Título original: Os infortúnios da melancolia
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Marquês de Sade (século 18) escreveu, entre outras obras, "Justine ou os Infortúnios da Virtude", sempre vista como uma obra erótica ou de crítica política. Mas ela é mais do que isso.
Se Sade fosse apenas um escritor "jacobino" (como fazem dele os maníacos por crítica política) ou um escritor que só fala de sexo (como fazem dele os risíveis defensores da redenção humana através de uma gozada na boca de uma assustada menina de 13 anos que engole o esperma em prantos), ele seria um escritor menor.
Não, Sade era um filósofo que achava que a natureza é má, incluindo a natureza humana e sua história. O "divino" marquês se inscreve numa tradição (dos trágicos, gnósticos, maniqueus, cátaros) que se pergunta se a natureza (ou Deus) não seria em si má, cruel e perversa. Não seria o cosmo uma câmara de torturas?
Eu, nos meus piores dias, me pergunto se essa tradição não teria razão. Guardo-a em minha alma como um veneno íntimo, uma irmã gêmea, sempre em vigília, pronto a me asfixiar de lucidez.
A marca mais "física" dessa dúvida (quanto à validade da vida e de seus infinitos rituais inúteis) é quando o corpo fica muito pesado e o próprio caminhar se torna uma tarefa impossível -como no caso da personagem melancólica Justine do novo filme de Lars von Trier, "Melancolia".
Muitos dos grandes filósofos, como Descartes, Pascal, Leibniz e Kant (entre outros) temiam que esses pessimistas tivessem razão e que o único afeto inteligente diante da vida fosse a tristeza, ou, melhor dizendo, num vocabulário filosófico elegante, a melancolia. Se os melancólicos tiverem razão, "não há esperanças para nós", como vaticina a profetisa melancólica Justine de Von Trier.
O cineasta dinamarquês vem dialogando com essa tradição há algum tempo. Sua briga não é com a sociedade apenas contemporânea (ou do "capital", como creem os ingênuos ou mal informados), sua discussão é bem mais profunda do que pensa nossa vã filosofia.
Em "Dogville", Grace (graça!), mulher linda, trabalhadora e generosa, ao final, se torna, com razão, vingativa e assassina porque os habitantes de Dogville eram como cães miseráveis. Em "Anticristo", a mãe prefere gozar a impedir que o filho pule pela janela (além de torturá-lo com pequenas coisas ao longo de sua curta vida). Ela é a testemunha encarnada de que "aqui reina o caos" e de que a "natureza é o templo de Satã".
A razão, em "Dogville", e a psicologia "científica", em "Anticristo", são objetos de ironia cruel. Em "Melancolia", o cunhado milionário da melancólica é o risível (e covarde) crente nos cálculos da ciência oficial que nega a rota de colisão entre a Terra e o gigantesco planeta chamado Melancolia.
Lars von Trier nos dá sua versão dos infortúnios de Justine. Se em Sade ela é a vítima indefesa da crueldade de uma natureza que ama torturar suas criaturas, revelando a inutilidade da virtude no mundo (lembremos que Sade usa o nome Justine como alternativa para "infortúnio"), em Von Trier ela é a vítima indefesa da melancolia porque (sempre) percebeu que "a vida na Terra é má" e condenada. Um acaso isolado e único no universo: "Estamos sós", diz a profetisa Justine.
Mesmo a comida mais gostosa revelará seu sabor verdadeiro: a substância última das coisas são as cinzas. Ao tocar o mundo com a boca, a profetisa Justine sente o "gosto" da verdade infeliz das coisas.
No filme, melancolia não é apenas o nome de uma doença, mas o nome do planeta que prova que os melancólicos são profetas.
Quando finalmente se comprova a inevitabilidade da "dança da morte" (nome dado no filme para a rota de colisão), Justine aparentemente sai da tristeza e se revela a mais corajosa das duas irmãs. Ela não se cura, o universo é que deixa de "mentir" sobre si mesmo.
Numa noite clara, ela oferece seu corpo nu ao planeta Melancolia, como uma mulher apaixonada faz para seu amante, buscando seu beijo. Uma declaração de amor à morte.
Imagine, nesta segunda-feira, por um instante, se Justine tiver razão e estivermos mesmo sós num universo feito de cinzas.
