Título original: Os sem-iPad
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Você sabia que agora existe em Londres o movimento dos sem-iPad? Coitadinhos deles. Quebram tudo porque a malvada sociedade do consumo os obriga a desejar iPads... No passado todo mundo era "obrigado" a desejar cavalos, tecidos de seda, especiarias, facas, tambores, ouro, mulheres...
Como ficam as pessoas que desejam, não têm, mas nem por isso saqueiam lojas, mas sim trabalham duro? Seriam estes uns idiotas por saberem que nem tudo que queremos podemos ter e que a vida sempre foi dura?
Esta questão é moral. Dizer que não é moral é não saber o que é moral, ou apenas oportunismo... moral. Resistir ao desejo é um problema de caráter. Um dos pecados do pensamento público hoje é não reconhecer o conceito de caráter.
Logo existirão os "sem-Ferrari", os "sem-Blackberry", os "sem-Prada" também? Que tal um "bolsa Blackberry"? Devemos criar um imposto para os "sem-Blackberry"?
Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações. É, tem gente que ainda não aprendeu que não existe almoço de graça.
Mas esse fenômeno de querer desculpar todo mundo da responsabilidade moral do que faz não é invenção de quem hoje justifica a violência em Londres clamando por justiça social na distribuição de iPads.
É conhecida a passagem na qual o "homem do subsolo" no livro "Memórias do Subsolo", de Dostoiévski, abre suas confissões dizendo que é um homem amargo. Em seguida, alude à teoria comum de que ele assim o seria por sofrer do fígado. Logo, a culpa por ele ser amargo seria do fígado.
Ele recusa tal desculpa para sua personalidade insuportável e prefere assumir que é mesmo um homem mau. Eis um homem de caráter, coisa rara hoje em dia.
Agora, todo mundo gosta de "algum fígado" (a sociedade de consumo, o patriarcalismo, a Apple) que justifique suas misérias morais.
A moda pegou nos jantares inteligentes e hoje temos vários tipos de "teorias do fígado" para justificar nossas misérias morais.
Uma delas é a teoria de que somos construídos socialmente.
Dito de outra forma: O "sujeito é um constructo social". Logo, quebro loja em Londres porque fui "construído" para enlouquecer se não tenho um iPad. Tadinho...
Tem gente por aí que tem verdadeiro orgasmo com essa bobagem.
Não resta dúvida de que há algo verdadeiro na ideia de que somos influenciados pelo meio em que vivemos.
Por exemplo, se você nasce numa favela, isso não vai passar "desapercebido" nos seus modos à mesa, no seu comportamento cotidiano e nas suas expectativas e possibilidades na vida.
Mas aí dizer que "o sujeito é um constructo social" é pura picaretagem intelectual. Ninguém consegue ou conseguirá provar isso nunca, mas quem precisa de "provas" quando o que está em jogo são as ciências humanas, que de "ciência" não têm nada.
Esse blábláblá não só exime o sujeito da responsabilidade moral, como abre a porta para todo tipo de "experimento" psicossocial, político ou justificativa moral, que, na realidade, serve pra qualquer um inventar todo tipo de conversa fiada em ciências humanas "práticas".
Por que tanta gente adora essa teoria? Suponho que, antes de tudo, o alivie de ser você e coloque a "culpa" de você ser você no pai, na mãe, na escola, na vizinha, na sociedade, no consumo, na igreja, no patriarcalismo, no machismo, na cama de casal, no iPad, no diabo a quatro. Menos em você.
Temos aí uma prova de que grande parte das ciências humanas não reconhece o conceito de caráter.
Moral é exatamente você resistir a impulsos que outras pessoas, sem caráter, não resistem. Já leu Aristóteles? Kant?
A "culpa" do que hoje acontece em Londres não é do consumo. Homens sempre quebram coisas de vez em quando e querem coisas sem esforço. As causas podem variar. Hoje em dia, seguramente, uma delas é que muita gente está acostumada a um Estado de bem estar social que os trata como bebês.
A preguiça, sim, é um traço universal do ser humano.
O sentido da vida se arranca das pedras e não dos céus.
fevereiro de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Como ficam as pessoas que desejam, não têm, mas nem por isso saqueiam lojas, mas sim trabalham duro? Seriam estes uns idiotas por saberem que nem tudo que queremos podemos ter e que a vida sempre foi dura?
Esta questão é moral. Dizer que não é moral é não saber o que é moral, ou apenas oportunismo... moral. Resistir ao desejo é um problema de caráter. Um dos pecados do pensamento público hoje é não reconhecer o conceito de caráter.
