por Edward de A. Campanário Neto
Como que despertando de um longo sono com sonhos estranhos e vazios, a mente do religioso amedrontado pelo pecado, pelas punições e pressões perpetradas por sua própria fé, vislumbra um sentimento de perene liberdade. Tal momento é sempre marcado por um renovar de atitudes e reflexões únicas, capazes de apontarem caminhos promissores em busca da satisfação plena e realização pessoal.
De fato isto ocorre. Por experiência própria, tenho a dizer que somente ao dar às costas à fé da qual era cativo e oprimido fui capaz de situar minha condição existencial em um contexto real. Tão somente por não ser baseado em crenças inúteis, certezas que causavam isolamento e promessas inverossímeis, tal contexto vestiu-se de um tom de completude e auto-sustentação mediante à existência.
Após uma profunda vivência religiosa, marcada por uma infância com o juízo de valores baseado no terror dos conceitos de pecado e punições divinas, na vida adulta consegui romper com o encanto e ilusão da fé. Como católico e, posteriormente, como protestante, provei de todos os venenos, mentiras, falsas explicações, consolo contraditório, paz enganosa e, mais que tudo, com o sofrimento de uma submissão aos desígnios apontados como vontade de Deus.
Sinto-me aliviado sem o peso de Deus sobre minha consciência. Trazendo da memória as lembranças olho tudo e me pergunto como me permiti a tamanha castração pessoal, obediência e auto-punição em nome da fé que, na busca de uma purificação de máculas que me foram inculcadas, era a representação da inocência e culpa, além de um desejo sincero de reparação. É exatamente isto que explora a fé. A falsa necessidade de redenção é um precipício onde vidas se esvaem por nada... onde minha própria vida por anos afinco escorreu ao ralo de sandices e inutilidades que só trouxeram prejuízos.
Se a razão me dá asas que me permitem voar sem medo da vida, medo de Deus ou do inferno, lamento dizer que ainda há muita dor a ser vivenciada, de modo que, não querendo ser pessimista, mas racional, ao cético está reservada uma parcela significativa de augúrios que carece de extrema e profunda reflexão.
Num mundo onde a crença irracional ainda impera, restam aos que escaparam da religião um cenário de perseguição constante criado por pessoas ainda cegas à fé. Não evidencio aqui as perseguições extremas, agressões físicas ou morais – ainda que elas existam, claro - , mas as sutis marcas do preconceito que pouco a pouco podem corroer pessoas brilhantes, destruindo-as ou castrando sua felicidade.
Costumam dizer que sou alguém pessimista quando traço reflexões sobre a vida, e isto parece ser a lógica de minha retórica, mas, insisto, trata-se de uma perspectiva realista e, considero eu, necessária aos que decidem seguir seu caminho em direção oposta à fé.
Existe dor na descrença. Não a dor de um suposto vazio que cristãos insinuam haver nos ateus ou agnósticos, mas os espaços cada vez mais distantes e cinzentos em relação às pessoas amadas que, imbuídas de suas máximas religiosas, causam isolamento e ferem os seres humanos.
Grandes amigos partiram e me viraram as costas quando deixei de ser católico e abracei o protestantismo. Familiares me ignoraram, me olharam com desprezo e me ofenderam com silêncio ou palavras, que nem sempre agressivas, carregavam em si uma nódoa amarga e viscosa. Era o prelúdio do que voltaria a ocorrer.
Hoje, abandonando definitivamente o cristianismo, vejo olhares atravessados de medo, angústia, repulsa e distância. Quando não visto como alguém diabólico, sou tido como um pobre coitado que se deixou perder de Deus nas filosofias humanas; perco o respeito de pessoas amadas e queridas não por ter feito algo que ferisse a ética e honestidade, mas por simplesmente ter deixado de crer nos mitos e mentiras cristãs que feriam minha inteligência e tolhiam minha liberdade de pensamento. Resta-me lamentar por tais pessoas e prosseguir, construir minha felicidade, ainda que eu gostasse elas estivessem ao meu lado para compartilhar as alegrias e mazelas da vida.
Há casamentos destruídos, amizades estremecidas, desespero, depressão |
Há dor na descrença. Não como a dor autoinfligida da religião, que urge de dentro para fora, mas algo construído externamente em nome daquela mesma fé que o descrente acabara de deixar por saber que ela não lhe fazia bem à razão, aos sentimentos ou a ambos.
Que estas palavras possam servir como alento e caminho de reflexão para os que decidiram abandonar sua fé ou religião e veem-se sob as torturas e apelos de pessoas ainda presas a tais absurdos. Por mais difícil que seja conviver com este dilema, a vida ainda pode ser bela, pode ser intensa, compondo uma melodia que une este misto de liberdade aos lamentos do percurso. Mas isto é algo que dependerá de nós mesmos nesta sina existencial, onde a reflexão será o caminho para compreensão dos que nos odeiam porque não conseguem a plenitude pessoal sem um controlador nos céus, sem um espaço ilusório para preencher a fissura da ignorância há em seus corações.
