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Ser humano só revela o que tem de melhor quando é esmagado

Título original: 'Bonequinha de Luxo'

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Não sou daqueles que acha o passado melhor que o presente, mas no cinema americano, às vezes, temo que isso seja verdade. Salvo algumas exceções, claro, como Clint Eastwood ou Debra Granik (autora do grandioso "Inverno da Alma", no original, Winter's Bone, título maravilhoso), todo mundo só quer fazer filmes para gente com idade mental de cinco anos ou ensinar as pessoas a serem melhores.

Todo artista que quer fazer o mundo melhor com sua arte é mau artista ou mau-caráter. Oscar Wilde suspeitava da poesia sincera e eu, da arte engajada. "Arte do bem" é arte menor e chata.

Revi o maravilhoso "Bonequinha de Luxo", de Blake Edwards, de 1961, com Audrey Hepburn e George Peppard. A última cena, ela arrependida, procurando o gato que abandonara num beco sujo, e, logo depois, os dois se beijando sob uma forte chuva, misturando as lágrimas às gotas que caem do céu, é um louvor ao amor romântico, como redenção de uma vida vazia em meio às ambições de sucesso e reconhecimento social.
Peppard salva a bonequinha de luxo (Hepburn) de uma vida miserável em meio a ansiedade por status e por luxo. A miséria moral é sempre humana, demasiado humana. A grandeza humana, por sua vez, só é verdadeiramente visível diante dessa miséria.

"Bonequinha de Luxo" foge da fórmula idiota dos filmes românticos da atualidade que seguem a chave de sempre ver o homem como um ser insensível, estúpido, mentiroso e incapaz de amar de verdade.

Degrada-se a imagem do homem fazendo dele um macaco inútil. Essa imagem do homem é tão falsa quanto a de que homens gostam de mulheres burras. Mulheres burras, apenas e unicamente quando bonitas, servem para relações curtas, depois cansam. Nem só de pernas vive o homem, mas também do verbo feminino.

O roteiro dessas bobagens é assim: ele se declara, ela se faz de difícil, mas acaba dizendo que o ama, ele se desespera porque ela vai descobrir que ele mentiu em algum momento, ela descobre inevitavelmente sua mentira, o repele sob o signo de que mulheres não suportam mentiras (em si uma mentira) e, finalmente, ele confessa que não presta e ela o aceita de volta sob a promessa dele de que jamais mentirá again.

Grande exemplo de romantismo para idiotas. O problema com estas fórmulas é que elas humilham o ser humano ao invés de erguê-lo, porque nós só temos alguma dignidade depois de mergulhar no abismo. O abismo (o sofrimento dos heróis) nestes filmes é de brincadeirinha, como tudo mais hoje em dia quando se fala de moral.

Vivemos numa época tomada pela fúria de um "bem idiota". O ser humano só revela o que há de melhor nele quando é esmagado.

A "bonequinha" é uma candidata a amante de luxo nos anos 1960 em Nova York, ansiosa por ser amada, mas no fundo morrendo de medo de amar. Ele, um escritor jovem e desconhecido, é um gigolô sustentado por uma milionária entediada. Portanto, ambos são a mesma coisa. Vivem em festas cabeças de riquinhos que mostram o início dos anos 1960, regadas a muito álcool.

O filme mostra como os anos 1960 foram em grande parte um engodo: supostamente liberal e contra o sistema, mas em grande parte apenas uma festa do cabide em que os liberados fugiam de si mesmos o tempo todo. A vida é quase sempre insuportável, e os anos 1960 inventaram uma forma nova de mentir sobre isso: a revolução sexual.

Ele a salva quando a faz perder o medo de investir no amor que um sente pelo outro. A cena do táxi, segundos depois de ela abandonar seu gato na sarjeta em meio a tempestade, é o ápice da tensão dramática: ela joga seu gato na sarjeta como fazia consigo mesma. Desafiada pela fala dele "você é uma covarde", ela rompe o círculo da futilidade afetiva.

A diferença entre este final feliz e o dos filmes atuais é que "nunca mais minta pra mim" é papo de bobo, enquanto que ter medo de amar é coisa de gente grande que sabe o risco que é o amor.

Tristes tempos os nossos nos quais todo mundo dá gargalhada numa festa contínua, fingindo que sexo é "a" questão, quando o verdadeiro desafio é outro.

Diante do amor, sexo sem amor é para iniciantes.

