Título original: O ateísmo pastoral de Alain de Botton
por Patrick McCabe
para o site Eureka Street, de jesuítas australianos
Se o provocativo título do livro de Alain de Botton -- 'Religião para ateus' (Ed. Intrínseca) -- não incomoda crentes e não crentes, então a sua primeira frase, provavelmente, incomoda: "A pergunta mais enfadonha e inútil que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira".
E se qualquer leitor otimista por aí permanecer impassível, a tese central do livro deveria irritar até mesmo ele. Botton diz que as religiões não são verdadeiras, e que Deus não existe. No entanto, os ateus não se deveriam descartar as religiões com base nisso. Os rituais, os modos de pensar, as metodologias e as abordagens à vida promovidas pelas religiões ainda pode ser de grande ajuda para os ateus.
Por exemplo, Botton defende que os ateus poderiam aprender como promover um senso de comunidade a partir da missa católica. O "Dia da Expiação" judaico poderia ajudar os ateus a construir melhores relações interpessoais. Os retiros zen-budistas poderiam ajudar os ateus a refletir sobre a direção das suas vidas.
(Como essa amostra representativa sugere, o livro provavelmente poderia ter sido mais precisamente intitulado como Catolicismo, Judaísmo e Zen Budismo para ateus.)
Um capítulo elogia os lugares de culto religioso e os sentimentos que eles podem induzir em nós. Botton sugere que se construa um "Templo da Perspectiva" secular – um lugar onde os seres humanos podem colocar seus problemas em perspectiva, refletindo sobre os 460 milhões de anos em que a Terra já existe.
Com zelo típico, Botton já colocou essa sugestão em ação, arrecadando quase metade do 1 milhão de libras esterlinas [cerca de R$ 2,7 milhões] necessárias para realmente construir este templo em Londres.
A proposta irritou seus colegas ateus. Richard Dawkins condenou o plano, declarando que "ateus não precisam de templos" e que esse dinheiro seria mais bem gasto na promoção do "pensamento racional e crítico". Steve Rose, do jornal The Guardian, protesta que o Templo da Perspectiva é insuficientemente ateu, e assim "um cristão ou muçulmano" também podem ser capazes de usufruí-lo.
Essas críticas demonstram a brecha entre Botton e os outros ateus. O ponto de vista de Dawkins e de Rose é missionário, enquanto o de Botton é pastoral. Dawkins e sua turma querem salvar as almas da religião e promover a boa nova do ateísmo. Botton está mais preocupado com as necessidades espirituais do rebanho existente.
Muitos ateus argumentam que as pessoas religiosas são infantis, irracionais, carentes e vulneráveis, e que o ateísmo trata de afastar de todas essas coisas, abraçando uma existência racional e madura. Esse argumento está implícito no desdém de Dawkins de que "ateus não precisam de templos".
Enquanto Botton concorda que o ateísmo é uma escolha racional, ele argumenta que aqueles que fazem essa escolha não deixam de repente de ser irracionais e infantis. Não são as pessoas religiosas que são infantis e vulneráveis, mas sim os seres humanos. A sabedoria da religião está em reconhecer a nossa vulnerabilidade inerente e suprir esse aspecto do nosso ser.
É evidente por que os ateus podem estar irritados com as ideias de Botton. Mas o que os teístas deveriam fazer com esse livro?
Ele ofenderá os teístas que acreditam que a única razão para a prática de rituais religiosos é simplesmente aderir aos editos de Deus. Para tais teístas, as razões de Deus para prescrever determinados rituais são irrelevantes e inescrutáveis. De forma mais direta, Deus também podia muito bem ter nos mandado fazer uma dança de roda, e esses teístas a dançariam com tanto zelo quanto ao assistir a uma missa católica
Esses fiéis consideram absurdo e blasfemo o uso por parte de Botton de elementos de rituais religiosos fora de um contexto teísta.
Outros teístas, como eu mesmo, ao invés, veem os rituais e práticas religiosos como uma forma de orientar e possibilitar uma vida vivida de acordo com as crenças e os valores de uma determinada fé. Religião para ateus pode ajudar esse tipo de fiel a ganhar uma nova apreciação para a utilidade dos rituais religiosos.
