um rapaz, aparentando não mais que 25 anos, entre os que desejavam conversar comigo. Trajava um terno escuro, gravata sóbria e camisa bem engomada. Era meio-dia. O calor insuportável dava uma sensação de desconforto só em vê-lo apertado sob tantas camadas. Ele queria conversar sobre teologia. A hora era imprópria e havia mais algumas pessoas pedindo atenção. Sugeri que me procurasse durante a semana para um bate-papo mais calmo. Dito e feito. Na quarta-feira à tarde, José Antônio (nome fictício) estava em minha sala, novamente trajado com seu paletó grafite.
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por Ricardo Gondim
"Os fundamentalistas desprezam conteúdos" |
Logo nas primeiras frases, ficou claro que ele não fazia perguntas. Pela entonação dos questionamentos, bastava trocar os pontos de interrogação por exclamação e eu era severamente exortado. Vez por outra colocava o dedo em riste e pontificava como se acabasse de levantar da cadeira de Moisés. Tive pena daquele rapaz, tão jovem e tão caduco. Não julgo suas verdades, apenas me inquieto com sua postura rancorosa, anacrônica e trancada ao diálogo.
Os estudiosos deste tempo são unânimes em afirmar que experimentamos o recrudescimento do fundamentalismo. Não trato o fundamentalismo como uma categoria teológica, mas como uma atitude comportamental. O mundo experimenta uma crescente animosidade nas discordâncias.
As pessoas se entrincheiram com seus argumentos, não ouvem o arrazoamento dos outros e, ao se sentirem ameaçadas, partem para algum tipo de violência. O fundamentalismo tem se mostrado exuberante na radicalização ideológica dos Estados Unidos, tanto da esquerda como da direita, no isolamento de facções islâmicas e nos preconceitos entre movimentos cristãos, no xenofobismo europeu e nos nacionalismos africanos.
O fundamentalismo não respeita fronteiras de qualquer espécie -- geográficas, cronológicas ou culturais. Um jovem, que ainda não amadureceu sua reflexão, pode ser mais intolerante que um idoso, já bem enraizado em suas convicções. Eu ouvia o José Antônio e pensava: “Este rapaz lê pouco e, quando o faz, nunca terá coragem de aprender com quem não tem a chancela de sua igreja”.
Os fundamentalismos não aceitam contribuição de quem não comunga com os mesmos signos, com os mesmos cacoetes de seu grupo. Os diferentes podem até tentar comunicar alguma verdade, mas serão rechaçados por não serem identificados como “um dos nossos”. Romancistas, músicos, poetas e místicos de outros arraiais estão impedidos de ajudar um fundamentalista a arejar sua mente.
Fundamentalistas desprezam conteúdos e se espantam com rótulos. Aliás, lideranças fundamentalistas adoram xingar com estereótipos. Etiquetam uma pessoa como herege para que seus argumentos fiquem sob judice antes de serem articulados. O pavor de deixar-se contaminar por um apóstata encerra qualquer diálogo.
Os estudiosos deste tempo são unânimes em afirmar que experimentamos o recrudescimento do fundamentalismo. Não trato o fundamentalismo como uma categoria teológica, mas como uma atitude comportamental. O mundo experimenta uma crescente animosidade nas discordâncias.
As pessoas se entrincheiram com seus argumentos, não ouvem o arrazoamento dos outros e, ao se sentirem ameaçadas, partem para algum tipo de violência. O fundamentalismo tem se mostrado exuberante na radicalização ideológica dos Estados Unidos, tanto da esquerda como da direita, no isolamento de facções islâmicas e nos preconceitos entre movimentos cristãos, no xenofobismo europeu e nos nacionalismos africanos.
O fundamentalismo não respeita fronteiras de qualquer espécie -- geográficas, cronológicas ou culturais. Um jovem, que ainda não amadureceu sua reflexão, pode ser mais intolerante que um idoso, já bem enraizado em suas convicções. Eu ouvia o José Antônio e pensava: “Este rapaz lê pouco e, quando o faz, nunca terá coragem de aprender com quem não tem a chancela de sua igreja”.
Os fundamentalismos não aceitam contribuição de quem não comunga com os mesmos signos, com os mesmos cacoetes de seu grupo. Os diferentes podem até tentar comunicar alguma verdade, mas serão rechaçados por não serem identificados como “um dos nossos”. Romancistas, músicos, poetas e místicos de outros arraiais estão impedidos de ajudar um fundamentalista a arejar sua mente.