Só quem perdeu a esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral.
abril de 2012

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Geralmente acho os textos do Pondé cansativos, preconceituosos e, às vezes, até confusos. Mas esse é bastante interessante. Só acho que a verdade na arte nem sempre é a mesma verdade da vida. E que a revolução sexual é um avanço humano em vários sentidos. Também concordo que a imagem ridícula que o cinema faz do homem é o retrato da misandria do nosso tempo. Por isso costuma ser difícil um homem gostar dos romances de vinte anos pra cá. Salvo heroicas exceções pontuais, o homem e a mulher do cinema passaram a ser vistos como o mentiroso e a pobrezinha (muito diferente do mundo que eu vejo!)
Anônimo disse…
Fiquei com do do gatinho,. o resto é a miseravel condição humana.
Unknown disse…
Estou com o Pondé. Os filmes românticos de hoje são insuportáveis para quem tem um mínimo de inteligência e honestidade. Mas eu iria além. Os tempos atuais, no que diz respeito à arte, estão bem pobres, medíocres. Quer seja no cinema, na música, na literatura, não vemos mais artistas impactando o público com inteligência e bom gosto. O impacto a que estamos sujeitos,hoje, é o impacto proporcionado pelo mau gosto.
Anônimo disse…
Os revolucionários do sexo trocaram de lugar hoje com os crentes. Crentes também são assim: dizem que não mentem, que o ser humano é bonzinho, que tudo é uma coisa gerada pelo meio... Gostaria de saber porque que as pessoas, quando querem melhorar a educação, saúde, essas coisas, tem que fazer lavagem cerebral nas outras.
Wendell disse…
Por crentes, creio que você não está se referindo aos cristãos. De acordo com o cristianismo o ser humano é extremamente mentiroso e "desesperadamente corrupto".

Esse "crentes" com certeza não são os religiosos, mas o pessoal de esquerda e do humanismo.
Anônimo disse…
Pois é... Pondé se sai melhor como crítico de cinema do que como filósofo.


Charles
Wickedman disse…
O pessoal do humanismo diz que o ser humano é bonzinho? Desde quando?
Anônimo disse…
O ser humano so mostra sua verdadeira personalidade quando esta por cima, porque quanto estão por baixo todos são bonzinhos.
Anônimo disse…
Creio eu que a queda de qualidade na arte atualmente se deve a massificação da arte, onde o objetivo é o lucro, e não a qualidade.

Winston Smith
romulo disse…
Lembrei de uma conversa que entreouvi outro dia, entre duas amigas. Uma delas disse "maldito sujeito que inventou a pílula, depois dessa tal revolução sexual as mulheres tem que trabalhar fora e ainda tem que cuidar da casa, dos filhos e ser uma boa esposa". E a segunda respondeu sabiamente, "a diferença é que agora nós podemos escolher".

Mas apesar dessa revolução sexual ter acontecido em algumas camadas da sociedade, o mundo continua sendo um patriarcado machista, majoritariamente. Tem gente falando em misandria, inclusive o próprio Pondé nas entrelinhas, como se filmes americanos fossem, em qualquer época, algum retrato verossímil da realidade. Queria ver as mesmas pessoas terem os nervos para se colocar contra a lei Maria da Penha, por exemplo - que vale lembrar, é uma clara contradição ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei - mas mesmo assim não deixa de ser necessária. No caso do Pondé, eu até que não duvidaria, ele profere tantos absurdos que esse seria só mais um... mas com ou sem a coragem de dizer, me parece que ele pensa assim "Pra que lei Maria da Penha? É sendo esmagado que o ser humano, incluindo mulheres, mostra o melhor de si."
Anônimo disse…
Bom, pelo que lembro da ICAR, ela nunca diz que o ser humano é bonzinho. Lembre-se do pecado original. E também da "obrigação" que os católicos têm de confessarem seus mais abomináveis pecados. Além da fissura católica de fazer você se sentir culpado por tudo, que não merece nada...

Acho a visão católica tão abominável quanto aquela do "bom selvagem"...

Nem um extremo, nem outro.
Wendell disse…
Dois trechos do Manifesto Humanista III:
--------
"Progressivamente as culturas têm trabalhado
para libertar a humanidade das brutalidades da
mera sobreviência, reduzir o sofrimento,
melhorar a sociedade e, desenvolver uma
comunidade global"
--------
"Assim, envolvidos no fluxo da vida,
aspiramos a esta visão com a convicção
informada de que a humanidade tem a
capacidade de progredir em direcção aos seus
mais altos ideais"
--------
O texto completo pode ser obtido em:
http://www.americanhumanist.org/humanism/Humanist_Manifesto_III

Na página, há um link para uma versão em português.
Lomuro disse…
Queria, agora não quer mais.
Anônimo disse…
Que saco estes textos do pondé.
romulo disse…
duh
Olha, dessa vez, por incrível que pareça, concordo com o Pondé, com quase tudo.
Anônimo disse…
Parece que toda a segunda-feira virou o dia de malhar o Pondé! Isto também ficou chato...
Anônimo disse…
Boto Fé
Anônimo disse…
Fazer o quê , né Bode, se só às segundas o Paulo compila os textos do malão? Se publicasse todo dia, todo a gente 'maiava'.
Anônimo disse…
Filmes de hoje só dão o que alguns psicologos chamam " zona de conforto". Quem assiste mais parece que tá fazendo um ECG, e em pouco tempo apaga de vez. O conceito de estranho, que o próprio Freud definiu, e que é tão importante na arte, já está perdendo respiração.

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