Título original: A traição da psicologia social
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Olha que pérola para começar sua semana: "Esta é a grande tolice do mundo, a de que quando vai mal nossa fortuna -muitas vezes como resultado de nosso próprio comportamento-, culpamos pelos nossos desastres o Sol, a Luz e as estrelas, como se fôssemos vilões por fatalidade, tolos por compulsão celeste, safados, ladrões e traidores por predominância das esferas, bêbados, mentirosos e adúlteros por obediência forçada a influências planetárias". William Shakespeare, "Rei Lear", ato 1, cena 2 (tradução de Barbara Heliodora).
Os psicólogos sociais deveriam ler mais Shakespeare e menos estas cartilhas fanáticas que dizem que o "ser humano é uma construção social", e não um ser livre responsável por suas escolhas, já que seriam vítimas sociais. Os fanáticos culpam a sociedade, assim como na época de Shakespeare os mentirosos culpavam o Sol e a Lua.
Não quero dizer que não sejamos influenciados pela sociedade, assim como somos pelo peso de nossos corpos, mas a liberdade nunca se deu no vácuo de limites sociais, biológicos e psíquicos. Só os mentirosos, do passado e do presente, negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas.
Mas antes, um pouco de contexto para você entender o que eu quero dizer.
Outro dia, dois sujeitos tentaram assaltar a padaria da esquina da minha casa. Um dos donos pegou um dos bandidos. Dei parabéns para ele. Mas há quem discorde. Muita gente acha que ladrão que rouba mulheres e homens indo para o trabalho rouba porque é vítima social. Tadinho dele...
Isso é papo-furado, mas alguns acham que esse papo-furado é ciência, mais exatamente, psicologia social. Nada tenho contra a psicologia, ao contrário, ela é um dos meus amores -ao lado da filosofia, da literatura e do cinema. Mas a psicologia social, contra quem nada tenho a priori, às vezes exagera na dose.
O primeiro exagero é o modo como a psicologia social tenta ser a única a dizer a verdade sobre o ser humano, contaminando os alunos. Afora os órgãos de classe. Claro, a psicologia social feita desta forma é pura patrulha ideológica do tipo: "Você acredita no Foucault? Não?! Fogueira para você!".
Mas até aí, este pecado de fazer bullying com quem discorda de você é uma prática comum na universidade (principalmente por parte daqueles que se julgam do lado do "bem"), não é um pecado único do clero fanático desta forma de psicologia social. Digo "desta forma" porque existem outras formas mais interessantes e pretendo fazer indicação de uma delas abaixo.
Sumariamente, a forma de psicologia social da qual discordo é a seguinte: o sujeito é "construído" socialmente, logo, quem faz besteira ou erra na vida (comete crimes ou é infeliz e incapaz) o faz porque é vítima social. Se prestar atenção na citação acima, verá que esta "construção social do sujeito" está exatamente no lugar do que Shakespeare diz quando se refere às "esferas celestes" como responsáveis por nossos atos.
Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros, ou não trabalharmos ou sermos infelizes. Se eu roubo você, você é que é culpado, e não eu, coitado de mim, sua real vítima. Teorias como estas deveriam ser jogadas na lata de lixo, se não pela falsidade delas, pelo menos pelo seu ridículo.
Todos (principalmente os profissionais da área) deveriam ler Theodore Dalrymple e seu magnífico "Life at The Bottom, The Worldview that Makes the Underclass", editora Ivan R. Dee, Chicago (a vida de baixo, a visão de mundo da classe baixa), em vez do blá-blá-blá de sempre de que somos construídos socialmente e, portanto, não responsáveis por nossos atos.
Dalrymple, psiquiatra inglês que atuou por décadas em hospitais dos bairros miseráveis de Londres e na África, descreve como a teoria da construção do sujeito como vítimas sociais faz das pessoas preguiçosas, perversas e mentirosas sobre a motivação de seus atos. Lendo-o, vemos que existe vida inteligente entre aqueles que atuam em psicologia social, para além da vitimização social que faz de nós todos uns retardados morais.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Olha que pérola para começar sua semana: "Esta é a grande tolice do mundo, a de que quando vai mal nossa fortuna -muitas vezes como resultado de nosso próprio comportamento-, culpamos pelos nossos desastres o Sol, a Luz e as estrelas, como se fôssemos vilões por fatalidade, tolos por compulsão celeste, safados, ladrões e traidores por predominância das esferas, bêbados, mentirosos e adúlteros por obediência forçada a influências planetárias". William Shakespeare, "Rei Lear", ato 1, cena 2 (tradução de Barbara Heliodora).