Fundamentalistas desprezam conteúdos e se espantam com rótulos. Aliás, lideranças fundamentalistas adoram xingar com estereótipos. Etiquetam uma pessoa como herege para que seus argumentos fiquem sob judice antes de serem articulados. O pavor de deixar-se contaminar por um apóstata encerra qualquer diálogo.
José Antônio tentava me persuadir de que o futuro da fé cristã jaz no passado. “Temos que voltar”, repetiu várias vezes. Como eu sabia que qualquer iniciativa de estabelecer uma conversa seria frustrada, apenas pensei: “Mas, voltar ao quê?”. A idealização do passado é arma bastante usada por aqueles que enxergam a coragem de pensar fora da caixa como pecado mortal. Veneram teólogos do século 17 como autênticos instrumentos de Deus e consideram os atuais pretensiosos por desejarem articular teologia para sua geração. Mal sabem que muito do que se considera ortodoxo hoje, soou esquisito para alguém do passado.
Depois de quase cinquenta minutos de monólogo, antes que José Antônio tomasse fôlego, consegui dizer que Jesus Cristo foi relativista. Ele relativizou a lei em nome da misericórdia ao perdoar uma mulher apanhada em adultério; relativizou a tradição ao curar no sábado; relativizou sua própria proibição de alcançar os gentios ao atender ao pedido de uma mulher aflita devido à doença da filha. José Antônio arregalou os olhos quando eu disse que Jesus foi um vanguardista. Ele estava à frente do seu tempo quanto à valorização da mulher e o trato com a riqueza.
Minha cartada final, que escandalizou até os fios de cabelo de José Antônio, foi quando eu disse que nem ele nem eu podemos nos arvorar de ter toda a verdade. Jesus afirmou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Porém, há pelo menos três verdades para conhecermos, todas inexauríveis: a pessoal, subjetiva, a externa, do mundo, e a de Deus, transcendente. Quem se aventurar a conhecer a si, o mundo que o rodeia e a Deus, deve saber que nunca chegará à sua meta.
Abracei afetuosamente José Antônio quando nos despedimos, mas temi por sua alma. Vi que ele corria o sério risco de perpetuar uma fé amarga, obtusa e, crescentemente, isolada. No escanteio e sem credibilidade, seu cristianismo parecerá com o sal que perdeu seu sabor. Torço para que a geração que me sucederá seja tão assustadoramente revolucionária como foi Jesus de Nazaré.
fevereiro de 2011
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Comentários
INCENDIÁRIO AOS VINTE , BOMBEIRO AOS TRINTA. O PASTOR TAMBÉM JÁ FOI JOVEM FUNDAMENTALISTA?
Quem te viu, quem te vê...ou o que uma mudança de emprego não é capaz! Quem conheceu esse pastor quando jovem, egresso da Igreja Presbiteriana, uma igreja séria, ponderada, como parte do cristianiso histórico, em Fortaleza; depois supondo-se batizado no espírito santo, falando em línguas, criticando seus irmãos presbiterianos, como "frios" , tradicionalistas, (fervoroso, fiel , na versão pentecostal é quem pinota, pula , saracoteia, chilreia, e balbucia em glossolalia); JUNTANDO-SE AOS NEOPENTECOSTAIS DA PENIEL, também como ele egressos da Presbiteriana, que sob a batuta do Pastor Vilarindo de Brasília, criaram a suposta Igreja Batista Renovada Peniel, espécie de igreja familiar do clã dos guimaraens, liderados pela matriarca, enquanto O MARIDO OPTOU POR CONTINUAR COMO BOM PRESBITERIANO "TRADICIONALISTA"... Ora, o pastor também era um jovem caduco, porque neopentecostalismo era a revivescência do fenômeno dos tremedores, também do SÉCULO XVII!!!Quem acompanhou tudo isso e LEMBRA (porque memória em nossa TRADIÇÃO CULTURAL, é curta),sabe que esse pastor que fala assim agora, não é o verdadeiro de hoje, porque seria verdadeiro o de ontem? .
Quem se lembra dos sermões inflamados, emocionalíssimos, que lotavam a BETESDA incipiente, primeiro naquela grande tenda que mais parecia um circo, depois na sede luxuosa; há de convir que este pastor não é nunca o mesmo, ou todos os pastores nunca o são, servidores teóricos da humanidade, como nomeava Augusto Comte; apologetas do improvável. Por que tantos jovens fanáticos da classe média de Fortaleza se tornaram pentecostais? Por que a pregação desse pastor era tão convincente, uma espécie de evangelismo social e politicamente alienado, marcado pelo INTIMISMO, PIETISMO E VERTICALISMO na suposta relação com Deus, obteve tamanha ressonância? Pelos mesmos motivos que o SHALOM, espécie de entourage neopentecostalista católica, obteve sucesso internacional e hoje global; reconhecidos que foram pela Santa Sé. ALIENAÇÃO RELIGIOSA, CAUSA E CONSEQUÊNCIA DA ALIENAÇÃO POLÍTICA. Quem conheceu o Pastor do passado, sabe que ele continua alienado politicamente, e religiosamente também.
