Título original: Protocolos do afeto
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.
Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.
Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.
Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.
Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.
A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.
Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.
Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico.
É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.
É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.
Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?
Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.
Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença?
Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.
Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.
Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.
Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?
Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?
Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.
Só ingênuos e mentirosos podem confiar na bondade das crianças.
janeiro de 2011
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.
Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.
Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.
Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.
Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.
A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.
Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.
Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico.
Sim, o niilismo teria aí uma de suas últimas fronteiras?
É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.
É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.
Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?
Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.
Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença?
Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.
Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.
Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.
Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?
Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?
Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.
Só ingênuos e mentirosos podem confiar na bondade das crianças.
janeiro de 2011
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
Se você tira essas noções de que "família é sagrada" etc etc muita gente ficaria doida porque perderia o norte da bússula de suas vidas - pois em essência elas nada são além do reflexo dos seus protocolos- não que esse tipo de pessoa seja ruim, mas numa generalização crua elas são apenas um bom "gado", elas valem mais como grupo do que como individuos.
Outras no entanto seriam mais verdadeiras em seus atos e comportamentos e consequentemente mais crueis, mesquinhas e menos aceitáveis em sociedade do que seus pares; embora essas pessoas "más" ainda deixam transparecer vislumbres de suas verdadeiras "essências", sob o controle desses protocolos elas são muito mais passíveis de serem adestradas a viver em sociedade e aceitar que outras pessoas têm valor e que no mínimo merecem respeito sem escarniçar demais a vida do outro.
Quebrar com essas noções de "sagrado" que nós colocamos como uma redoma para proteger certos assuntos e relacionamentos que são mais etiquetas comportamentais do que sentimentos e conecções verdadeiras não é pra todo mundo....
Isaac
Por que amar?
Qual o motivo? Qual o ganho em amar?
Existe algum botão que liga o amor?
Amor é busca de segurança? Ou só uma preparação para o próximo gozo? Ou uma sensação inquietante de dívida moral?
O Amor parece se manifestar por um certo grau de empatia. Uma via inconsciente de altruísmo e interação interpessoal que faz com que o indivíduo se preocupe em criar um mundo melhor e mais seguro para o outro. Para que se sinta feliz; para que não se perca ou se machuque.
Laços de sangue são só vínculos naturais. Entre familiares, o Amor é testado quando alguém manifesta fragilidade: o pai ou a mãe que envelheceu e adoeceu, o irmão que se afundou nas drogas ou de alguma forma experimentou algum grau de loucura; a filha estuprada...
Pode-se dizer que, entre familiares existe uma amor latente, que tem de ser testado de tempos em tempos.
Os Crentes manifestam seu amor aos deuses pela gratidão de saberem que são amados. Ninguém ama um deus que não deixa, previamente, mensagens de amor.
Na maioria dos casos, o Amor começa como uma resposta à Graça; e uma vez tendo se manifestado em uma pessoa, contamina outras. Até que venha a rotina e o faça ficar latente; até que venha a decepção e o transforme em ódio e desconfiança.
Esse não,achei sincero,e verddeiramente pessimista.Estava me perguntando há tempos se sou realmente niilista,mas esse texto de maneira quase epifânica,me ajudou a responder:não,não sou.Sempre me restará a minha família,eu os amo sinceramente e eles sempre darão algum sentido à minha existência.E vendo alguns amigos e algumas pessoas das mais escrotas possíveis,percebo que pelo menos nisso tenho muita sorte.
creio que ele o tenha escrito em razão das discusões no último Café Filosófico em que ele participou... Não foi por questões pessoais, obviamente!
E diga-se de passagem o ultimo café filófico com ele foi muito interessante e teve um debate legal entre ele e a platéia.
@Luan
Ninguém aqui (muito menos o Pondé que nem deve saber da sua existência) acusou ou criticou a família de alguém, você ou sua família, não precisava de tanto drama.
E pra quem "acredita" em algumas coisas como respeito ao próximo, igualdade etc (que eu vejo em seus comentários em outros posts), que bela demonstração de intolerância com a diversidade de opinião não é mesmo? .... acho que você anda aprendendo algumas coisas com o "Cristão" e o "Izaque", ou esse é só o seu "eu verdadeiro", ou seja, acredita no respeito e igualdade naquilo que lhe interessa e no que você não concorda você solta o verbo e f***-se o respeito?
Eu tenho certeza que os textos do Pondé que o Paulo Lopes posta aqui não são para discutir a vida do Pondé e sim o que extá escrito ai.
Se não têm argumentos para discutir o TEXTO, não perca seu tempo atacando a pessoa, se você quer discutir sobre a pessoa tenha algum eembasamento nos seus comentários... de trolls xingando e atirando pra todos os lados esse blog já tem o suficiente.
Isaac
É a mesma comparação que se pode fazer com o mau, ele existe mas nem por isso as pessoas deixam de fazer o bem tampouco fazem só porque o mau existe.
ACORDA GENTE!!!
Globo? New York Times? Calma... ele chega lá.