Logo existirão os "sem-Ferrari", os "sem-Blackberry", os "sem-Prada" também? Que tal um "bolsa Blackberry"? Devemos criar um imposto para os "sem-Blackberry"?
Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações. É, tem gente que ainda não aprendeu que não existe almoço de graça.
Mas esse fenômeno de querer desculpar todo mundo da responsabilidade moral do que faz não é invenção de quem hoje justifica a violência em Londres clamando por justiça social na distribuição de iPads.
É conhecida a passagem na qual o "homem do subsolo" no livro "Memórias do Subsolo", de Dostoiévski, abre suas confissões dizendo que é um homem amargo. Em seguida, alude à teoria comum de que ele assim o seria por sofrer do fígado. Logo, a culpa por ele ser amargo seria do fígado.
Ele recusa tal desculpa para sua personalidade insuportável e prefere assumir que é mesmo um homem mau. Eis um homem de caráter, coisa rara hoje em dia.
Agora, todo mundo gosta de "algum fígado" (a sociedade de consumo, o patriarcalismo, a Apple) que justifique suas misérias morais.
O profeta russo percebeu que as ciências preparavam uma série de teorias que tirariam a responsabilidade do homem pelos seus atos.
A moda pegou nos jantares inteligentes e hoje temos vários tipos de "teorias do fígado" para justificar nossas misérias morais.
Uma delas é a teoria de que somos construídos socialmente.
Dito de outra forma: O "sujeito é um constructo social". Logo, quebro loja em Londres porque fui "construído" para enlouquecer se não tenho um iPad. Tadinho...
Tem gente por aí que tem verdadeiro orgasmo com essa bobagem.
Não resta dúvida de que há algo verdadeiro na ideia de que somos influenciados pelo meio em que vivemos.
Por exemplo, se você nasce numa favela, isso não vai passar "desapercebido" nos seus modos à mesa, no seu comportamento cotidiano e nas suas expectativas e possibilidades na vida.
Mas aí dizer que "o sujeito é um constructo social" é pura picaretagem intelectual. Ninguém consegue ou conseguirá provar isso nunca, mas quem precisa de "provas" quando o que está em jogo são as ciências humanas, que de "ciência" não têm nada.
Esse blábláblá não só exime o sujeito da responsabilidade moral, como abre a porta para todo tipo de "experimento" psicossocial, político ou justificativa moral, que, na realidade, serve pra qualquer um inventar todo tipo de conversa fiada em ciências humanas "práticas".
Por que tanta gente adora essa teoria? Suponho que, antes de tudo, o alivie de ser você e coloque a "culpa" de você ser você no pai, na mãe, na escola, na vizinha, na sociedade, no consumo, na igreja, no patriarcalismo, no machismo, na cama de casal, no iPad, no diabo a quatro. Menos em você.
Temos aí uma prova de que grande parte das ciências humanas não reconhece o conceito de caráter.
Moral é exatamente você resistir a impulsos que outras pessoas, sem caráter, não resistem. Já leu Aristóteles? Kant?
A "culpa" do que hoje acontece em Londres não é do consumo. Homens sempre quebram coisas de vez em quando e querem coisas sem esforço. As causas podem variar. Hoje em dia, seguramente, uma delas é que muita gente está acostumada a um Estado de bem estar social que os trata como bebês.
A preguiça, sim, é um traço universal do ser humano.
O sentido da vida se arranca das pedras e não dos céus.
fevereiro de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
http://www.rodrigovianna.com.br/wp-content/uploads/2011/08/dilma+e+a+espada+2.jpg
http://esquerdopata.blogspot.com/2011/08/dia-do-orgulho-reacionario.html
Prestem atenção na placa no centro da figura.
Já está chato. Pondé e sua erudição de perfumaria, que tenta tornar mais palatável os preconceitos e posições de classe de seu público, está passando do limite na distorção e banalização da filosofia, da literatura, das ciências humanas... Pondé é o Gabriel Chalita da teologia conservadora brasileira.
Nunca se viu tanta aberração como no Brasil!
Há bolsas e KITs para tudo quanto é segmento social. Mas os gays estão levando a melhor na concorrência pelas bolsas do governo!
No caso do óleo de peroba, o PT já está acostumado com o uso dele na cara-de-pau dos companheiros, sempre envolvidos em corrupção!