Botton demonstra eloquentemente como as práticas religiosas são úteis, mesmo quando o conteúdo teísta é substituído por lições sobre a "perspectiva" ou a "comunidade". Os fiéis podem ver que, quando os ensinamentos mais profundos das religiões são reinseridos nos rituais, esses rituais são, de fato, poderosas ferramentas para nos ajudar a viver nossas vidas de uma forma que esteja em sintonia com os valores e as crenças teístas.
Embora as ideias e os argumentos individuais de Botton estejam às vezes abertos a críticas fundamentais, a sua perspectiva geral é valiosa. Seu livro pode ajudar os teístas a articular a importância das práticas religiosas em um mundo que é, mesmo entre fiéis, cada vez mais cético em relação à religião organizada.
Mas, ao mesmo tempo, ele também pode ajudar os fiéis a adaptar e a melhorar destemidamente os aspectos da religião tradicional onde isso seja necessário. Em uma nova época que exige que as religiões sejam introspectivas se quiserem se manter fortes, isso só pode ser algo bom.
Com tradução de Moisés Sbardelotto para IHU Online.
Trecho do livro 'Religião para Ateus', de Alain de Botton.
Dawkins critica projeto de Botton: ‘Ateus não precisam de templos’.
janeiro de 2012
Ateísmo. Alain de Botton.
por Patrick McCabe
para o site Eureka Street, de jesuítas australianos
Se o provocativo título do livro de Alain de Botton -- 'Religião para ateus' (Ed. Intrínseca) -- não incomoda crentes e não crentes, então a sua primeira frase, provavelmente, incomoda: "A pergunta mais enfadonha e inútil que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira".
E se qualquer leitor otimista por aí permanecer impassível, a tese central do livro deveria irritar até mesmo ele. Botton diz que as religiões não são verdadeiras, e que Deus não existe. No entanto, os ateus não se deveriam descartar as religiões com base nisso. Os rituais, os modos de pensar, as metodologias e as abordagens à vida promovidas pelas religiões ainda pode ser de grande ajuda para os ateus.
Por exemplo, Botton defende que os ateus poderiam aprender como promover um senso de comunidade a partir da missa católica. O "Dia da Expiação" judaico poderia ajudar os ateus a construir melhores relações interpessoais. Os retiros zen-budistas poderiam ajudar os ateus a refletir sobre a direção das suas vidas.
(Como essa amostra representativa sugere, o livro provavelmente poderia ter sido mais precisamente intitulado como Catolicismo, Judaísmo e Zen Budismo para ateus.)
Um capítulo elogia os lugares de culto religioso e os sentimentos que eles podem induzir em nós. Botton sugere que se construa um "Templo da Perspectiva" secular – um lugar onde os seres humanos podem colocar seus problemas em perspectiva, refletindo sobre os 460 milhões de anos em que a Terra já existe.
Com zelo típico, Botton já colocou essa sugestão em ação, arrecadando quase metade do 1 milhão de libras esterlinas [cerca de R$ 2,7 milhões] necessárias para realmente construir este templo em Londres.
A proposta irritou seus colegas ateus. Richard Dawkins condenou o plano, declarando que "ateus não precisam de templos" e que esse dinheiro seria mais bem gasto na promoção do "pensamento racional e crítico". Steve Rose, do jornal The Guardian, protesta que o Templo da Perspectiva é insuficientemente ateu, e assim "um cristão ou muçulmano" também podem ser capazes de usufruí-lo.
Essas críticas demonstram a brecha entre Botton e os outros ateus. O ponto de vista de Dawkins e de Rose é missionário, enquanto o de Botton é pastoral. Dawkins e sua turma querem salvar as almas da religião e promover a boa nova do ateísmo. Botton está mais preocupado com as necessidades espirituais do rebanho existente.
Muitos ateus argumentam que as pessoas religiosas são infantis, irracionais, carentes e vulneráveis, e que o ateísmo trata de afastar de todas essas coisas, abraçando uma existência racional e madura. Esse argumento está implícito no desdém de Dawkins de que "ateus não precisam de templos".
Enquanto Botton concorda que o ateísmo é uma escolha racional, ele argumenta que aqueles que fazem essa escolha não deixam de repente de ser irracionais e infantis. Não são as pessoas religiosas que são infantis e vulneráveis, mas sim os seres humanos. A sabedoria da religião está em reconhecer a nossa vulnerabilidade inerente e suprir esse aspecto do nosso ser.
É evidente por que os ateus podem estar irritados com as ideias de Botton. Mas o que os teístas deveriam fazer com esse livro?
