Título original: Conhece-te a ti mesmo
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.
Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.
O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.
Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.
Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas.
Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.
Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres.
Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.
Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer.
Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.
Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor.
De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.
Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas.
Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.
Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.
Achar a Europa o máximo é coisa de gente caipira e brega.
dezembro de 2011
Artigos do Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.
Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.
O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.
Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.
Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas.
Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.
Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres.
Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.
Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer.
Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.
Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor.
De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.
Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas.
Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.
Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.
Achar a Europa o máximo é coisa de gente caipira e brega.
dezembro de 2011
Artigos do Pondé.
Comentários
Sempre que eu termino de ler um artigo do Pondé, vejo-me perguntando: "Rodrigo, se já sabia que ia se aborrecer, por que começou?"
Talvez eu seja algum tipo de masoquista, não sei.
Eu achei interessante. É uma cutucada nessa chatice dos politicamente corretos.
Bom, cada um tem a sua opinião.
http://www.youtube.com/watch?v=OWU3eitHWhw
É so ler os comentários.
Caríssima, Folha.
Ao ler o artigo de Pondé hoje, seg, 05.03.2012, exclamei: Poxa! por um momento pensei-me diante de William Bonner! Sorte nossa que Pondé estava sonhando.
Será que eu não me substimo o suficiente?? Vocês ainda querem me "Jogar na lata do lixo”? Amarelaram, tipo:
"É de tango-tango
É de carrapicho,
Joga a Sheila (e os leitores)
Na lata do lixo!!!!"
A decoração “pastel” no artigo de Pondé de hoje me deixou, e certamente a muitos de seus fãs, muito triste. Tristíssima. Lamento! Que artigo mais nojento! Pastel. Como, no Family Album, a personagem de Angélica Huston ao visitar a nova casa de Fester Adams, estou indignada. É isso tudo o que vocês têm a me oferecer? A brisa e o salário que percebo não precisam da Folha, para nos tornarmos outro espécimen que não homo sapiens sapiens. Por favor, não façam isso conosco."Ao lado, minha mulher dormia. Com seu corpo de pecadora." Cadê a gozadora, que seria mais a cara de Pondé? (ou minha, não sei)
Vocês me limitam ao gozo que me é usual de terça a domingo com o meu marido. Sinto muito. Preciso de mais. Precisamos de mais ou não leríamos a Folha às segundas. Tampouco o Zé Simão. A falta de Ruy Castro nos "castra" neste momento. Deus o abençoe, cure e recupere para que nós, seres egoístas e consumidores de corpos e artigos, que a Folha nos oferece, possamos “engolir a gororoba” do dia-a-dia que não nos é French Course, ou estamos sendo limitados a consumir apenas seus livros (não os de vocês, os deles).
Pondé é colorido, sarcástico, vivaz: african-brazilian O que estão fazendo com ele? Boycut?
Beijos,
Sheila Nunes
OBS.: Ele agora deve fazer parte da diretoria do jornal onde ele trabalha, por isso os artigos não são mais semanais. Parabéns Pondé, amigo feliz XD!
XD XD XD XD XD XD XD
A não ser que eu seja um destes ateus incapazes de entender filosofia. Pondé é complexo demais para minha mente limitada.
Fica lendo bloguisinho pra comentar vaziamente.
São indivíduos igual a ti que o Pondé quer alfinetar, ver se de repente vocês dão uma acordada dessa vidinha intelectual medíocre acadêmica e midiática que levam.
Abbud
Alguem já viu alguma amante,mulher ou namorado do Pondé pra ver se ele consegue pegar alguma pessoa bem bonita ?
Duvido que o parceiro ou parceira dele seja realmente gostoso(a),inteligente e sensual.
Mas costuma acontecer da galerinha politicamente correta e "progressista" que é alvo da crítica não entender direito, ou ficar bravinha, como vemos aqui.
Guilherme Saraiva
PS: Meu tablet nao tem cedilha nem acentos.
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