Pondé é filho de mãe judia, mas não é judeu praticante. E ele estudou teologia, é especialista na história do catolicismo. Eu não sei qual a crença dele, se é que possui alguma, mas sua afinidade política com a Direita Católica é evidente.
Angelo Italo aqui em cima mandou muito bem e escreveu mais ou menos o que eu queria escrever.
Pondé só não acredita em mudar o ser humano por decreto!
Vão no Google e escrevam, Roda viva Ponde, foi dia 16/ 08/ 2011!
É cômico, mas tem muita gente que acredita que a miséria no mundo (em todos os sentidos) começou com o capitalismo. Basta olhar para a história do mundo e perceber que exploração, humilhação, desigualdade, abuso do poder sempre existiram.
Não somos capitalistas, comunistas, esquerdistas ou direitistas. Somos demasiadamente humanos e, portanto, falhos.
Mais Shakespeare e Dostoiévski e menos Marx e Bourdieu
O cara é um polêmista e é impressionante como as caras caem que nem patinhos como o SrAngelo Italo.
Esse cara realmente acha que Pondé deveria fazer alta filosofia em jornal de grande circulação.Ele realmente acha que Pondé não teria erudição para tanto.Acho que ele nem se deu ao trabalho de olhar seu currículo lattes...
Mas enfim,apesar de achar Pondé interessante,bem mais do que outros que estão por aí,tenho minhas críticas a ele pq não sinto verdade quando ele se diz pessimista ou niilista.Embora o simples fato de tentar ver o mundo dessa perspectiva desperta minha simpatia,mesmo que não seja sincero.Pois vai contra a mesma ladainha de sempre:marxismo vs liberalismo.blablabla,preconceito de classe blabla os petitas sao idiotas,o anti-petistas sao idiotas,blablabla,reacionario,blablabla,etc,etc.
Assim como seu colega Olavo de Carvalho, Pondé instrumentaliza preconceitos sob a forma de Filosofia e teses sociológicas, ensejando conferir fundamento científico àquilo que é somente preconceito mesmo.
Ele está terrivelmente enganado sobre os conflitos sociais na Inglaterra. Pegou um fato específico, os saques às lojas, e justificou tudo em torno disso.
Se ele saísse de sua redoma, saberia que boa parte da Europa fervilha por conta das diferenças sociais e da xenofobia que vêm se acentuando ao longo dos últimos anos.
Quando ocorreu aquele conflito na periferia de Paris, por exemplo, onde diversos automóveis restaram incendiados durante semanas, um amigo meu francês comentou (com conhecimento in loco da situação) que aquilo era apenas uma centelha de uma bomba que está prestes a explodir em vários países europeus.
Ao contrário da piada irresponsável do Pondé, não é por causa de i-Pads que os europeus segregados estão enfurecidos: é por causa da falta de trabalho, das limitações do acesso ao sistema público de saúde, do preço da energia elétrica, do gás de cozinha, das condições dos bairros onde vivem - mal-servidos pelo transporte público e desassistido pela segurança pública.
Os patamares não são comparáveis aos brasileiros e países subdesenvolvidos, mas impõem uma dificuldade razoável para que cidadãos franceses menos abastados e imigrantes sobrevivam com dignidade na França.
A mesma coisa vem acontecendo na Alemanha, na Espanha e outros países. Ou seja: é absolutamente chocante que um professor universitário como Pondé reduza um problema à simples vaidade de ter ou não ter um i-Pad.
Se você observar, vai encontrar uma similaridade incrível entre os argumentos de um Pondé e os argumentos de um... Paulo Brossard (ex-ministro do Sarney que atualmente arrendou uma coluna no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, para versar sobre o que ele considera inaptidão do governo atual - sendo que quando ele esteve no poder pouco fez para mudar a vida dos brasileiros).
Enquanto Brossard é um reacionário assumido e não se importa nem um pouco de desfilar seu preconceito e falsa preocupação coletiva nas páginas de ZH, Pondé se esconde atrás de seus mestrados e doutorados para parecer moderno e visionário. Definitivamente não é.
Luiz Felipe Pondé é só mais um reverberador do modo Folha-Globo-Veja-Estadão-RBS de olhar o mundo com olhos de quem frequenta os melhores clubes e degusta os melhores pratos.
Ao contrário de um amigo meu, que fica injuriado com isso, eu compreendo o fato do Paulo Lopes replicar textos do Pondé como uma forma de oferecer um contraponto. Mas que os argumentos do "filósofo" são inconsistentes se desconsideradas as credenciais dele, são.