Ele ofenderá os teístas que acreditam que a única razão para a prática de rituais religiosos é simplesmente aderir aos editos de Deus. Para tais teístas, as razões de Deus para prescrever determinados rituais são irrelevantes e inescrutáveis. De forma mais direta, Deus também podia muito bem ter nos mandado fazer uma dança de roda, e esses teístas a dançariam com tanto zelo quanto ao assistir a uma missa católica
Esses fiéis consideram absurdo e blasfemo o uso por parte de Botton de elementos de rituais religiosos fora de um contexto teísta.
Outros teístas, como eu mesmo, ao invés, veem os rituais e práticas religiosos como uma forma de orientar e possibilitar uma vida vivida de acordo com as crenças e os valores de uma determinada fé. Religião para ateus pode ajudar esse tipo de fiel a ganhar uma nova apreciação para a utilidade dos rituais religiosos.
Botton demonstra eloquentemente como as práticas religiosas são úteis, mesmo quando o conteúdo teísta é substituído por lições sobre a "perspectiva" ou a "comunidade". Os fiéis podem ver que, quando os ensinamentos mais profundos das religiões são reinseridos nos rituais, esses rituais são, de fato, poderosas ferramentas para nos ajudar a viver nossas vidas de uma forma que esteja em sintonia com os valores e as crenças teístas.
Embora as ideias e os argumentos individuais de Botton estejam às vezes abertos a críticas fundamentais, a sua perspectiva geral é valiosa. Seu livro pode ajudar os teístas a articular a importância das práticas religiosas em um mundo que é, mesmo entre fiéis, cada vez mais cético em relação à religião organizada.
Mas, ao mesmo tempo, ele também pode ajudar os fiéis a adaptar e a melhorar destemidamente os aspectos da religião tradicional onde isso seja necessário. Em uma nova época que exige que as religiões sejam introspectivas se quiserem se manter fortes, isso só pode ser algo bom.
O Templo da Perspectiva idealizado por Botton |
Com tradução de Moisés Sbardelotto para IHU Online.
Trecho do livro 'Religião para Ateus', de Alain de Botton.
Dawkins critica projeto de Botton: ‘Ateus não precisam de templos’.
janeiro de 2012
Ateísmo. Alain de Botton.
Comentários
Se vcs sempre dizem q devemos nos importar com o espiritual, pq precisam de "locais p/ cultos", símbolos sagrados (seja em madeira, ouro e etc) e livros "sagrados"? Tudo isso ñ são materiais? Então pelo visto, ñ são só os ateus q são materialistas. ¬¬
Fazendo uma potencial correção ao Wickedman: Holanda? Acho q foi na Inglaterra. Ou será q foram em vários outros países tbm?
Não seriam 4,6 bilhões ou ate mesmo 4600 milhões?
A religião, pura e simplesmente, pode parecer irracional e inútil para alguns pontos de vista, como, por exemplo, o nosso ponto de vista ateu. Mas, isso é apenas a nossa opinião, pelo menos, a respeito da utilidade. O conceito de utilidade é subjetivo. O que é útil para mim pode ser inútil para você. Sou ateu e nem por isso concordo com todos os pontos de vistas ateus. Em minha opinião, os sistemas religiosos foram e são muito úteis. Os trabalhos desenvolvidos por grupos religiosos ao redor do mundo, quando postos numa balança, se mostram mais benéficos e úteis do que os ateus extremistas propagam.
Queimar bíblias (ou outros livros sagrados), destruir igrejas, expurgar a religião da vida humana são atitudes infantis de pessoas que não conseguem ver a paisagem completa. A prática da caridade, da solidariedade, o “fazer o bem não importa a quem” são importantes para a diminuição do sofrimento humano. Para mim, a religião funciona no “psicológico”. Acalmar, confortar, apaziguar pessoas, inclusive, com religião é algo bom e de valor e não deve ser descartado. Atitudes criminosas praticadas por religiosos não são, em última instância, a religião em si mesma. A religião é mais do isso.
Por razões óbvias, o ateu não precisa de igrejas. O ateísmo não é uma prática, não é um sistema filosófico, não é um modo de vida. O ateísmo é o não acreditar em deuses. Ser cético, ser racional, ser interessado em Ciência, ser preocupado com os rumos do fanatismo religioso, de maneira alguma, são atributos exclusivos dos ateus. Nós podemos nos reunir em qualquer lugar para discutirmos sobre tudo isso, podemos nos organizar em marchas a favor ou contra questões nacionais. Mas, não podemos nos organizar e nos reunir para a prática do ateísmo.
