Título original: A síndrome de Schmidt
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Não, não se trata de uma doença nova, caro leitor. Apenas de um filme cujo título é "As Confissões de Schmidt", do diretor Alexander Payne, o mesmo de "Os Descendentes", que concorreu ao Oscar neste ano, mas muito melhor do que esse.
Para começar, Schmidt é Jack Nicholson, o que já garante metade do filme. Mas o filme vai muito
além desse grande ator.
Síndrome de Schmidt, nome que eu inventei, descreve o quadro de total melancolia em que se encontra o personagem central, um homem de 60 anos, após a aposentadoria e morte repentina da sua mulher. Mas qual é o diagnóstico diferencial com relação a outras formas de melancolia? Vejamos.
O filme abre com um discurso de um colega em sua homenagem, quando Schmidt se aposenta da companhia de seguros em que trabalhou a vida inteira (no caso, companhia de seguros carrega todo o peso de viver para ter uma vida segura).
Logo após a morte da sua mulher, ele descobrirá que ela fora amante do colega que discursou em sua homenagem em sua cerimônia de despedida da "firma". A cena da descoberta é feita com requintes de crueldade, porque Schmidt está imerso nas roupas da mulher morta, buscando sentir seu "doce aroma" e assim matar a saudade que sente dela.
Schmidt tem uma filha que casará com um sujeito horroroso, de uma família brega que se julga especial: você conhece coisa pior do que festa de Natal em família? Sim: uma festa de Natal em família em que os presentes são frutos da criatividade ridícula dessa família, como no caso da família do genro de Schmidt.
Schmidt fazia xixi sentado como menina porque sua mulher o proibia de fazer xixi como menino, a fim de não sujar o banheiro.
Esse é sintoma diferencial da síndrome de Schmidt: esmagar-se (mesmo sua fisiologia) para deixar tudo em seu lugar, sem conflitos, amar a paz e o bom convívio em detrimento de si mesmo. No caso específico, não há "questão de gênero" (já que banheiros estão na moda nesse assunto, vale salientar que aqui não é o caso).
Primeiro porque eu não acredito em questões de gênero, só em questões de sexo. Depois, porque não se trata de falarmos em homens vítimas da opressão feminina (ainda que se trate de alguma "opressão" nesse caso, já que, afinal, sua mulher o obrigava a fazer xixi como menina e o traiu), mas sim de falarmos de alguém que descobre que sua vida foi e é vazia, apesar de ter sido um pai e esposo dedicado, e não um desses canalhas que saem com mulheres fáceis por aí.
A síndrome de Schmidt pode e afeta também mulheres, portanto não é uma questão do sexo masculino. Mas no filme é uma questão masculina (o sexo masculino "suja banheiros") e o é antes de tudo porque, como se sabe, homens trabalham, às vezes até brincam com os filhos, mas são as mulheres que detêm o monopólio da subjetividade e da sensibilidade.
Mulheres "conhecem a si mesmas", homens não. Schmidt é uma caricatura do homem que acreditou que, cumprindo seu papel, estaria a salvo da devastação da falta de sentido da vida e do amor. Apesar das modinhas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz.
Homens não sabem falar de si mesmos. E, no fundo, é melhor que continuem assim (pensam as mulheres e os filhos): vivendo como Schmidt, no silêncio da função paterna e marital. Isso muitas vezes é objeto de piadas nas quais homens são comparados a carroças, enquanto mulheres são comparadas a grandes jatos.
Na realidade, a vida comum das famílias supõe que os homens continuem a trabalhar sem crises existenciais; qualquer coisa que se diga ao contrário disso é mais uma mentira da moda.
Isso não significa que não existam exceções, mas essas são apenas exceções. Homens com crises existenciais ficam sozinhos.
No caso de Schmidt, tudo que sua filha quer é seu cheque, e não sua presença. O filme é bom o bastante para mostrar que talvez nessas famílias "normais" não haja mesmo possibilidade de grandes relações entre pais e filhos, muito menos entre pai e filhos.
Talvez esse venha a ser um dos debates do século 21: o que fazer quando os homens começarem a falar?