A propósito, para quem não sabe, Pondé é professor de "Ciências da Religião" na PUC-SP. "Ciências da Religião" é por si só um antagonismo indizível. É mais ou menos como dizer "a doçura da violência".
Mas isso não é culpa do Pondé, e sim de uma Academia que eleva religião à categoria de "Ciência". Pondé, no caso, só é um instrumento. Assim como o é na Folha.
Pondé não é um polemista, é um moralista. Defender que a preguiça é um traço universal do ser humano. Qual o rigor de tal tipo de afirmação?
Citar Shakespeare e Dostoiévski como os crentes citam a bíblia (e muitos esquerdistas citam Marx) e de uma desonestidade intelectual tremenda. E Pondé é um espertalhão, ele desqualifica as ciências humanas poque sabe que seus textos não passam pelo crivo do rigor destas.
Quando leio os textos de Pondé e os comentários de quem o defende eu vejo Bourdieu, que não é um marxista como alguns pensam. A primeira formação de Bourdieu foi em Filosofia (poucos sabem) e parte substancial da sua obra é uma crítica ao elitismo cultural, crítica que a filosofia não é capaz de fazer porque é vaidosa demais.
Para Pondé, existem os bons e os invejosos. É a crítica do tal populacho de Nietzsche.
Em seu último atentado polêmico via Folha de São Paulo, o “filósofo” Luiz Pondé tratou de atacar as interpretações da esquerda para o fenômeno recentemente ocorrido na Grã Bretanha, e o fez empregando um discurso tão reacionário que não pode restar dúvida alguma do lado em que se situa: Pondé cruzou o limite que separa esquerda e direita.
A dicotomia esquerda/direita é um pouco mais complexa do que normalmente se entende — e diferente. Ela é anterior ao marxismo, de forma que reduzir esquerda e direita a uma rusga entre socialistas e burgueses é impróprio. Esquerda e direita são situações diferentes em face de um mecanismo que perpassa toda a História: a luta de classes.
Historicamente a Direita se coloca ao lado do status quo, dos donos do poder, das estruturas tradicionais, enquanto a esquerda se coloca ao lado dos rebeldes, dos excluídos do poder, das estruturas inovadoras. Assim é desde a Assembleia Constituinte, na Revolução Francesa. O marxismo só se tornou importante na esquerda porque era uma ideologia “nova” e surgida entre os “excluídos”, com o objetivo de dar-lhes objetivo comum. A direita também produziu suas ideologias para consumo do povo.
Ao longo do tempo a direita desenvolveu-se como uma criatura sem rosto definido, escondendo-se atrás de inúmeros estratagemas: democracia cristã, ruralismo, liberalismo, partidos agrários, nacionalismo, nacional-socialismo, civilismo, tea party, chauvinismo, democracia liberal, irredentismo etc. A esquerda possui muitas afirmações discordantes. A direita possui um grande “não”, que cabe em qualquer forma que atenda às preferências dos afiliados. A direita diz “não” ao compartilhamento do poder. A direita diz “não” à descolonização, à república, à democracia, à igualdade, ao sufrágio universal, ao voto da mulher, ao secularismo, ao internacionalismo, à reforma agrária, ao salário mínimo, ao ensino público, à assistência médica, às férias, à aposentadoria.
Cada uma destas conquistas hoje usufruídas pelos trabalhadores do mundo todo foi arrancada das mãos crispadas da direita, a custa de greve, paulada da polícia, demissões de pais de família, guerras civis, assassinatos políticos, revoluções, duas guerras mundiais etc. Nos países onde o “esquerdismo” foi menos atuante as conquistas sociais dos trabalhadores surgiram mais lentamente: caso dos Estados Unidos, onde, porém, a falta destas garantias foi por muito tempo mascarada pela prosperidade generalizada, conquistada pelo império em expansão, tal como a Antiga Roma, que conseguiu ter seu pão e circo durante a era da Pax Romana.
Considerando tudo isso, acredito que o mínimo que a esquerda merece é um pouco de respeito. Porém, se tal for concedido, o debate não existe, pois em essência a direita é o próprio mal personificado. A direita nada mais é do que o conjunto das estratégias múltiplas empregadas pelos que detêm o poder econômico e político a fim de evitar que qualquer dos dois seja dividido com mais gente. Nesse sentido, claro, o PCUS se tonara a direita na União Soviética das últimas décadas, ao apoderar-se de todos os instrumentos do Estado e criar uma nova oligarquia, a tal nomenklatura de que tanto se fala. Fato que provou, já nos anos 80, que debater esquerda e direita como sendo marxismo e liberalismo não era correto. Desta forma, vê-se não há um maniqueísmo simplório aqui. Direita e esquerda não são círculos definidos, mas borrões de tinta que se mesclam sobre o papel.
