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Espiritualidade trágica dos gregos é a melhor, diz Pondé

Título original: Nêmesis

Nêmesis

por Luiz Felipe Pondé
para Folha

Nêmesis era a deusa grega da vingança. Ela tinha especial prazer em torturar heróis que caíam em hybris (desmedida) e pensavam ser outra coisa que mortais sob o domínio dos deuses e das moiras, senhoras divinas quase cegas que teciam o destino de todos.

Fosse eu religioso, minha espiritualidade seria a trágica dos gregos, apesar da grandiosa beleza do sistema bíblico. Não que eu ache "legal" o politeísmo, mas porque eu acho que a visão de mundo dos trágicos é a melhor. A piedade trágica, aquela despertada pela empatia entre nós e os infelizes heróis do teatro grego, é que levou Nelson Rodrigues a dizer que devíamos assistir ao teatro de joelhos.

A acusação feita aos trágicos é que eles negam o sentido último da vida, porque os deuses gregos eram uns loucos apaixonados e sem projeto moral para o mundo (o destino é sempre cego). Isso é verdade. O Deus de Israel, que para os cristãos encarnou no judeu Jesus, tem um projeto moral para o mundo, mesmo que não saibamos ao certo qual é. E isso nos acalma.

A tragédia marcou a cultura de forma profunda, os exemplos são inúmeros: Shakespeare, Gracian, Schopenhauer, Nietzsche, Camus, Cioran, Nelson Rodrigues, Philip Roth.

É desse último que quero falar hoje. Especificamente de seu livro mais recente, "Nêmesis", a história do jovem professor de educação física Bucky Cantor atravessando o grande surto de pólio nos EUA no verão de 1944.

Os heróis de Roth sempre são esmagados entre a vida pessoal, os vínculos afetivos e ideias, e grandes processos históricos ou "cósmicos" que têm um efeito aleatório na vida deles -e sempre destrutivo.

Como exemplos históricos, vemos a Guerra da Coreia, o macarthismo versus comunismo nos anos 1950 nos EUA, a contracultura, a canalhice do politicamente correto nas universidades americanas. Como exemplo cósmico, o envelhecimento, a perda das funções sexuais ou de memória, as pragas (como a pólio em "Nêmesis").

No caso desse romance, a praga da pólio ocupa o lugar de pragas atávicas que sempre significaram para nossos ancestrais a fúria dos deuses. E é contra Deus que Cantor se revoltará.

Mas Roth é um grande escritor, e a revolta do jovem Cantor será teologicamente sofisticada, e não mero ateísmo militante, porque o ateísmo militante é sempre infantil.

O cruzamento entre as intenções pessoais e o destino, histórico ou cósmico, dá o efeito de esmagamento e negação de projeto moral, na medida em que os heróis de Roth não conseguem discernir qualquer sentido que não seja a cegueira terrível do acaso ou o "terror da contingência", tal como diz o narrador de "Nêmesis".

A expressão "terror da contingência" é comum nos textos do historiador das religiões Mircea Eliade para descrever o que nos moveria ao desejo religioso de um sentido maior. Tememos o acaso porque ele nega qualquer providência sábia por trás das coisas. O acaso é cego.

Para Cantor, Deus é um "demiurgo". Essa expressão era comum em alguns textos heréticos do início do cristianismo (textos gnósticos) e significava que Deus é mal. E se Deus for mal, não há qualquer esperança.

Mas o narrador do romance pensa diferente. Sua hipótese sobre a vida e as decisões que Cantor tomará é mais psicanalítica (ele sofreria de uma "neurose de responsabilidade"), mas nem por isso menos teológica. Para o narrador, Cantor é excessivo em julgar a si mesmo responsável pela desgraça que destrói seus alunos. E por isso sofrerá, porque nenhum homem pode se julgar senhor do destino, já que esse não nos pertence.

Como a deusa em questão é a da vingança, Nêmesis, a desmedida de Cantor em se julgar responsável pelo destino de seus alunos será vista de outra forma: Cantor se julga um justo e um dedicado professor e, por isso, pagará um preço alto pela autoimagem de homem reto. Aí está sua desmedida.

Cantor é o Jó de Roth (o judeu Levov, protagonista de "Pastoral Americana", é outro Jó de Roth): Cantor e Jó se julgam justos. Mas Cantor é um Jó que não encontra, ao final, a piedade de Deus, mas a vingança de uma deusa cega à misericórdia.

Cultura dominada pela ideia de felicidade é uma cultura de frouxos
dezembro de 2011

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
Quanta merda.
Anônimo disse…
Roth é gênio, já li seis obras dele (entre novelas e romances). Para o Paulo Lopes e os ateus que leem este site, indico 'Indignação', uma novela de pouco mais de 200 páginas com uma narrativa devastadora. Conta a história de Marcus Messner, um dedicado estudante de direito de família judia (seu pai é açougueiro kosher, um açougueiro da fé judaica). Tanto a família de Marcus, quanto a universidade é muito "caipira" para aceitar que Marcus pudesse ser um aluno brilhante e vivesse de forma individualista e ateia. Nesse ínterim, ele conhece Olívia, uma moça problemática por quem se apaixona. Começa a perseguição a Marcus depois de uma discussão acalourada com o diretor. 'Indignação", saiu pela Cia. das Letras em 2006 e está entre as pequenas obras primas de Philip Roth.