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A pior tragédia do adultério se dá quando o traído é inocente
janeiro de 2012
Artigos do Felipe Pondé.
Nicholson é o protagonista do filme "As Confissões de Schmidt" |
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Não, não se trata de uma doença nova, caro leitor. Apenas de um filme cujo título é "As Confissões de Schmidt", do diretor Alexander Payne, o mesmo de "Os Descendentes", que concorreu ao Oscar neste ano, mas muito melhor do que esse.
Para começar, Schmidt é Jack Nicholson, o que já garante metade do filme. Mas o filme vai muito
além desse grande ator.
Síndrome de Schmidt, nome que eu inventei, descreve o quadro de total melancolia em que se encontra o personagem central, um homem de 60 anos, após a aposentadoria e morte repentina da sua mulher. Mas qual é o diagnóstico diferencial com relação a outras formas de melancolia? Vejamos.
O filme abre com um discurso de um colega em sua homenagem, quando Schmidt se aposenta da companhia de seguros em que trabalhou a vida inteira (no caso, companhia de seguros carrega todo o peso de viver para ter uma vida segura).
Logo após a morte da sua mulher, ele descobrirá que ela fora amante do colega que discursou em sua homenagem em sua cerimônia de despedida da "firma". A cena da descoberta é feita com requintes de crueldade, porque Schmidt está imerso nas roupas da mulher morta, buscando sentir seu "doce aroma" e assim matar a saudade que sente dela.
Schmidt tem uma filha que casará com um sujeito horroroso, de uma família brega que se julga especial: você conhece coisa pior do que festa de Natal em família? Sim: uma festa de Natal em família em que os presentes são frutos da criatividade ridícula dessa família, como no caso da família do genro de Schmidt.
Schmidt fazia xixi sentado como menina porque sua mulher o proibia de fazer xixi como menino, a fim de não sujar o banheiro.
Esse é sintoma diferencial da síndrome de Schmidt: esmagar-se (mesmo sua fisiologia) para deixar tudo em seu lugar, sem conflitos, amar a paz e o bom convívio em detrimento de si mesmo. No caso específico, não há "questão de gênero" (já que banheiros estão na moda nesse assunto, vale salientar que aqui não é o caso).
Primeiro porque eu não acredito em questões de gênero, só em questões de sexo. Depois, porque não se trata de falarmos em homens vítimas da opressão feminina (ainda que se trate de alguma "opressão" nesse caso, já que, afinal, sua mulher o obrigava a fazer xixi como menina e o traiu), mas sim de falarmos de alguém que descobre que sua vida foi e é vazia, apesar de ter sido um pai e esposo dedicado, e não um desses canalhas que saem com mulheres fáceis por aí.
A síndrome de Schmidt pode e afeta também mulheres, portanto não é uma questão do sexo masculino. Mas no filme é uma questão masculina (o sexo masculino "suja banheiros") e o é antes de tudo porque, como se sabe, homens trabalham, às vezes até brincam com os filhos, mas são as mulheres que detêm o monopólio da subjetividade e da sensibilidade.
Mulheres "conhecem a si mesmas", homens não. Schmidt é uma caricatura do homem que acreditou que, cumprindo seu papel, estaria a salvo da devastação da falta de sentido da vida e do amor. Apesar das modinhas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz.
Homens não sabem falar de si mesmos. E, no fundo, é melhor que continuem assim (pensam as mulheres e os filhos): vivendo como Schmidt, no silêncio da função paterna e marital. Isso muitas vezes é objeto de piadas nas quais homens são comparados a carroças, enquanto mulheres são comparadas a grandes jatos.
Na realidade, a vida comum das famílias supõe que os homens continuem a trabalhar sem crises existenciais; qualquer coisa que se diga ao contrário disso é mais uma mentira da moda.
Isso não significa que não existam exceções, mas essas são apenas exceções. Homens com crises existenciais ficam sozinhos.
No caso de Schmidt, tudo que sua filha quer é seu cheque, e não sua presença. O filme é bom o bastante para mostrar que talvez nessas famílias "normais" não haja mesmo possibilidade de grandes relações entre pais e filhos, muito menos entre pai e filhos.