Depois de tão longa — e exaustiva — introdução, chegamos ao caso. Para os alto-falantes da direita, o que houve na Grã Bretanha foi pura balbúrdia protagonizada por arruaceiros jovens e mimados. Uma estratégia comum dos argumentos direitistas é isolar os fatos, considerando que só porque duas coisas aconteceram em lugares diferentes, ou separadas por algum intervalo de tempo, elas se tornam automaticamente “outras coisas”. Somente quando a negação seria um atestado de burrice é que o direitista admite a existência de fenômenos globais. Infelizmente a recíproca é verdadeira: o esquerdista tende a ver em tudo um padrão e explicar tudo como parte de um sistema. A verdade, como preconizava Buda, está no meio. O que aconteceu na Grã Bretanha é parte de algo maior, mas também é parte de algo muito próprio daquele país, embora conectado a outros fenômenos.
Houve precedentes. Teve o “tea party”, um movimento artificial insuflado pela direita nos EUA e que logo sugeriu à juventude de milhares de lugares do mundo que era possível organizar-se e exigir mudanças no governo. O próprio “tea party” foi precedido pelo movimento que derrubara o inepto governador da Califórnia e abrira caminho para Arnold Schwarzenegger tornar-se político (o que ele, aliás, foi com certo brilhantismo). Nesse caso o “protesto popular” insuflado pela mídia fora uma estratégia republicana para “tomara a Califórnia”, estado tradicionalmente progressista.
Houve também as revoluções coloridas da Ucrânia, da Geórgia e da Sérvia, todas curiosamente derrubando ditadores e implantando regimes pró-EUA. Tem dedo da CIA nisso, claro. Mas o fato de ter dedo da inteligência americana não tira a legitimidade das conquistas, pois quem foi lá protestar, lutar, morrer, foram os respectivos povos destes países. Não se faz revolução sem povo, e nem sem um pretexto.
E então a direita se espanta, chega a falar em abolir os instrumentos através dos quais a revolta se espalhara, medida análoga aos atos de desespero de um Hosni Mubarak ou às interferências que os soviéticos faziam nas transmissões em ondas curtas da Voz da América. O ocidente não é democrático por convicção, mas por conveniência e por costume. O preço desta liberdade limitada de que se desfruta é a eterna vigilância. Por isso a direita precisa inventar uma forma de desqualificar o movimento, e nada é melhor para isso do que detectar na indignação que gera a violência um motivo fútil, talvez vil.
É verdade que os saques a lojas foram parte importante do que aconteceu no Reino Unido, tanto quanto a queima de retratos foi importante no que aconteceu na Líbia. A violência se dirige contra símbolos concretos porque não como bater ou destruir conceitos abstratos como “ditadura”, “exclusão”, “falta de oportunidades”, “humilhação”, “ignorância” etc. Atacar um símbolo é uma maneira válida de marcar uma posição. Os próprios direitistas sabem disso, uma vez que são eles que mais recorrem aos símbolos para arregimentar as massas: bandeiras, hinos, emblemas, uniformes, efígies, heróis, fronteiras, muralhas, palácios. Quando os americanos entraram no Iraque, “derrubaram” Saddam Hussein metaforicamente, pondo abaixo uma estátua numa praça de Bagdá. Demolir aquele monumento foi um ato gratuito no contexto da guerra? Dificilmente um comandante americano concordaria. Da mesma forma, depredar uma filial da Harrod’s pode não ser um ato gratuito no contexto de outra guerra — a luta de classes.
Tal como a estátua de Saddam, os templos do consumo servem como mostruários de poder. Ninguém ousava sequer olhar torto para a estátua, numa sociedade civilizada ninguém toca na vitrina frágil de vidro que contém o bem caro, que somente pode ser adquirido por uma minoria. Existe uma contenção imaterial que impede que a rejeição se consume em um ato. Esta contenção, no caso de Saddam, era o puro medo da represália, no caso das democracias ocidentais, é a ideologia. Somos educados desde a infância a assumir papeis e a conformar-nos assim. Entre eles está o que a direita chama de “princípios morais”. Estes são, basicamente, o que permite que uma minoria influencie a maioria. Princípios morais fazem com que centenas de pessoas escutem com atenção o que um senhor senil e de cultura geral pouco abrangente diz no alto de um púlpito a respeito de um tema do qual não entende. Princípios morais fazem com que o trabalhador aceite ser humilhado pelo contramestre contratado pelo seu patrão.