Os psicólogos sociais deveriam ler mais Shakespeare e menos estas cartilhas fanáticas que dizem que o "ser humano é uma construção social", e não um ser livre responsável por suas escolhas, já que seriam vítimas sociais. Os fanáticos culpam a sociedade, assim como na época de Shakespeare os mentirosos culpavam o Sol e a Lua.
Não quero dizer que não sejamos influenciados pela sociedade, assim como somos pelo peso de nossos corpos, mas a liberdade nunca se deu no vácuo de limites sociais, biológicos e psíquicos. Só os mentirosos, do passado e do presente, negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas.
Mas antes, um pouco de contexto para você entender o que eu quero dizer.
Outro dia, dois sujeitos tentaram assaltar a padaria da esquina da minha casa. Um dos donos pegou um dos bandidos. Dei parabéns para ele. Mas há quem discorde. Muita gente acha que ladrão que rouba mulheres e homens indo para o trabalho rouba porque é vítima social. Tadinho dele...
Isso é papo-furado, mas alguns acham que esse papo-furado é ciência, mais exatamente, psicologia social. Nada tenho contra a psicologia, ao contrário, ela é um dos meus amores -ao lado da filosofia, da literatura e do cinema. Mas a psicologia social, contra quem nada tenho a priori, às vezes exagera na dose.
O primeiro exagero é o modo como a psicologia social tenta ser a única a dizer a verdade sobre o ser humano, contaminando os alunos. Afora os órgãos de classe. Claro, a psicologia social feita desta forma é pura patrulha ideológica do tipo: "Você acredita no Foucault? Não?! Fogueira para você!".
Mas até aí, este pecado de fazer bullying com quem discorda de você é uma prática comum na universidade (principalmente por parte daqueles que se julgam do lado do "bem"), não é um pecado único do clero fanático desta forma de psicologia social. Digo "desta forma" porque existem outras formas mais interessantes e pretendo fazer indicação de uma delas abaixo.
Sumariamente, a forma de psicologia social da qual discordo é a seguinte: o sujeito é "construído" socialmente, logo, quem faz besteira ou erra na vida (comete crimes ou é infeliz e incapaz) o faz porque é vítima social. Se prestar atenção na citação acima, verá que esta "construção social do sujeito" está exatamente no lugar do que Shakespeare diz quando se refere às "esferas celestes" como responsáveis por nossos atos.
Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros, ou não trabalharmos ou sermos infelizes. Se eu roubo você, você é que é culpado, e não eu, coitado de mim, sua real vítima. Teorias como estas deveriam ser jogadas na lata de lixo, se não pela falsidade delas, pelo menos pelo seu ridículo.
Todos (principalmente os profissionais da área) deveriam ler Theodore Dalrymple e seu magnífico "Life at The Bottom, The Worldview that Makes the Underclass", editora Ivan R. Dee, Chicago (a vida de baixo, a visão de mundo da classe baixa), em vez do blá-blá-blá de sempre de que somos construídos socialmente e, portanto, não responsáveis por nossos atos.
Dalrymple, psiquiatra inglês que atuou por décadas em hospitais dos bairros miseráveis de Londres e na África, descreve como a teoria da construção do sujeito como vítimas sociais faz das pessoas preguiçosas, perversas e mentirosas sobre a motivação de seus atos. Lendo-o, vemos que existe vida inteligente entre aqueles que atuam em psicologia social, para além da vitimização social que faz de nós todos uns retardados morais.
Comentários
Só uma provocação, não sei muito da psicologia social, mas ao menos a histórico-cultural, ou histórico-social possui influências enormes de autores marxistas/comunistas, tais como Marx e principalmente Vygotsky, o que faz sentido, já que que na ideologia socialista faz muito mais sentido o indivíduo como construção social do que como indivíduo em si, já que a maior parte dos fenômenos são de caráter coletivista e muitas vezes o indivíduo não conta muito quando o que está em jogo é o social (inclusive no próprio manifesto comunista conta-se como sacrificar determinados indivíduos - no caso, burgueses - e valores individuais, como a família (que Marx e Engels justificam como sendo a familia burguesa ) em prol do bem maior, que é a sociedade).
ps: sim, os textos do Pondé costumam ficar bons quando ele não começa a chamar todo mundo que discorda dele de brega...