Talvez esse venha a ser um dos debates do século 21: o que fazer quando os homens começarem a falar?
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A pior tragédia do adultério se dá quando o traído é inocente
janeiro de 2012
Artigos do Felipe Pondé.
Comentários
http://www.youtube.com/watch?v=2gpC_OZoXsU
enquanto muitos ja cairam!!!
Testemunhas de Pondé !!
http://www.youtube.com/watch?v=1hlWHWOR8KI
Uma crise existencial atômica.
No final olham para traz e descobrem para seu desespero que no decorrer de toda a sua vida nada fizeram de concreto apesar de andarem aparentemente corretos.
Há um caminho que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte. Provérbios 16:25
Eu tenho grande dificuldade no diálogo com meu filho, porque a posição dele é tão fleumática, circunspecta que me cansa! Fico literalmente em posição de bióloga-24h: não posso piscar o olho, tenho que colher todos os sinais, estar presente a cada movimento pra tentar me aproximar daquele gato selvagem sem atiçar-lo à briga, tampouco que ele se sinta intimidado.
A impressão que tenho é que, um grupo talvez até bem mais numeroso de homens que eu tenha noção – até porque convivo, devido minha profissão – com um número bem mais significativo de mulheres, infelizmente pra mim (e falo isso com toda a sinceridade de meu coração e em todos os sentidos). Vocês homens são muito mais alegres, cordiais, criativos e vivazes que a maioria das mulheres. Mas o que percebo, é uma investidura para a guerra em vocês que não lhes permite mostrar, ou demonstrar, sinal de fraqueza ou comprometem a batalha.Pra mim, esse tipo de comportamento mais parece crendice, tipo, se eu não levar o amuleto x ou se não estacionar o carro naquela vaga ali, ou se deixar cair molho, ou café, ou suco na camisa a batalha de hoje será perdida, o que vai comprometer o futuro de minha vida e de outros que dependem de mim.
Talvez essa consciência de guerra, que nós mulheres, pelo menos um bom grupo delas, não temos tão nítida e que vocês homem, talvez pela história, tenha internalizado muito mais do que queiram ou esperam, faz com que muitos de vocês pensem que palavra é só arma e que precisem de porte de arma pra usá-la. Sinto que muitas de nós, estamos, na verdade, há muito, esperando que vocês façam uso dela. No início, vocês podem até se machucar, mas com o tempo, vão aprender a terem o controle. Muitas de nos estamos sentadas, esperando há tanto, que nossos homens, que vocês homens usem suas deliciosas bocas, não só pra nos beijar, mas também pra falar o que sentem.
A “Síndrome de Schmidt” me traz o olhar justamente pra esse lado. E se ele não tivesse sido tão certinho em seu desempenho de provedor da família? E se uma grande crise internacional o levasse ao desemprego? Acho até que o ser tão cumpridor de “suas” (dele, ao meu ver, não da família dele) obrigações, de ter sido tão “bom” marido e pai, foram motivos mais que suficientes pra ele ter tido a sorte de um dia deparar com o monte de erros que os outros ao seu redor se davam ao prazer de vivenciar. Por acaso, aos olhos de um macho, o fato de “os outros” serem mulheres não seja só uma “questão de gênero, ou de sexo”.
Sugiro a leitura do livro "Casei Com Um Comunista" do escritor estadunidense, Philip Roth. O romance conta a história de um homem com ideias comunistas que foi traído pela esposa, atriz de cinema, no período do MacCartismo. A bela atriz escreveu um livro denunciando-o publicamente. Aliás, vale a pena ler tudo do Philip Roth. Os últimos livros trata da decadência do homem e seu envelhecimento.
Mas no fim achei um tanto rancoroso, parece que é um fardo para o homem "honrado", "de bem", carregar o mundo nas costas.
Que mal pode ocorrer se os homens começarem a "falar", se apropriarem do subjetivo e tudo mais?