Torna-se ateu exige reflexão, afirma jornalista ex-evangélico
Comentários
Como é possível pensar ao final de "Contato":
"Num universo vazio, frio e sem sentido, termos uns aos outros é o único sentido que vale a pena acreditar"
Abraço!
Cresci em família de ateus e agnósticos de longa data, livres pensadores, então não passei pelas dificuldades que relata, mas tenho convivido por bastante tempo com pessoas que tiveram de lutar pela liberdade intelectual.
Um abraço e toda minha simpatia.
Cognite Tute
Você está pronto para explorar outros caminhos, outros mundos!
Há todo um Universo de Ciências, Tecnologias e Filosofias esperando por sua compreensão e seu talento.
Com o tempo, buscando a compreensão em vez da pura e simples crença, você vai poder ouvir, ver e sentir a sinfonia da Natureza! Tudo vibra, tudo tem seu ciclo e a harmonia de todas as coisas vivas e não vivas não carece de um maestro.
Vi a mim mesmo agora. Simplesmente este texto é perfeito!!!
Aí vem a pergunta: quantos céticos não devem existir e não se expressam por medo de opressão?
Tive o meu drama quando virei ateia, perdi alguns amigos e ganhei novos, posso dizer que hoje estou melhor sem religião, sem Deus^^
Sei o que me aguarda; ainda não senti na pele, pois meus amigos, parentes e "irmãos" não sabem da minha descrença.
Seu desabafo me consola e me dá forças.
Obrigado.
Creio que se faz necessária uma perspectiva filosófica sobre as escolhas, principalmente àquelas que dizem respeito ao ceticismo e descrença, de forma que transitemos de um pensamento arcaico para uma construção intelectual que de fato traga uma transformação na sociedade, construída sob o escopo de séculos de fé.
Chegou a hora de um protagonismo humanista, onde a humanidade assuma seu papel de construção excluindo os absurdos da "providência divina", pensamento que criou e evidenciou as grandes distorções na sociedade.
Um dos primeiros passos desta longa mudança está ligado ao "despertar" dos céticos, ao fato de se assumirem como tais e se unirem na luta contra a discriminação e absurdos religiosas. Não é uma cruzada (isto é coisa de religiosos), mas um processo de transformação através da razão.
"- Você deve acreditar na mitologia cristão. Acabou e pronto!"
http://www.midiasemmascara.org/mediawatch/noticiasfaltantes/perseguicao-anticrista/12474-censuras-virtuais.html
http://gloria.tv/?media=177578
http://www.midiasemmascara.org/mediawatch/noticiasfaltantes/perseguicao-anticrista/12474-censuras-virtuais.html
Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2011/10/confissao-de-um-cetico-livrei-me-da.html#ixzz1aIYZAuPO
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já lí essa loucura dos seguidores do Aiatolavo de Carvalho: delenda os ateus.
Tais escusas são o principal motivo pelo qual não se deve respeitar, e sim, questionar, refutar e renegar a religião. Os religiosos já possuem muito respeito e continuarão sempre a exigir respeito para que seus opressores, arcaicos e obsoletos atos sejam perpetrados durante eras como sempre foi. Toda a mentira é sempre em torno de um personagem metafísico, de um "valor moral" voltado a um sistema de crenças, de interesses de pessoas que usam-se da covardia, dos dogmas, da ignorância, do medo e das falhas humanas para justificar seus atos.
O "direito" de ter uma crença é mais cruel e vil das opressões que se pode imaginar. O maior dos lapsos, impertinente ao homem. Torna-o escravo da dicotomia. Os axiomas religiosos já não enganam a tantas pessoas e a opressão dogmática do passado já fora descoberta desde que o homem passou a refletir suas próprias crenças. A exercer sua própria natureza racional.
Quanto mais raciocina-se a respeito da realidade - e não do mítico - mais descobrimos que a real e superior necessidade humana, é a sobrevivência. A coragem para viver a vida como animais racionais dignos de suas necessidades. E não de imaginárias vidas posteriores, imortalidades, reencarnações, morais dogmáticas, educações que deseducam, valores metafísicos e falsas significações que norteiam o inferno da ignorância humana.
É sendo animal racional, natural e não-dogmático (Homo Sapiens Sapiens) a melhor maneira de observar a opressão das religiões e de seus dogmas que nada têm de real. De natural. É tão impertinente que não se aplica tão-somente ao homem, mas como a toda forma de vida imperante neste planeta.
Diria eu que a realidade que norteia o homem é a da alienação da ignorância. Que gera e sempre gerou toda a sua própria opressão, desconhecimento, distinção e assassínio. E é fomentando e respeitando a maior das ignorâncias - a religião e seus universos de crenças axiomáticas - é que essa realidade tende a ser muito mais evidente.
Ninguém precisa de religiões ou crenças para viver. Essas fazem parte de irracionais e antinaturais escolhas, arbitrariedades que apenas amedrontam o homem quanto à crua realidade que existe a seu redor. Que norteiam o círculo vicioso que sempre remonta a sua estaca zero: a deveras justificada opressão da irracional ignorância humana.
deixe a religiao de lado e siga a Cristo.
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