Achei a abordagem do texto fantástica ao enfrentar um vespeiro para o qual a maioria sequer tem coragem de olhar (como talvez seja o caso dos q se ofenderam).
O sol é belo, mas tb queima se vc olhar diretamente para ele. De qualquer forma, para aproveitar ao máximo sua beleza, prefiro que não haja peneira entre ele e meus olhos!
Concordo com você em partes, por exemplo, "Assim como qualquer outra [família], a minha está longe da perfeição e da transparência absoluta e não tenho qualquer dificuldade em assumir isso pois acredito que é justamente uma análise imparcial que possibilita a construção de nossos valores, perpetuando as boas lições transmitidas por nossa família e superando as ruins."
Gostei do tema do texto, e que isso seja dito para reflexão, mas certos comentários viciosos, e ataques gratuitos não me caem bem.
Oxímoros insolúveis e milhares de idéias e significados...
Hehe, esse Pondé é mesmo um fracasso como filósofo. E à brasileira! Ao menos Schopenhauer conseguia filosofar a respeito do que é amor. Tanto é que esta célebre frase é dele:
"Casar-se significa dobrar suas obrigações e reduzir metade de seus direitos."
Pondé nada mais faz do que se aventurar em um campo de assuntos irreais e arbitrários onde uma pessoa terá opinião x, opinião y e nada de conclusões. Não há nada que não beire o abismo da realidade subjetiva, ou mesmo, da irrealidade. É aquela coisa de "moral", "amor", "bons costumes", "estado de espírito"... E claro, com seus ataques pessoais sem qualquer embasamento lógico a ateus. Que chegam a ser cômicos.
O mais engraçado é que o tipo de público que o lê parece ser o mesmo: endinheirados low IQ.
Se Pondé fosse papel, seria bom enviar à reciclagem.
Headbanger Ateu, posso estar enganado, mas creio que para comentar vc leu o texto, não?
1 - "Amo minha família e, sem dúvida, ela é meu refúgio e minha fortaleza! Mas em nenhum momento senti-me agredida pelo autor, muito pelo contrário. Assim como qualquer outra, a minha está longe da perfeição e da transparência absoluta e não tenho qualquer dificuldade em assumir isso pois acredito que é justamente uma análise imparcial que possibilita a construção de nossos valores, perpetuando as boas lições transmitidas por nossa família e superando as ruins.
Achei a abordagem do texto fantástica ao enfrentar um vespeiro para o qual a maioria sequer tem coragem de olhar (como talvez seja o caso dos q se ofenderam)."
e
2- "Gente porque o espanto? O sentimento familiar é ambivalente mesmo. Amor e ódio é a mesma coisa. São forças iguais. Odeio minha mulher traidora, porque a amava. Odeio meu filho que não gosta nem de ler nem de matemática, porque quero o melhor para ele. Odeio minha mãe, porque ela me sufoca. Odeio meu pai, porque ele comeu minha mãe, me fez filha da puta e ainda acha no direito de mandar em mim. Odeio meu irmão, porque o invejo. As relações familiaraes são naturalmente ambivalentes. Isso chama-se ora amor, ora ódio, mas é tudo a mesma coisa sempre."
Gostaria de me solidarizar com os autores desses dois comentários. Simplesmente perfeitos!!!
Aliás, concordo com Schopenhauer: casar é dobrar suas obrigações e reduzir a metade de seus direitos. No assunto amor, Schopenhauer realmente manda muito bem.
E o Pondé, mesmo sendo filósofo, escreve crônicas na Folha. O que parece que muitos ainda não entenderam e exigem um texto acadêmico cabeçudo, num espaço reduzidíssimo de jornal. Ora, por favor. Menos né?
Como mãe de quatro filhos adultos concordo que é uma empreitada colocar estes seres que o acaso colocou nas nossas vidas em cima das próprias pernas e ainda por cima sem esperar retorno. Entretanto, acredito que esta é uma maneira fisiológica para que tenhamos possibilidade de experimentar a possibilidade transformadora que nos amplia enquanto seres humanos, no exercício de agir e pensar em outro ser que não seja nós mesmos.
Parabéns Pondé
Maria Beatriz
Continua prolixo e desconexo, e sempre com um objetivo "direitista skinhead cristão" obscuro dentro do texto(nesse caso, apologia a proibição de lésbicas de terem filhos; ou de terem filhos de duas mães e o avanço genético necessário para tal proeza), mas se não fosse por essas gotinhas de direitismo de milico, seria apenas mais um "intelequitual" esquecido.
Mas pelo menos o texto tocou na ferida de "Família é tudo", qualquer texto que ataca os "dogmas" da sociedade atual merece aplausos(e os comentários são prova da fragilidade e da "indiscutibilidade" do dogma), ainda que tenha um objetivo oculto, o texto valeu a pena.
Parabenssss!!!!!! Vc já mostrou que leu o mundo como vontade e representaçao, seus tediosos 4 tomos.... agora já pode parar de repetir essa frase imbecil ;)
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