Esse texto é excelente! Em um dos trechos você fala da relação de Schmidt com sua filha e isto me lembrou de um outro texto seu que dizia "que não há relações familiares espontaneas, quase sempre nossos familiares são meras testemunhas de nossas misérias íntimas" ou algo assim.
Se um homem demonstra fraqueza (imagine o seu companheiro aos prantos por saber que a vida é ruim ou que diga o que sinta realmente) você desertaria rápido e procuraria um outro mais "belicoso", isso é fato.
além de saber muito de história, ele tem um estilo irônico e sarcástico que me fascina.
vejo comentários de leitores indignados quando lêem frases "bombásticas" do Pondé e sempre me pergunto "esse pessoal não conhece metáfora? não conhece entrelinhas? não conhece sutileza???".
penso que, quem fica indignado com os textos do Pondé sofre de cegueira social e, pior, não estudaram interpretação de texto e ficam na superfície, não conseguem apreender o significado.
enfim, Pondé é genial, sou grata por existir esse filósofo, pensador, excelente escritor e crítico da nossa hipócrita sociedade moderna. Viva!
há inteligência nesse planeta castigado pela mediocridade.
aliás, a receita para se fazer polêmica, é bem simples: pega-se uma pessoa genial que se expressa sem medo, e uma maioria cultural e socialmente medíocre. pronto.
a maioria é medíocre.
Nós os Machos, também temos um coração, mas isso é considerado irrelevante.
Quando assisto um filme que me comove, tenho de me esconder para que outras pessoas não vejam que quero chorar.
Existe uma Ditadura de Padronização do Macho. Certamente ela foi criada por mulheres velhas, mas é mantida por bêbados, lutadores de vale-tudo e outros com semelhante QI de pouca expressão.
EU QUERO ME EXPRESSAR!
QUERO DIZER QUE GOSTO DE UMA FLOR!
ROSA É UMA COR TÃO BONITA!!!
EU QUERO CANTAR, COM TODA A FORÇA DE MEUS PULMÕES, AS MÚSICAS SIMONE...
Mas não posso fazer nada disso. Tenho de ficar nessa mesa de buteco, tomando essa cerveja (e eu nem gosto disso!) e ouvindo estas estórias de conquistas mentirosas de meus amigos.
Quando é que poderemos ser realmente machos e felizes!
Sim, eu usei a palavra "felizes". E daí? Vai encarar?
Sheila Nunes
Pra escrever "sou grata"...
Que gracinha! concordo contigo em gênero número e grau. Pondé me fascina. É boa essa linha de diálogo porque podemos ver claramente, quando não vemos os rostos, nem os corpos, as pessoas por dentro. Tem muito ser humano, pouca gente por aí. E Pondé é muito lindo. Você também.
Obrigada por escrever e por existir.
Tem uns comentários aí, que só Cristo!
Sinceramente,
Sheila Nunes
Meu marido mais parece Ganhdi. É contra combates. Chega a ser covarde. Mas eu o amo por inteiro. As pessoas não nos chegam em partes, feito Jack o estripador. São encomendas, presentes que nos chegam completos. Ou a gente ama tudo ou... não ama.
Ele chora também. Por isso eu o chamo humano.
Sinceramente,
Sheila Nunes
Encomendei de um sebo no Maranhão. O livro chega esta semana. Obrigada pela dica.
Gratíssima,
Sheila Nuens
e as plataformas são imaginárias?
Para onde correr, se o infinito se apresenta?
Para onde voar, se o chão insiste em existir?
E quando o inconsciente toma a alma,
e insiste em nos revelar, com linguagem incompreensível?
E a garganta seca depois te tanto fumar, vale a pena?
Direção, eu tenho e pratico. Apenas não sinto/acredito muito nelas.
Fiquei chocada com o nivel dos comentarios que tem aqui. Voce faz bem de nao apagar e nem censurar. Interessante ver como a alma humana perde seu tempinho escrevendo bobagens, ou "contrariando-se" com o texto dos outros....Em toda parte se aprende um pouco mais sobre a espécie.
ou mantenho minha mulher e filho felizes e seguros. ou me dedico as minhas questoes!
o texto e bom!
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