Templo ateu: isso não existe.
R: um MITO práticado
Sobre os sistemas religiosos serem e até hoje são muito úteis, concordo em parte, deve-se considerar os pontos ruins como a intolerância gerada por elas que segregou e segrega as pessoas, ou você está conosco ou está contra nós, esses sistemas, ao meu ver, são úteis para ajudar pessoas que necessitam de muleta emocional ou as vezes segurar impulsos que são considerados crimes. Tais instituições são altamente corruptas e gananciosas, basta apenas ver o quão rico é o vaticano ou os pastores-show são, arrancam dinheiro dos seus féis em benefício próprio.
Ao meu ver, as religiões foram e são mais maléficas do que benéficas.
Sobre o ateísmo concordo plenamente com você, mas parece haver um dicotomia entre os ateus, os que consideram o ateísmo como filosofia e os que não (nós), sendo que os ateus filosóficos se consideram superiores aos demais, onde são criada castas entre os ateus, não sei se estou equivocado, é uma opinião minha, mas é o que estou vendo em certos sites. Fico chateado com isso.
Abraços.
Para que as pessoas tornem-se racionais e abandonem as crenças vãs é necessário educação. É necessário educar essas pessoas. É necessário ensinar-lhas a pensar. Não vejo iniciativas que vão ao encontro disso, pelo contrário. Eu sou bastante pragmático e fatalista.
A maioria da população é religiosa. A maioria da população é que escolhe os governantes. Esses governantes são representantes fiéis do povo, ou seja, também, são religiosos, também, acreditam em coisas tolas. São esses governantes que irão definir as políticas de educação. E adivinhem. Eles não irão modificá-las.
A maioria, a meu ver, sempre será tola. E sempre existirão as minorias com uma visão de mundo superior à visão da maioria. Mas é a maioria que tem o poder de mudar as coisas em uma democracia, não a minoria.
Você poderá dizer que, na verdade, são as minorias que dominam as maiorias e as influenciam a fazerem coisas. Mas são, justamente, para a maioria dessa minoria que os sistemas religiosos são importantes.
Mais uma vez, é a maioria que manda.
Abraços.
Quando encontrei seu blog, Paulo Lopes, pensei: "é isso!" "Esse cara fez aquilo que eu pensava há anos!" "O Mundo vai mudar a partir daqui!"
Criei a personagem "Senhora Crente" como uma forma de verificar se há, hoje, um grupo de ateus e agnósticos capazes de fazer frente à onda igrejista que enfrentamos. Também, era meu interesse saber se poderíamos virar o jogo, deixarmos de ser menoria!
Infelizmente, o que vi no seu blog, Paulo Lopes, foram pessoas com pouca habilidade para lidar com os instrumentos que poderiam servir como motores para um mundo verdadeiramente laico, secular: Lógica, Ciência, Ética, Direito... Alguns até se valem do banditismo, elaborando comentários agressivos e criminosos, atribuindo-os a outras personagens.
Os auto proclamados ateus desse blog parecem ser, na sua maioria, adolescentes com instrução incompleta. O restante talvez seja composto por adultos aferrados a uma rebeldia improdutiva. Isso me causa grande preocupação!
A contar pelas habilidades não demonstradas pela atual geração de ateus e agnósticos, e seu site tem uma boa amostra, neste Século ainda não veremos um Brasil com menos influência da Religião. Continuaremos a consumir livros e idéias estrangeiras.
Em parte eu concordo com Botton! Deveríamos estabelecer um corpo doutrinário que permitisse ao maior número possível de pessoas ver a beleza e a coerência de um mundo secular! E blogs como o seu, Paulo Lopes, são a escola que podem nos levar a isso, mesmo que leve dois mil anos.
Senhora Crente se despede e volto a "postar" como Anônima.
Agora você, de repente, vem nos julgar dizendo que não somos bons ateus/agnósticos, simplesmente, por você dizer que não somos? Pois, se depender de seus comentários, para que você nos julgue, somos mais do que bons agnósticos/ateus.
Mas mesmo assim, creio que você tenha algum tipo de desequilíbrio mental, sugiro trata-se com algum psicólogo urgente.
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