> 'Otimismo, principalmente hoje em dia, é um desvio de caráter'.
outubro de 2010
> Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Marquês de Sade (século 18) escreveu, entre outras obras, "Justine ou os Infortúnios da Virtude", sempre vista como uma obra erótica ou de crítica política. Mas ela é mais do que isso.
Se Sade fosse apenas um escritor "jacobino" (como fazem dele os maníacos por crítica política) ou um escritor que só fala de sexo (como fazem dele os risíveis defensores da redenção humana através de uma gozada na boca de uma assustada menina de 13 anos que engole o esperma em prantos), ele seria um escritor menor.
Não, Sade era um filósofo que achava que a natureza é má, incluindo a natureza humana e sua história. O "divino" marquês se inscreve numa tradição (dos trágicos, gnósticos, maniqueus, cátaros) que se pergunta se a natureza (ou Deus) não seria em si má, cruel e perversa. Não seria o cosmo uma câmara de torturas?
Eu, nos meus piores dias, me pergunto se essa tradição não teria razão. Guardo-a em minha alma como um veneno íntimo, uma irmã gêmea, sempre em vigília, pronto a me asfixiar de lucidez.
A marca mais "física" dessa dúvida (quanto à validade da vida e de seus infinitos rituais inúteis) é quando o corpo fica muito pesado e o próprio caminhar se torna uma tarefa impossível -como no caso da personagem melancólica Justine do novo filme de Lars von Trier, "Melancolia".
Muitos dos grandes filósofos, como Descartes, Pascal, Leibniz e Kant (entre outros) temiam que esses pessimistas tivessem razão e que o único afeto inteligente diante da vida fosse a tristeza, ou, melhor dizendo, num vocabulário filosófico elegante, a melancolia. Se os melancólicos tiverem razão, "não há esperanças para nós", como vaticina a profetisa melancólica Justine de Von Trier.
O cineasta dinamarquês vem dialogando com essa tradição há algum tempo. Sua briga não é com a sociedade apenas contemporânea (ou do "capital", como creem os ingênuos ou mal informados), sua discussão é bem mais profunda do que pensa nossa vã filosofia.
Em "Dogville", Grace (graça!), mulher linda, trabalhadora e generosa, ao final, se torna, com razão, vingativa e assassina porque os habitantes de Dogville eram como cães miseráveis. Em "Anticristo", a mãe prefere gozar a impedir que o filho pule pela janela (além de torturá-lo com pequenas coisas ao longo de sua curta vida). Ela é a testemunha encarnada de que "aqui reina o caos" e de que a "natureza é o templo de Satã".
A razão, em "Dogville", e a psicologia "científica", em "Anticristo", são objetos de ironia cruel. Em "Melancolia", o cunhado milionário da melancólica é o risível (e covarde) crente nos cálculos da ciência oficial que nega a rota de colisão entre a Terra e o gigantesco planeta chamado Melancolia.
Lars von Trier nos dá sua versão dos infortúnios de Justine. Se em Sade ela é a vítima indefesa da crueldade de uma natureza que ama torturar suas criaturas, revelando a inutilidade da virtude no mundo (lembremos que Sade usa o nome Justine como alternativa para "infortúnio"), em Von Trier ela é a vítima indefesa da melancolia porque (sempre) percebeu que "a vida na Terra é má" e condenada. Um acaso isolado e único no universo: "Estamos sós", diz a profetisa Justine.
Mesmo a comida mais gostosa revelará seu sabor verdadeiro: a substância última das coisas são as cinzas. Ao tocar o mundo com a boca, a profetisa Justine sente o "gosto" da verdade infeliz das coisas.
No filme, melancolia não é apenas o nome de uma doença, mas o nome do planeta que prova que os melancólicos são profetas.
Quando finalmente se comprova a inevitabilidade da "dança da morte" (nome dado no filme para a rota de colisão), Justine aparentemente sai da tristeza e se revela a mais corajosa das duas irmãs. Ela não se cura, o universo é que deixa de "mentir" sobre si mesmo.
Numa noite clara, ela oferece seu corpo nu ao planeta Melancolia, como uma mulher apaixonada faz para seu amante, buscando seu beijo. Uma declaração de amor à morte.