Não acho adequado dizer: "tem pobre que não rouba".
É mais adequado dizer: "tem pobre que rouba".
É uma minoria da população pobre que rouba.
Darwin provou que o ser humano é um animal, moldado pela seleção natural, que luta por sobrevivência, território, poder, parceiros/parceiras sexuais, etc.
O papel do indivíduo é muito maior do que pensam, e toda a dinâmica social tem como base o comportamento dos indivíduos.
De qualquer forma o ser humano é muito complexo pra simplificar suas ações como "culpa da sociedade" ou "escolha totalmente individual".
Cada um tem o seu peso.
Deus, ao dar ordens, obrigou Adão a não comer o fruto.
Adão teve o lívre arbítrio obrigatório.
Ele vai ao encontro das minhas ideias. Penso que o meio influencia as pessoas, mas, não é o fator que determinará as ações do indivíduo.
Quando as pessoas começam a tomar consciência e exercer o ato de escolher elas adquirem o poder de mudar a situação na qual se encontram, situação essa que foi o resultado das escolhas tomadas, não por elas, mas pelos seus pais ou responsáveis. Desse ponto em diante, o resultado da vida desse indivíduo é de responsabilidade dele.
Mas quais são as peças desse sistema? Os indivíduos.
Concordo com o WillPapp quando ele diz que quando as pessoas tomam ciência da sua liberdade de escolha, grande parte do resultado da vida dessa pessoa é de sua responsabilidade; mas penso que isso vale mais em democracias plenas do que em regimes ditatoriais e países de pobreza extrema.
Nesse caso deixo uma pergunta: a suposta existência de uma ditadura da mídia e de banqueiros ditadores é tão ruim quanto os regimes limitadores acima?
A liberdade de escolhas existe em qualquer regime. O que se pode criticar nos regimes ditatoriais e teocráticos é em relação à quantidade (e qualidade) de opções. Mas, ainda sim, há opções. Por exemplo: escolher adorar Alá ou ser morto; há duas opções aí.
A mídia “faz a cabeça das pessoas”. Faz mesmo. E poderíamos conjecturar que essas pessoas foram programadas para fazer o que a mídia quer. Sim, é verdade. Mas, há movimentos que dizem que a mídia não presta; que é alienante. Eis aí, portanto, a segunda opção: a de não acreditar na mídia, a de desconfiar da mídia.
Em última instância, cabe ao indivíduo escolher. Pessoas, embora pareçam, não são robôs.
Acho que é aqui onde o pessoal da ala da psicologia social que estamos discutindo toca: a mim parecem afirmar que esse sistema cerceia sua liberdade de escolha. Não sei muito bem que escolhas seriam essas, mas nós ateus sofremos com a falta de liberdade para expressar nossos pontos de vista em ambientes do dia-a-dia. No nosso caso, não corremos risco (iminente) de morte ou agressões físicas, mas a falta de receptividade a QUALQUER argumentação ateísta me deixa com a sensação de opressão. Sinto falta de amigos ateus ao meu redor pra conversar do que falamos aqui no blog, por exemplo.
Sobre a mídia, há sim capacidade de manipulação, mas, depois que mostraram as limitações dos argumentos de Adorno e Horkheimer, hoje entendemos que a mídia coloca opiniões na cabeça de quem não tem opinião; depois que uma opinião é formada, é difícil de mudar. Pra mim, a melhor solução a isso é um sistema educacional que ensine aos jovens as bases da dialética e do pensamento crítico.
Penso que apenas com a capacidade de julgar as informações recebidas somos capazes de tomar decisões melhores e mais livres.
Eu, também, gostaria de ter mais ateus ao meu lado para podermos conversar. No meu serviço há um com o qual eu converso. Ele não admite, abertamente, que é ateu, mas, ele é. Mas eu converso sobre religião com uma amiga, também do serviço, que é espírita.