Em essência, o estopim não pode ser usado como medida do valor da explosão que causa: sabemos que o vendedor de frutas tunisino sonegava impostos, mas achamos bonita a revolução que causou, e “feio” o ditador que tentou censurar a internet para segurar seu poder. O que diferencia o vendedor de frutas tunisino do jovem morto pela “civilizada” polícia inglesa são as leis: as leis da Tunísia não são leis legítimas, são brutais, ditatoriais, obscuras. Já as leis inglesas são ótimas e perfeitas. A lei tunisina que criminalizava o vendedor de frutas não “valia”. Mas o costume britânico que marginalizou e criminalizou o jovem suburbano tem mais valor que um livro da bíblia. Não querendo defender as leis feitas por uma ditadura, não custa lembrar que a Grã Bretanha não tem sequer leis escritas e sistemáticas e que a sua “Suprema Corte” é formada integralmente por “lordes”.
Então, para não ter que admitir que a explosão de violência não reflete uma tensão anterior, a direita faz ginásticas. Para a direita, Rodney King era apenas um motorista bêbado que reagiu à prisão e o que aconteceu em Los Angeles nos anos 90 foi algo inexplicável. Para a direita, o jovem Mark Duggan era apenas um bandidinho que merecia mesmo ter morrido e a violência urbana britânica foi algo que surgiu assim do nada, somente podendo ser explicada por defeitos morais ou pela falta de iPads.
1)Não acho que o Pondé faça parte da direita ou pelo menos da direita com o sentido que vc usou no texto.Como já disse o próprio se define como pessimista ou niilista,o que o faz interessante para mim,mas não me soa sincero.
Em algumas entrevistas,ele que eu me lembre não se posicionou contra muitos dos "avanços" conquistados pela esquerda
2)Não tenho muita informações sobre o que está ocorrendo na Grã-Bretanha,mas o grande problema é que o Pondé também parece não ter.Aí sim,nesse ponto,eu acho que todas as críticas seriam válidas.
Como vc mesmo disse o texto foi um "atentado polêmico"( em relação as aspas no filósofo,o currículo do Pondé é respeitavel e pode ser visto por todos na plataforma Lattes,não vou entrar no mérito formação x grande filosofia).
E como "atentado polêmico" ele quer chocar para chamar a atenção para a discussão sobre maldade,angústia e a incapacidade de ver demônios em si.Não acredito que seja um malabarismo da parte dele como estratégia da direita(com o sentido que vc usou no texto).É claro que eu posso estar sendo ingênuo;mas não boto a mão no fogo por ninguém.
Enfim,posso me arrepender e/ou mudar de opinião,mas por enquanto admiro o Pondé bastante.
Isaac
Mas... e se os demônios realmente não estiverem em si? Isso me faz lembrar das sessões de lavagem cerebral descritas pelos dissidentes sociaistas. Nelas o sujeito era pressionado até admitir que ele era culpado de decadência, de adesão a valores burgueses, coisas assim. Em vez de reconhecer que o estado socialista era injusto e insuflava o descontentamento, tentava-se justificar os descontentamentos como falhas morais.
Igual faz o Pondé. Ele nega a existência de tensões sociais e atribui a revolta apenas a falhas de caráter. Tal como os americanos diziam que os árabes queriam destruir os EUA porque tinham inveja de sua liberdade.
Infelizmente para Pondé (e para sua defesa dele) não é aceitável em um debate HONESTO esperar que os interlocutores sejam capazes de discernir o que nós mesmos não fomos capazes de exprssar. Como dizia Nietzsche (cujo currículo certamente seria mais breve que o do Pondé em títulos); importa menos o que você pensa do que o que você fala.
Portanto, se o texto de Pondé tem camadas ocultas, que demandam uma atenção e uma exegese, isto é defeito do texto, não do leitor. O gênero de texto que estamos debatendo aqui não é poético, ele precisa ser mais correto.