Ele era esse mesmo Moisés que hoje por analogia rotula o rapaz que o procurou, ele ouvia vozes, ele dizia a todo instante o Senhor me disse, o Senhor revelou...Ele era uma legítima encarnação desse evangelismo eletrônico, e dessa fraude midiática religiosa, que é a exploração econômica via dízimos e ofertas, de uma sociedade já o suficientemente explorada pela carga tributária. Ele é um profissional do simbólico, como qualquer artista, ou em escala mais ordinária, um charlatão...A diferença é que , REFERENDADO NESSE MESMO FUNDAMENTALISMO QUE CRITICA USA O TEXTO DE MALAQUIAS 3, 10 PARA SOBREVIVER DA SINECURA DO SUSTENTO DA FÉ. Agora, é claro que como professor de Universidade Presbiteriana, Instituto Mackenzie, precisa ajustar o discurso, a pseudo filosofia, o discurso teológico...Aos crentes mais racionais, mais intelectualizados, tal como o outro seu amiguinho do Rio Grande do Norte, que pontifica absoluto na administração dos fundos e das bolsas (de estudo, mas pode-se entender literalmente). Uma espécie de cúpula nordestina no governo Mackenzie, talvez por conta de um ser cearense, o outro potyguar. Este mesmo pastor, dizia na década de oitenta, que o Ceará atravessava uma seca de sete anos seguidos, não por conta da posição geográfica em relação ao Equador, não pelo El Niño, mas PELA IDOLATRIA DO POVO AO PADRE CÍCERO E AO FRANCISCO DAS CHAGAS DO CANINDÉ...Ao vê-lo aqui neste blog, um baluarte da imprensa não confessional, posando de paladino da modernidade teológica, não pude deixar de gargalhar.
Se o pastor demonstra ter dois discursos, aí é uma coisa.Merece ser uma 'Geni'.
Agora,se ele demonstra real evolução na tolerância e humanismo,apontando erros que sua própria comunidade possui, então por que ficar tirando os esqueletos do armário do rapaz?
Pra mim isso é tão grave quanto fundamentalismo religioso.
O problema é nunca deixar de acreditar em crendices.
Wander
Minha cartada final, que escandalizou até os fios de cabelo de Fernando, foi quando eu disse que nem ele nem eu podemos nos arvorar de ter toda a verdade. Jesus afirmou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Porém, há pelo menos três verdades para conhecermos, todas inexauríveis: a pessoal, subjetiva, a externa, do mundo, e a de Deus, transcendente. Quem se aventurar a conhecer a si, o mundo que o rodeia e a Deus, deve saber que nunca chegará à sua meta.
Ah, ah, ah.
Agora, relativismo de verdade é aos 20 e poucos anos de idade chamar de "coroa" uma mulher de menos de 30 e depois, na faixa dos "enta", chamar uma outra de 35 ou 36 de "gatinha".
Confesso que amadureci ("graças a Deus").
Ainda não me convenceram de que a palavra fé somente pode ser utilizada para se referir à crença em uma entidade religiosa ou supranatural.
Posso entender e admitir que haja prevalência de fundamentalismos dentro de correntes religiosas.
Mas os há também nos debates seculares políticos, esportivos, acadêmicos, científicos, técnicos etc.
Além disso, há guerras desde o surgimento do nosso primeiro grupo ancestral, penso eu (há mais de 2.000 anos, portanto).
De fato, acredito (tenho fé em) que as guerras estejam diminuindo à medida em que a história da humanidade avança, se considerarmos a proporção de habitantes ao longo do tempo.
Gostei de sua ironia, mas essa é a pura tradução da realidade: fundamentalistas parecem iguais porque não têm criatividade, professam um pensamento único e pouco original. Ao contrário de Jesus Cristo, que, ficcional ou verídico, é uma personalidade surpreendente, boníssima, carismática e atraente.
Você não gostaria de ser comparado à personalidade de Cristo?
Porquê um verdadeiro pastor não traria tal coisa a público? Ele tomou o cuidado de não mencionar o verdadeiro nome rapaz e expressou uma opinião que em nada o desqualifica como pastor. Muito pelo contrário, mostrou uma lucidez rara para o cargo que ocupa.
P.S: Não sou evangélica.
P.S: Não sou evangélica.
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