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Inferno não são os outros, mas o 'marketing do eu', diz Pondé

Título original: Meu inferno mais íntimo


por Luiz Felipe Pondé para Folha

Um jovem rabino, angustiado com o destino da sua alma, conversava com seu mestre, mais velho e mais sábio, em algum lugar do Leste Europeu entre os séculos 18 e 19.

Pergunta o mais jovem: "O senhor não teme que quando morrer será indagado por Deus do porquê de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias? Eu sempre temo esse dia".

O mestre teria respondido algo assim: "Quando eu morrer e estiver na presença de Deus, não temo que Ele me pergunte pela razão de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias, temo que Ele me pergunte pela razão de eu não ter conseguido ser eu mesmo".

Trata-se de um dos milhares de contos hassídicos, contos esses que compõem a sabedoria do hassidismo, cultura mística judaica que nasce, "oficialmente", com o Rabi Baal Shem Tov, que teria nascido por volta de 1700 na Polônia.

A palavra "hassidismo" é muito próxima do conceito de "Hesed", piedade ou misericórdia, que descreve um dos traços do Altíssimo, Adonai ("Senhor", termo usado para se referir a Deus no judaísmo), o Deus israelita (que, aliás, é o mesmo que "encarnou" em Jesus, para os cristãos).

Hassídicos eram conhecidos como "bêbados de Deus", enlouquecidos pela piedade divina (e pela vodca que bebiam em grandes quantidades para brindar a vida...) que escorre dos céus para aqueles que a veem.

São muitas as angústias de quem acredita haver um encontro com Deus após a morte. Mas ninguém precisa acreditar em Deus ou num encontro como esse para entender a força de uma narrativa como esta: o primeiro encontro, em nossa vida, que pode vir a ser terrível, é consigo mesmo. Claro que se Deus existe, isso assume dimensões abissais.

Para além do fato óbvio de que o conto fala do medo de não estarmos à altura da vontade de Deus, ele também fala do medo de não sermos seres morais e justos, como Moisés e Elias, exemplos de dois grandes "heróis" da Bíblia hebraica. Ser como Moisés e Elias significa termos um parâmetro moral exterior a nós mesmos que serviria como "régua".

A resposta do sábio ancião ao jovem muda o eixo da indagação: Deus não está preocupado se você consegue seguir parâmetros morais exteriores, Deus está preocupado se você consegue ser você mesmo.

Não se trata de pensar em bobagens do tipo "Deus quer que você seja feliz sendo você mesmo" como pensaria o "modo brega autoestima de ser", essa praga contemporânea. Trata-se de dizer que ser você mesmo é muito mais difícil do que seguir padrões exteriores porque nosso "eu" ou nossa "alma" é nosso maior desafio.

Enfrentar-se a si mesmo, reconhecer suas mazelas, suas inseguranças e ainda assim assumir-se é atravessar um inferno de silêncio e solidão. Ninguém pode fazer isso por você, é mais fácil copiar modelos heroicos, por isso o sábio diz que Deus não quer cópias de Moisés e Elias, mas pessoas que O enfrentem cara a cara sendo quem são.

Podemos imaginar Deus perguntando a você se teve coragem de ser você mesmo nos piores momentos em que ser você mesmo seria aterrorizante. Aí está o cerne da "moral da história" neste conto.

Noutro conto, um justo que morre, chegando ao céu, ouve ruídos horrorosos vindo de uma sala fechada. Perguntando a Deus de onde vem aquele som ensurdecedor, Deus diz a ele que vá em frente e abra a porta do lugar de onde vem a gritaria. Pergunta o justo a Deus que lugar seria aquele. Deus responde: "O inferno". Ao abrir a porta, o justo ouve o que aqueles infelizes gritavam: "Eu, eu, eu...".

Ao contrário do que dizia o velho Sartre, o inferno não são os outros, mas sim nós mesmos. Numa época como a nossa, obcecada por essa bobagem chamada autoestima, ocupada em fazer todo mundo se achar lindo e maravilhoso, a tendência do inferno é ficar superlotado, cheio de mentirosos praticantes do "marketing do eu".

Casas, escritórios, academias de ginásticas, igrejas, salas de aula, todos tomados pelo ruído ensurdecedor do inferno que habita cada um de nós. O escritor católico George Bernanos (século 20) dizia que o maior obstáculo à esperança é nossa própria alma. Quem ainda não sabe disso, não sabe de nada.

Só quem perdeu a esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral.
abril de 2012

Artigos de Pondé.