Imagine, nesta segunda-feira, por um instante, se Justine tiver razão e estivermos mesmo sós num universo feito de cinzas.
Trailer do Anticristo
> 'Otimismo, principalmente hoje em dia, é um desvio de caráter'.
outubro de 2010
> Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5250800-EI16410,00-O%20moderno%20reacionario%20e%20a%20porta%20de%20entrada%20do%20velho%20fascismo.html
Montpellier, Eveline Diniz
Por que que o Pondé está falando merda aí, então?
-- Apenas os fracos correm atrás de afetos.
"único afeto inteligente diante da vida fosse a tristeza"
-- Tá maluco? De que importa isso?
"percebeu que "a vida na Terra é má" e condenada."
-- De que este cara tá fanando?
"natureza é o templo de Satã".
-- Coisa de bichinha covarde...
"Guardo-a em minha alma como um veneno íntimo"
O cara tem que ser muito imbecil para ficar lendo estas asneiras..
Crítica de uma feminista: “As ideias propriamente ditas estão no lugar, mas algo nesse texto não dá para engolir...”
08/08/11 20:16 ""
cuspa.
2)Não entendo a necessidade do srRicardo chamá-lo de otário...ora,não gostou do texto,diga que não gostou,é apenas um texto falando de uma certa tradição niilista,não tem o teor polêmico de outros escritos.
3)Não entendo frases do tipo "eu que sou um acadêmico,o considero um babaca simplesmente"
Ora,precisa ser um acadêmico para considerá-lo um babaca??Ou se é um acadêmico,então está consumado,o cara é um babaca??A opinião de um acadêmico é mais importante??
É impressionante como há arrogância implícita em muitos textos.
3)As vezes,acho que um pessimista causa mais incômodo às pessoas do que um comunista ao um capitalista e vice-versa.
Bem é um ponto de vista,uma tradição,ninguém é obrigado a concordar.Ou será que algumas pessoas tem projetos de existência tão frágeis que qualquer coias os abala??
Já tentei me considerar um niilista,pessimista,mas acho que quem abraça essa corrente de maneira deve se matar,é o mais correto do ponto de vista lógico.Mas conclui que apesar das agruras,gosto de viver.E bastante.Portanto,não deixa de ser interessante ler o Pondé que traz esse ponto de vista
mais pessimista,pois ler marxistas,liberais,neoliberais,positivistas,otimistas e blablablá já me encheu o saco.
Só concordei no sentido de que não precisa rebater um cara que quer 'sair' da Academia para dizer frases chulas e clichezentas (ainda que o tempo todo reinvidique sua posição de intelectual para dar um certo 'tom' de verdade às suas asneiras) com bons argumentos, sejam de que linhas forem.
Aliás, como que um intelectual pode ser niilista? Intelectual não é uma categoria social própria da modernidade?
Como que um niilista pode publicar textos em jornais e mesmo dar entrevistas? A não ser que... ele não seja um niilista!
Não passa de um pseudo-punk revoltadinho.
E tem mais. Se você pensa que a Democracia te dá avanço em alguma coisa, acho melhor rever suas posições, meu caro. Só passam para universidades públicas 30 pessoas por ano. E dessas, só 1% se torna bolsista CNPq e conclui o curso.
Democracia é um engodo que põe na mesa a frase 'Quem tem boca, fala o que quer'. Logo, ser Acadêmico não é arrogância. Muito pelo contrário. É reconhecer que não sabe e não pode ficar falando asneiras por aí. Que você tem que ler com muita atenção mais de 40 livros por assunto e ainda ter acesso às fontes do autor, e ao seu conhecimento. É ter acesso ao panorama da cultura europeia, estudá-la e entendê-la. Se isso causa mal-estar, problema.
Mas o que que eu acho arrogante é justamente o qualquer um opinar, o zé-povinho, e querer se igualar a alguém que devota toda a sua vida (em tempo integral mesmo) ao conhecimento. Isso nadifica as coisas, meu chapa. Já reparou que praticamente não existem mais escritores no mundo?
Mas fiquemos por aqui. A rede não mudou nada, desde que a acessei, pela primeira vez, em 2007, e vi a porcaria que é o orkut.
Ou o ser humano mata o senso comum ou o senso comum mata o ser humano, algo muito mais danoso que capitalismos e seus derivados.
eles não sabem do que falam
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