Pondé é um obcecado pela pureza cristã. Pela melancolia cristã. Ele tem tesão por essas coisas, emulando (mal) o Schopenhauer. Ele não entende Roth e nunca entenderá. Ele imagina que o autor de 'Complexo de Portnoy' e 'Teatro de Sabbath' tenha algo de moralizante por trás de suas tragédias. Pelo contrário, ele rompe com essa obsessão de forma inteligente. Não é ateu militante (como Pondé mesmo disse), mas também não é nenhum recalcado como quem fez a análise do livro. Repito: Philip Roth é gênio em toda a sua efervescência intelectual. Pondé é um melancólico de butique. Lamentar a perda da pureza é uma babaquice sem fim.
Anônimo disse…
"Nós deixamos uma marca, uma trilha, um vestígio. Impureza, crueldade, maus-tratos, erros, excrementos, esperma - não tem jeito de não deixar. Não é uma questão de desobediência. Não tem nada a ver com graça nem salvação nem redenção. Está em todo mundo. Por dentro. Inerente. Definidora. A marca que está lá antes do seu sinal. Mesmo sem nenhum sinal ela está lá. A marca é tão intrínseca que não precisa de sinal. A marca que precede a desobediência, que abrange a desobediência e confunde qualquer explicação e qualquer entendimento. Por isso toda essa purificação é uma piada. E uma piada grotesca ainda por cima. A fantasia da pureza é um horror. É uma loucura. Porque essa busca da purificação não passa de mais impureza."

(Philip Roth, A marca humana, Companhia das Letras, 2002, pág. 308)
Pondé deveria ser objeto de estudo da filosofia, porque até agora não entendi qual é a dele. O que esse cara realmente pensa?
Anônimo disse…
O problema que é que ele mexeu com o meu autor preferido! hahaha Eu tinha que me pronunciar aqui. Ele não entendeu a metade da "filosofia" do Philip Roth.
Anônimo disse…
Espiritualidade trágica é o caramba!
Anônimo disse…
"[…]o ateísmo militante é sempre infantil".
(Pondé)
Paulo Lopes disse…
Philip Roth é um dos meus escritores contemporâneos preferidos, Rodrigo.

O primeiro livro que li dele foi “O complexo de Portnoy” e fiquei muito impressionado. Para mim, continua sendo um dos seus melhores livros, talvez porque ali se revela de maneira mais acentuada o humor judaico do autor.

Gosto também do “Indignação” – a história é forte. “Nêmesis", o livro comentado pelo Pondé, ainda não li.

O único livro de Roth que deixei pela metade foi “Casei com uma comunista”. A história não empolgou, mas devo retomá-lo porque a prosa de Roth também me agrada.

A prosa de Roth é despojada, jornalística, quase imperceptível, nunca se apresenta como um personagem a mais na história, a exemplo do estilo de J.M. Coetzee, outro escritor sóbrio e impactante o qual também acompanho.

Coetzee ganhou o Nobel, e Roth já deveria ter sido premiado.

Abs.
Anônimo disse…
Acho que o problema do Pondé é TER que escrever algo novo toda semana. O cara não tem tempo de reciclar suas idéias e acaba escrevendo qualquer coisa só pra cumprir contrato, acaba ficando dissonante.
Anônimo disse…
Obrigado pelo retorno e pela sugestão, Paulo. Vou ler alguma coisa do J.M. Coetzee. Gosto muito da Literatura mais crua, mas que ao mesmo tempo nos deixa algo de importante pra "quebra a cabeça" depois.

Abs.
Anônimo disse…
Ponde tenta ser o shop na lan house

Tenta fazer uma imitação, mas é cuspido e escarrado...
Nunca li Roth, mas com a indicação do Paulopes fiquei muito interessado em ler alguns de seus livros. Boa leitura nunca é demais. :)
Anônimo disse…
Caraca!que cara mais chato esse tal pondé,com esse texto empolado e direitista deve agradar muito paulopes!
Anônimo disse…
Até hoje não entendi o que é esse tal de "ateísmo militante" ou quem é um "ateu militante",alguém já viu um? Fico imaginando grupos interrompendo cultos, depredando templos, espancando crentes...será delírio: lenda urbana?

Bruce
Anônimo disse…
Em minha humilde modéstia penso que o objetivo do ateismo militante seria o de mandar prender pessoas que desmascarem os milagres dos ateus.Mas agora tou confuso... Ah não quem faz isso é a igreja católica! Mas ateismo militante faz o que mesmo?
Ricardo de Almeida disse…
Anônimo,

Nunca ouviu falar em Richard Dawkins? E nos out-doors que andaram espalhando por Londres sobre os ateus famosos e "bonzinhos" em contraposição aos religiosos famosos e "malvados"? E na galerinha que fica postando textos nas redes sociais dizendo que os países com maioria de ateus são os que têm melhores níveis de vida do mundo?
Anônimo disse…
Militância de internet é boa! Conte outra piada...

Bruce
Ricardo de Almeida disse…
Você precisa urgentemente mudar sua ideia do que seja "militância". Não é só pegar em armas e tocar o terror não, meu caro. Nunca ouviu falar em militância intelectual?
Anônimo disse…
Rapaz, os ateus do Brasil, por exemplo, não chegam a 7% da população; contando que TODOS ateus estivessem panfletando na net, ainda sim seria um percentual baixíssimo. Só mesmo um oportunista como Pondé e algum boçal seu seguidor para crer/temer esta "ameaça".

Bruce
Anônimo disse…
Philip Roth ganhou o Booker em 2010, pelo ótimo "The Humbling".

Mario
Ricardo de Almeida disse…
Ninguém falou em "ameaça" e ninguém falou apenas do Brasil. Apenas foi dito que existe, sim, uma espécie de ateísmo militante, não algo do tipo que queira "cortar cabeças", claro. Mas que existe, existe. Tem que ser cego para não ver.
Ricardo de Almeida disse…
Só para constar, eu costumo discordar de 90% do que o Pondé diz. Mas este caso faz parte dos 10%.
Você quer algo ainda mais trágico e sacrificial do que o cristianismo, Pondê?

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