Charles
Que nada, são uns intelectuais de meia pataca, marxistas retrógrados (ôpa, isso é redundância) alguns professores de história (que sempre são donos da verdade). Eu? Sou reacionário, de direita e faço parte da mídia golpista. E ganho bem.
a) Ataque pessoal (ad hominem), incapaz de rebater o argumento, você tenta desqualificar o argumentador.
b) Apelo ao sucesso (ad crumenam), ao sugerir que os argumentos das pessoas mais bem sucedidas valem mais do que os argumentos dos menos sucedidos e depois ao enfatizar que supostamente "ganha bem" para desqualificar as pessoas a quem critica.
c) Generalização arrasadora, ao não distinguir nuanças nas posições diferentes da sua.
E há outras, mas não estou hoje inspirado como estivera ontem.
Sr José Geraldo,
Bom,eu reconheço as tensões sociais,claro.Mas que existem demônios interiores isso existe.As pessoas algumas vezes cometem as maiores atrocidades sem haja explicação histórica coerente,as pessoas mudam também,quantos revolucionários de ontem hj são conservadores??
E eu penso que Pondé sabe das tensões muito bem,mas quer chamar atenção pra esse lado mais "psicológico".Por exemplo,eu enxerguei a parte da Grã-Bretanha como mera forma,estilística para apresentar o que ele queria.Mas aí pode-se gostar disso ou odiar.
Mas vc citou Nietzsche,um dos caras mais ricos em camadas ??Assim Falou Zaratustra é altamente
poético,a até meio hermético eu diria.
Felipe.
Só que Pondé nesse artigo especificamente não está debatendo em alto nível e sobre ideias à frente de seu tempo. Isso é uma coluna de jornal.
Mas voltando a Nietzsche. As camadas de Nietzsche estão todas lá, para serem lidas. Suas obras não são herméticas, são apenas complexas. Você não precisa buscar intenções ocultas, ou objetivos ulteriores. Os objetivos de Nietzsche ele mesmo os declara.
De acordo. Mas muitas vezes isso decorre por causa da grande "miséria da História": o fato de que ela precisa se valer de conhecimentos parciais, sobre parte dos fatos, para tentar explicar as coisas. Se você adicionar níveis extras de conhecimento, nenhum fato é inexplicável, muito embora a explicação muitas vezes esteja mais no plano da história individual de quem o comete do que na história coletiva da sociedade em que está inserido.
O que eu tentei dizer, não sei se cheguei a ser suficientemente claro, foi que fenômenos de massa não podem ser explicados senão através de causas de massa. Um indivíduo pode roubar uma loja por suas próprias carências morais. Uma turba de saque, porém, já exige um tipo adicional de explicação. Se não para o saque em si (que pode ser resultado de carências morais de cada um), para o misterioso e estranho fato de tanta gente ter carências morais e resolver saquear lojas ao mesmo tempo.
Você não acha que isso merece uma explicação melhor do que "todos eles são malvados ou mimados"? Você não acha que o fato acontecido implora a pergunta do "por que há tantos malvados e mimados"?
Da maneira como nos aproveitarmos de tudo...
Embarcados na lei do menor esforço...
Em minha cidade, a tempos atrás criaram...
Instalações que forneciam refeições baratas...
Indicadas para pessoas menos favorecidas...
Mas, observando-se as imensas filas...
Notava-se que muitos dos frequentadores...
Poderiam pagar por refeições melhores...
Em locais mais tranquilos e sem fila...
A preguiça promovida pela tecnologia...
Ou por projetos políticos inadequados...
Estão incutindo na mente da população...
A ideia de que basta estalar os dedos...
Ou exigir amparo do estado...
Me parece que reduzir tanto o comentarista como de "direita" quanto a outros que aqui escreveram com de "direita" colabore com a discussão. Acho importante uma colocação como a do Pondé, que vai contra ao pensamento da maioria! Ele amplia o debate.
Acho importante uma colocação como a dos criacionistas, que vão contra o pensamento da maioria! Eles ampliam o debate.
Implorar,implora.Mas a resposta ainda assim pode não ser social,história mas como já disse não tenho conhecimentos suficientes sobre o que está acontecendo lá.
Quanto a Nietzsche,eu me referia mais especificamente ao Assim falava Zaratustra.Evidentemente em Para Além do Bem e Mal,tudo ficou um pouco mais claro.Quanto a forma poética,não acho que ele optou somente porque leva um tempo para as pessoas entenderem certas idéias.Acho que ele também levou em consideração que certas ideías só existem quase que em pura forma,quase "etéreas",uma coisa viva em que a linguagem racional não dá conta de exprimir.
