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Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância

Título original: Meu irmão Kierkegaard

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Quando você estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.

O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o "ennui" (angústia, tédio) e o "divertissement" (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).

O filósofo dinamarquês afirma que nós somos "feitos de angústia" devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.

A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.

Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como "condenação à liberdade", justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.

O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.

Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas "leis": o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.

Somos um nada que ama.

A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa "verdade", ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.

Deste "solo da existência" (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro "A Repetição", é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.

É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida "correta" (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando "saltamos na fé", sem garantias de salvação. Mas existe também o "abismo do amor".

Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.

Seu livro "As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos" (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.

A ideia que abre o livro é que o amor "só se conhece pelos frutos". Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua "visibilidade" apenas prática.

Angústia e amor são "virtudes práticas" que demandam coragem.

Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.

Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como "lei da alma"), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.

Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:

"Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor... Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber."

Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.

Espécie humana sumirá sem deixar 'fóssil' do seu fracasso afetivo.
abril de 2011

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
Pondé é a reencarnação de Schopenhauer, nota -se perfeitamente a semelhança !
Anônimo disse…
Heidegger?
Vik disse…
Foi o Pondé mesmo que escreveu isso? Cadê toda aquela revolta contra a classe média, contra a esquerda? Sei lá, esse texto tá muito bonitinho, não parece coisa dele.
Ricardo disse…
Também já percebi essa mudança de tom de um texto para outro. Acho que os textos acompanham o humor dele, pois ele já disse que é um filósofo que valoriza mais as paixões do que a razão e que é um escravo da fisiologia. Como todos nós, afinal.
Anônimo disse…
Esse é o Pondé no seu melhor estilo! Pra quem tava um pouco cansado mesmo daqueles "desvios políticos", é um texto que vem a calhar.

Robson.
D(ex)crente disse…
Redimiu-se do último texto
Anônimo disse…
Realmente uma mudança brusca de tom. Um artigo poético rico em conteúdo.
Gostei!

Montpellier
Fabiana disse…
Um artigo poético rico em conteúdo, rsrsrs, cada figura romãntica patética heheheheh!
Anônimo disse…
Esse texto realmente é muito melhor que o outro.

Pensei que ele fosse ficar em uma nota só.
Wanderley disse…
Ele escreveu tudo isso só pra comunicar que viajou pra Europa.
Anônimo disse…
Fabiana,
A poesia é patética, o romance é ridículo.

Montpellier
Casé disse…
Puxa vida quantos comentários que são na verdade são criticas (positivas e negativas) ao senhor Pondé.
Ou sua audiência é extremamente culta ou extremamente jovem. Fico com a segunda hipótese. Só os jovens têm tanta certeza. Os mais velhos como eu (67 anos aprendemos a cultivar a duvida de nossa sabedoria (ou ignorância).
Caro senhor Pondé seja sempre o senhor mesmo e isto ja nos da muita alegria.
Casé
case@rotarylift.com.br
Anônimo disse…
Quem será esse maluco que sempre fala essa besteira de que Pondé é a reencarnação de Schoppenhauer?O Nada romântico ultradireitista delirante Reinaldo Azevedo deve ser a reencarnação do Hitler,nota-se perfeita semelhança.
Anônimo disse…
"Ele escreveu tudo isso só pra comunicar que viajou pra Europa."

Concordo...não tem aquela coisa azeda (sincera) da parte dele. Está uma "fofurice", espero que no próximo artigo ele volte a "maldade" dele.
Duque de Parma disse…
(A vergonha, como a dor, só se sente uma vez. LACLOS, in Les Liaisons Dangereuses). Poderíamos dizer que também o amor só se sente uma vez e nunca mais? Somos inclinados a pensar que o tempo pode retirar-nos muitas paixões, mas não os amores. Diz Hannah Arendt que os males do mundo têm como causa a falta do amor, do cuidado; em certo sentido - diz a grande autora de A Condição Humana -, "até destruir-se pode parecer honroso", desde que seja uma forma de evitar a destruição criminosa dos outros...Kierkegaard, Pondé, como todos os românticos, carregam este estigma da amargura, a qual não é senão a incompreensão do senso comum ante à aflição própria dos que querem um mundo outro...E como o mundo pensado não poderia ser outro, com todas as suas propriedades e inferências lógicas, dialéticas, específicas da alteridade que conclama os atormentados e diletantes Édipos a decifrarem o drama próprio e o trilema da esfinge? Pensar por si mesmo, este é o "crime", o "erro de Pondé" (dava até título de livro, como o de Descartes); o reino confortável dos pseudosábios não suporta as irrupções do pensamento nestes aparentes "inteligentes", e revolucionários do mesmo, do idêntico: eles são terrivelmente diferentes. A igualdade, a democracia, o reino das identidades não sabe conviver com a diferença. Pondé já deixou bem claro que somos todos medíocres. Ele é apenas alguém que lê mais do que a média; ( devemos levar em conta que, em comparação com quem lê nada, até um estudante que lê pouco é considerado ameaça aos pseudointeligentes, em geral incompreensivos com os dotados ou mais competentes); tivéssemos todos a disciplina e a efetividade de uma prática da leitura o quanto somos pródigos em parolagem...Não viveríamos sob o império da compilação e da citação da citação, ou referência da referência; nem seríamos todos diletantes especialistas de opinião e presunçosos comentadores, rogando ser tratados como doutores.
Anônimo disse…
Quem lê pensa com a cabeça dos outros!
Ricardo disse…
Anônimo 08:11

Você está fazendo uma baita generalização. Existem aqueles que leem e saem por aí repetindo o que leram, estes se encaixam no que você quis dizer. Mas existem os que leem, absorvem o que leram e tentam tirar alguma conclusão. Não existe outra forma de pensar. O que você sugere? Que todos parem de ler para que as ideias surjam "puras" de dentro da cabeça?
Anônimo disse…
Inteligente é essa Fabiana. Escárnio de quinta categoria.
WV disse…
Boa tarde -- a todos.

Muito obrigado, Sr. P. R. Lopes, por postar os artigos do Pondé. Estava a procurar por este último, que contempla o pensamento kierkegaardiano -- na verdade parte dele. É-me -- e acho que a muito mais pessoas além de mim -- de grande utilidade a postagem desses textos do grande fã de E. Cioran (1911-1995), que é Pondé. Com base em frustrações pessoais, leitura de Breviário de Decomposição, de Cioran, e de Contra Um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto, do Pondé, escrevo meu terceiro -- e mais amargo livro. O qual nem tenho muita certeza se deverei publicar. Porque julgo que trará mais amargura e niilismo ao mundo, tão degradado. Se virmos Pondé como problema, veremos Mario Sergio Cortella como a solução. Por ora, os dois são indispensáveis para a compreensão da modernidade e de suas consequências para todos nós.
Grato, mais uma vez, senhor!

Forte abraço em todos!!!
Anônimo disse…
Concordo com Duque de Parma. É como dizia um antigo Professor meu. Quando ele pedia a um aluno para pensar, ele respondia: no quê?
Anônimo disse…
Harold

Pondé é Brasileiro , e esta entre maiores genios !!
Unknown disse…
Como se os que escreveram, nunca tiveram lido de outros lugares. Afinal, da onde surge o pensamento, o aprendizado? Senão de livros, discussões e prosas que nos são passados de geração para geração. Nenhuma mente se forma só, é preciso mediadores para rebater nossas idéias e que nos leve a pensar.

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