Título original: O véu da discórdia
por Hélio Schwartsman para Folha
Fatma Nabil [foto], âncora da TV estatal egípcia, apareceu vestindo um véu no noticiário do meio-dia do último domingo. Durante 30 anos, sob o regime laico de Hosni Mubarak, o hijab era peça proibida para apresentadoras.
Para os religiosos, ao levantar a proscrição, o presidente Mohamed Mursi promove a liberdade, dando a cada mulher o direito de decidir se vai vestir-se com modéstia, como determina o Alcorão. Já para os secularistas, a novidade é só um primeiro passo no plano de assalto ao poder acalentado por Mursi e seus companheiros da Irmandade Muçulmana.
Não sou uma pessoa particularmente religiosa. Na verdade, vejo com desconfiança todos os que proclamam agir sob inspiração de um suposto criador, mas não entendo a marcação cerrada do Ocidente, em especial de alguns movimentos feministas, contra os véus.
Não me entendam mal, defendo com ardor a retirada de símbolos religiosos que o Estado coloque em espaços públicos, como é o caso dos crucifixos em nossos tribunais e até dos hujub na TV estatal. Mas eu paro no poder público. Não creio que seja legítimo forçar um cidadão a abrir mão de utilizar adereços religiosos. Trata-se, afinal, da mais elementar das liberdades civis, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la pacificamente.
Pode-se argumentar que, em certos casos, a mulher se enfia num manto por imposições machistas de pais, irmãos e da sociedade. Mas, a menos que eliminemos até as versões mais fracas do livre-arbítrio, precisamos acreditar que mulheres de nível universitário que não apanham em casa e dizem querer usar o véu estão exprimindo sua vontade.
No fundo, o que está em jogo aqui é se agendas coletivas, personificadas no Estado, têm prevalência sobre o indivíduo ou vice-versa. De minha parte, penso que o Estado contemporâneo deve servir ao indivíduo, e não o contrário, como sempre foi a regra.
Modelo de biquíni e véu posa para campanha anti-islâmica na Bélgica.
fevereiro de 2012
Religião no Estado laico.
por Hélio Schwartsman para Folha
Após 30 anos de proibição, TV mostra apresentadora com hijab |
Para os religiosos, ao levantar a proscrição, o presidente Mohamed Mursi promove a liberdade, dando a cada mulher o direito de decidir se vai vestir-se com modéstia, como determina o Alcorão. Já para os secularistas, a novidade é só um primeiro passo no plano de assalto ao poder acalentado por Mursi e seus companheiros da Irmandade Muçulmana.
Não sou uma pessoa particularmente religiosa. Na verdade, vejo com desconfiança todos os que proclamam agir sob inspiração de um suposto criador, mas não entendo a marcação cerrada do Ocidente, em especial de alguns movimentos feministas, contra os véus.
Não me entendam mal, defendo com ardor a retirada de símbolos religiosos que o Estado coloque em espaços públicos, como é o caso dos crucifixos em nossos tribunais e até dos hujub na TV estatal. Mas eu paro no poder público. Não creio que seja legítimo forçar um cidadão a abrir mão de utilizar adereços religiosos. Trata-se, afinal, da mais elementar das liberdades civis, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la pacificamente.
Pode-se argumentar que, em certos casos, a mulher se enfia num manto por imposições machistas de pais, irmãos e da sociedade. Mas, a menos que eliminemos até as versões mais fracas do livre-arbítrio, precisamos acreditar que mulheres de nível universitário que não apanham em casa e dizem querer usar o véu estão exprimindo sua vontade.
No fundo, o que está em jogo aqui é se agendas coletivas, personificadas no Estado, têm prevalência sobre o indivíduo ou vice-versa. De minha parte, penso que o Estado contemporâneo deve servir ao indivíduo, e não o contrário, como sempre foi a regra.
fevereiro de 2012
Religião no Estado laico.
Comentários
Eh so perguntar porque eh somente na regiao de muculmanos que as mulheres resolves usar de "expontanea" vontade essas roupas?
No Egito, cada vez mais, trata-se de medo de apanhar na rua, nada mais que isso.
Eu acho muito complicado defender coisas assim como se fossem liberdades.
Somos culturalmente propensos a aceitar certos tipos de roupas conforme a cultura que estamos inseridos. Aceitamos ver homens sem camisa, porém uma mulher sem camisa seja onde for vai chamar muito a atenção. Será que assim como as mulheres da nossa cultura não se sentem bem andar sem camisa, essas mulheres talvez não se sintam bem andar sem o véu.
Acho que a proibição é errada. Não importa o motivo, seja ele religioso ou cultural.
Isto. Exatamente isto. E um viva ao livre-arbítrio e a liberdade de expressão.
"Pode-se argumentar que, em certos casos, a mulher se enfia num manto por imposições machistas de pais, irmãos e da sociedade. Mas, a menos que eliminemos até as versões mais fracas do livre-arbítrio, precisamos acreditar que mulheres de nível universitário que não apanham em casa e dizem querer usar o véu estão exprimindo sua vontade."
A essência do comentário do jornalista está justamente nessa parte do texto .
Criticar tão rapidamente e taxar tudo e qualquer coisa de fanatismo, de lavagem cerebral, etc, é bastante arriscado, sobretudo quando não se vivencia, ou compreende profundamente a cultura de um povo, suas raízes, suas tradições, religião, e suas motivações.
o novo governo está exigindo o adereço.
A França e o Saco de Enfiar Mulheres
http://bulevoador.com.br/2011/10/27863/
A questão é mais complexa e mais difícil de solucionar que a simples escolha de mulheres em usar véus. Embora eu concorde com o Helio em praticamente tudo, acho que nesse caso há aspectos que ele deixou de fora em sua análise.
A confusão entre véu, um adereço quase inofensivo, e a burca, um saco de enfiar mulheres, sempre é usada pelos fundamentalistas para disfarçar suas intenções básicas, tirar a identidade das mulheres, e mante-las em posição de submissão e opressão.
Cogita Tibi
Favoráveis e contrários ao tema em discussão se manifestam racionalmente, sem hostilizações mútuas, de maneira mais inteligente do que eu costumo ler muitas vezes neste blog.
Além disso, o fundamental conceito da tolerância à diversidade está o tempo todo sendo considerada.
São poucas as manifestações, mas que valem mais que centenas de comentários fundamentalistas estúpidos, desinteressantes e vazios.
Postar um comentário