Concordo que uma educação de qualidade, focada no “ensinar a pensar”, produz humanos pensantes e questionadores que não aceitam a vida como ela aparenta ser. Mas, é complicado. Se a educação está um lixo é porque há um motivo para isso. O que me anima é ver a Internet sendo usada como meio de propagação de ideias e iniciativas que fomentam a vontade de aprender, de se intelectualizar, de deixar de ser medíocre. Blogues, vlogues, Orkut, facebook estão aí levando informação, cultura e conhecimento e, também, suscitando debates. Isso é bom.
Não existe, graças a Hades, uma equação ou fórmula que defina um indivíduo a partir de um número N de variáveis. E não creio que algum dia alguém descobrirá tal fórmula. Somos, principalmente quando entendidos enquanto coletivo, bastante previsíveis (massas são previsíveis), mas enquanto indivíduos, nem tanto. Há vários (quase) determinismos em nossas vidas, principalmente em aspectos biológicos, tais como comportamento sexual e violência, mas com uma margem de erro muito maior do que quando falamos em comportamentos de massa. Geralmente o número de acidentes de trânsito, assassinatos, etc. se mantém bastante próximos ano a ano, por isso é possível de forma mais ou menos exata fazer uma previsão de quantas pessoas vão ser assassinadas no próximo ano baseado em estatísticas anteriores.
E, fazendo coro a um comentário acima, o Deus católico deu liberdade inclusive aos ateus. A liberdade de ser mandado para o inferno :-)
Obrigar é fazer cumprir...
Livre arbítrio é uma escolha...
Palavra de Evangelica iluminada por uma Lanterna que funciona a pilhas alcalinas.*--*XD
Claudio Nabrano
Sinto-me sempre bem intrometida em tomar a liberdade de comentar qualquer escrito do Sr. Pondé, porque nem sempre temos um Doutor a nossa disposição - e olha que ele é pós-doutor -, mas é com todo meu respeito.
Não tenho quase conhecimento algum - meu português é tuim, piorou depois de seis meses em Portugal; meu Espanhol, denegriu-se em Barcelona; meu italiano não se aprimorou em Roma, embora tenham tentado tomar-me minha virgindade; e meu Inglês, nem pensar! Mas estou lendo "O Remorso de Baltazar Serapião" de Valter Hugo Mãe. Não sei se já leram. E é mais ou menos o caminho percorrido neste artigo do Pondé, creio, vagamente.
O meio social não deveria ser o único responsável por escolhas que fazemos, por escolhas que eu faço. Venho de uma família muito complicada e sem amor. Vejo em mim, diversas vezes a mesma genética dos “Sarga” – sou um Sarga. Mas posso usar minha pouca inteligência e ponderar, de vez em quando, quais decisões tomar, qual caminho seguir e não agir de modo apenas instintivo, ou viver jogando a culpa na minha ascendência, no governo, no país, no momento histórico pelos reveses pelos quais passo.
Acho que uma das intenções dele neste artigo é nos chamar à essa consciência como autores e responsáveis por nossas ações.
Beijo,
Sheila Nunes
Vejo a molecada do asfalto em cisões mentais querendo a um só tempo ser contrária ao crime mas a favor do criminoso, contrária à polícia mas a favor da proteção, contrária ao discurso de ódio mas a favor do discursante.
Assim não dá, meus filhos! Tomem tento nas contradições e não se apressem nas conclusões. Liberdade sempre existe, por mais restrita e difícil que seja.
Vergonha.
Vejamos o exemplo da revolta de Londres. O pessoal desempregado lá tem uma vida que o trabalhador brasileiro nem em sonho imagina (quase morei lá), no entanto falta emprego, uma atividade construtiva.
O meio ambiente exerce influencia brutal, a qual dificimente é superada. No entanto no fim há sempre uma decisão individual. Conheci um pretinho favelado filho dum bebado, tendo mãe e irmã ordinárias, amigos que o queriam conduzir à criminalidade, no entanto ele resistiu. Pagou caro porisso, entrou em depressão forte. Hoje em dia é trabalhador, pai de família e encontrou a "verdadeira graça" numa igreja evangélica. No entanto isso é muito raro e não deve ser generalizado.
No caso dos jovens de Londres eu creio que o fator social não é decisivo pra justificar o que fizeram, ninguém lá passa fome como os pobres do Brasil onde creio que o fator social é brutal e quase decisivo. Resta sempre a decisão individual.
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