Comentários

É impressão minha ou essa imagem é do jogo Dante's Inferno?
Alanna Reuther disse…
Não compactuo das visões de mundo de Pondé!
J.C. De Lucca disse…
Como já dizia a velha e boa sabedoria grega das pitonisas de Delphos: Conhece-te a tí mesmo!
Anônimo disse…
Como faço pra refutar tomás de aquino?
Anônimo disse…
Nessa parte de auto-estima "brega", concordo com o Pondé. Penso que muito dessa busca pela auto-estima passa pela chatisse do politicamente correto, e eu tenho nojo do politicamente correto. Ass: Winston Smith
_O texto acima, segue uma linha de pensamento bastante coerente. O que de fato, deve importar para o ser humano, é: ele mesmo, com suas atitudes e suas práticas de modo geral, tendo clareza de que nele existe algo chamado: consciência que cedo ou tarde, fará suas indagações; se souber responder a todas, com tranquilidade, ótimo!
_É preciso ir a fundo nesta busca a fim de, ao menos, chegar ao fim desta vida e poder dizer: eu sei quem realmente sou, o que fiz e para que fiz.
Éverton Shy disse…
Ninguém refuta São Tomas..........
J.C. De Lucca disse…
Mas já aviso. É um caminho um tanto solitário. Pois quando você se dá conta de que não é possível se excluir da equação, e que por você influenciar diretamente os seus resultados, por mais que você tente seguir um modelo, o que sobra é sempre a frustração por não atingir a meta do seu ídolo. Ser forte antes de mais nada é se encarar como você é: um labirinta a ser desvendado e vencido por você mesmo!
Anônimo disse…
"Podemos imaginar Deus perguntando a você ..."
Quanta m.... esse cara escreve!

Charles
Anônimo disse…
Sao Tomas, aquele que conversava com imagens?
Anônimo disse…
Você não sabe nada sobre S. Tomás, grande filósofo e teólogo, que escreveu em menos de 50 anos uma verdadeira biblioteca, que deixou importantes marcas na história do pensamento.
Anônimo disse…
Grande de que tamanho?
Filósofo disse…
Coloque não, nenhum ou nada antes de cada frase dele.
Filósofo disse…
Do tamanho do seu desconhecimentos sobre a Sabedoria e as Obras dele.
Anônimo disse…
Já fiz, mas não deu certo. Me ensina a refutar hegel?
Anônimo disse…
Matice é um pintor maravilhoso...Conhece?
Anônimo disse…
Não há nenhuma necessidade lógica para que a consciência seja aprovada ou reprovada no final. Esse encontro consigo mesmo, sugere um meta-Eu, justamente a fonte do sofrimento...Não adianta nada tentar aliviar a dor com a própria consciência dolorida, sem eliminar a causa da própria dor, que é um outro-Eu inatingível, inalcançável. Buscar, poder dizer, responder, tudo é ilusão do grilo-falante, não da consciência. Compreender isso é que é libertar-se.
Anônimo disse…
Francamente, cada vez mais repete-se o milagre de Balaão, que fez um asno falar...De onde - senão da cabeça de uma mula falante - poder-se-ia tirar a infeliz idéia, que um filósofo do porte de Tomás de Aquino, acreditasse em imagens falantes? Nem existia televisão nesse tempo!Se justamente ele viu um boi voando!
Mujica disse…
Ponde... O incompreendido...!
Como faz falta as aulas de filosofia.
Disciplina obrigatória no passado.
Anônimo disse…
Prove que a História é imprecisa e tendenciosa, não servindo de substrato ou companheira da Filosofia.
Kierkegaard filósofo dinamarquês do século XIX,dizia que o indivíduo sozinho,diante da existência e do vazio de sentido que ela trás,era a única coisa importante do mundo,o sábio protestante afirmava que a angústia era o sentimento possível diante de tal horror,Deus seria o interlocutor desse desespero,aquele que jazia imóvel do outro lado do ser
Anônimo disse…
Nem precisa, é tudo um argumentum ad ignorantiam.
Anônimo disse…
Pena.
Anne Tarantino disse…
Essa é a visão de Pondé, eu só observo e respeito, mas nem tudo que os filósofos dizem sou obrigada a concordar.
Resumo da ópera:

"Não adiante fazer qualquer coisa. Você esta numa cultura judaico-cristã e o pecado é você, sempre te lembraremos disso! Bom sofrimento"


Juntamente com:

"Ah, os sacerdotes não são imorais, eles só são eles mesmos!"
Anônimo disse…
Já somos dois, nada mais intragável que o politicamente correcto. Hoje a falta de seriedade e a vulgaridade são acessórios de moda.

Henry Matisse foi um pintor impressionista frances.
O Matice seria um pintor nordestino? Quem é o Matice? Como sou politicamente incorrecta, portanto aconselho o anonimo do "Matice" a se informar melhor, não acredite no Lula, a ignorancia não vale ouro,nem sequer vale urina.
Anônimo disse…
Essa coisa do politicamante correto parece que deixou todo mundo igual. Todos querem e lutam para ter os mesmos corpos, rostos, e querem sempre se possivel: ouvir as mesmas músicas, falar das mesmas coisas.
Vou falar de algo que talvez fuja: já faz tempo, um certo guitarrista de uma banda de rock( no qual tocava no rock in rio), só tinha como tampão sua própria guitarra. Foi preso e depois foi solto,e ele disse uma frase ( mais ou menos assim) até que bem interessante: " Eu pensei que podia já que no carnaval todos sempre estão nus".
Anônimo disse…
A pergunta a Pondé, que não quer calar, é aquela que o filósofo Silvio Santos havia feito dias atrás: "coça no ânus"?
Anônimo disse…
E daí?
Anônimo disse…
Eu recomendo sorvete de casquinha!
Anônimo disse…
Se Pondé não valorizasse seu próprio trabalho, ele não escreveria para o público. Valorizar o próprio trabalho é valorizar a si próprio. É ter auto-estima.
Acho que ele critica a auto-valorização exacerbada apregoada por muitos livros de auto-ajuda como solução para todos os males do ser humano. Valorizar-se de forma adequada, reconhecer suas falhas e capacidades, é necessário para se sobreviver.

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