Inclusive admiro Nietzsche na sua posição contra o culto à ciência,ou pelo menos acreditar que esta é fonte de verdade e admiro Pondé,por ter posição semelhante.Hoje em dia há uma devoção exagerada ao racionalismo,à ciência e a textos com esquemas lógicos muito certínhos.Muitas vezes o que importa são sensações,não havendo rigor que as embarque.
Felipe
Se temos um fenômeno que abarca milhares de pessoas que vivem em um determinado lugar e compartilham certas características, temos um fenômeno obviamente social. Não é só sobre a Inglaterra que você não tem conhecimentos suficientes: você demonstrou que não sabe nem de longe o que são ciências sociais.
Eu entendi perfeitamente que "Se temos um fenômeno que abarca milhar de pessoas que vivem em um determinado lugar e compartilham certas características, temos um fenômeno obviamente social"
Já tinha entendido antes.
Mas o que eu quis dizer com a frase em negrito que pelo visto,não entendeu pq leu apressadamente é que EU NÃO SEI SE É UM FENÔMENO DE MASSA,NÃO SEI SE É COLETIVO.
Não estava in loco.Não tenho que acreditar nos jornais.Não tenho que acreditar no Pondé.Muito menos não tenho que acreditar em vc.
E realmente não sou formado em Ciências Sociais.Sou um mero estudante de Engenharia Civil.
Felipe.
Artigo da FORBES: http://www.forbes.com/sites/joelkotkin/2011/08/15/u-k-riots-global-class-war
Estou aguardando os que minimizaram minha análise como "meramente esquerdismo" dizeem algo.
Artigo bom, mas incompleto, ao meu ver
Lovric
mondovazio.com.br
26/08/11 09:39
Pondé, especificamente nesse artigo, está irretocável!
esse é o nome que se dá para todas essas críticas inúteis e sem fundamento.
O Pondé é um homem inteligente e um ser pensante que estudou muito e sabe muito bem do que está falando, diferente de pessoas que não sabem nem quem foi Platão.
Então quer dizer que o fato de o Pondé ter um extenso currículo garante, automaticamente, que todas suas ideias estão acima de qualquer crítica? Tem muita gente aqui que escreve bobagens, mas também há muitos que usam argumentos bem sólidos em suas críticas, como o José Gouvêa, por exemplo. Isso se chama CARTEIRADA.
http://www.virobscurus.com.br/site/atualidades/ponde-filosofo-pangare/
Será que o Pondé, se é que vale a pena, já tentou uma resposta à altura?
Por que não falou deles, queridinho Pondé?
Tem muitos desse tipo, diria que 99% dos adolescentes e adultos retardados que admiram a figura que escreveu essa excrecência; diria que no brasil tem mais gente culpando o "feminismo e secularismo" por ter filhos delinquentes do que pessoas culpando o "machismo".
Pondé é um pseudo-intelectual de quinta, qualquer um derruba seus "argumentos" "pro-direita cristã", se é que esse povo tem argumentos fora "a Bibra sagada".
Então sem essa de "esquerda é liberdade", olha a liberdade de expressão que a Iriny e outros petralhas estão tomando, olha a liberdade de fumar em lugar privado que a gloriosa esquerda está tomando, olha a liberdade que há em Cuba, olha a liberdade de escolher inibidores de apetite que a esquerda está tomando, olha a roubalheira generalizada que a esquerda está fazendo, olha as regulamentações, proibições e anti-privatizações que a esquerda está fazendo e ferrando com a população, mais atualmente na aviação e suas "concessões" draconianas que servem apenas para sustentar ladrões e aspones com lobby e corrupção.
Sem essa de esquerda é liberdade, esquerda é "1984", pior ainda, esquerda é "2081":
http://vimeo.com/29708523
você está confundindo "marxismo-leninismo", que é um subconjunto do "marxismo", que é um subconjunto do "socialismo" com "esquerda".
Só para lhe lembrar, se você tem pouca idade e não seguiu isso, foi unânime entre os analistas políticos dos anos 80 e 90 considerar como reacionária e de "direita" a atuação dos regimes comunistas da Europa Oriental e URSS. Isso porque os totalitarismos, mesmo quando originários de uma "ditadura do proletariado", migram para a direita ao criar classes de privilegiados, "nomenklaturas" que substituem as aristocracias anteriores.
De uma forma geral o pensamento que mais se aproxima da esquerda ainda é o socialismo (não necessariamente marxista, não necessariamente leninista e muito menos stalinista), mas o espectro político não tem um muro separando a extrema esquerda da extrema direita, ele é como um anel e você pode chegar a esta se andar demais na direção daquela.
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