Título original: O terremoto que abalou a ciência
por Eliane Brum para Época
Um tribunal italiano condenou recentemente sete especialistas – quatro cientistas, dois engenheiros e um funcionário público – a seis anos de prisão por homicídio culposo (sem intenção de matar). Seu crime: não ter previsto o terremoto que destruiu a cidade de L’Aquila. A condenação gerou protestos no mundo inteiro. Uma carta de apoio aos réus, assinada por 5 mil cientistas, foi entregue ao presidente da Itália, Giorgio Napolitano. O ponto principal contra a decisão da Justiça, presente em todas as manifestações, é: “A Ciência, hoje, não tem meios para prever um terremoto. Logo, os cientistas não podem ser responsabilizados por algo que está além da sua capacidade”.
A questão que me parece interessante pensarmos é justamente o avesso: por que o tribunal e a população de L’Aquila acreditaram que a Ciência poderia prever o terremoto, a ponto de centenas perderem a vida e milhares perderem suas casas em nome dessa crença?
Primeiro, os fatos. Em 2009, uma série de tremores atingiu a região de L’Aquila, no centro da Itália, durante meses. Em 6 de abril daquele ano, um terremoto de 6,3 graus destruiu L’Aquila, matando mais de 300 pessoas, ferindo 1500 e deixando cerca de 65 mil desabrigados, além de reduzir o patrimônio histórico e artístico a escombros. Seis dias antes, os sete especialistas, que integravam a Comissão Nacional de Grandes Riscos, haviam se reunido na cidade. Depois de mais de um ano de julgamento, o tribunal acolheu a tese da promotoria: “Os cientistas deram informações inexatas, incompletas e contraditórias”. Ao subestimarem a possibilidade de ocorrer um terremoto de grandes proporções, teriam levado as autoridades a não tomarem providências e a população a não se proteger.
Em uma carta ao presidente italiano, Alan Leshner, CEO da poderosa American Association for the Advancement of Science (Associação Americana para o Avanço da Ciência), enumera os principais argumentos contra a criminalização dos cientistas: 1) As acusações são injustas e ingênuas, na medida em que não há método científico capaz de prever terremotos com precisão; 2) Não é razoável esperar mais do que os cientistas podem fazer com o conhecimento atualmente disponível; 3) Condenar cientistas por supostamente falharem em previsões hoje impossíveis terá efeitos perigosos para o conjunto da Ciência, na medida em que inibirá a livre troca de ideias e a circulação de conhecimento, fundamentais para o avanço de pesquisas científicas de grande interesse público.
São colocações pertinentes e sensatas. Não há conhecimento científico suficiente para prever terremotos, logo não é justo responsabilizar cientistas por não preverem o que não pode ser previsto. Argumentos como estes foram usados pela defesa durante o julgamento, mas foram vencidos por depoimentos como o de Guido Fioravanti, que perdeu o pai no terremoto. Ele contou ter ligado para a mãe, logo depois do primeiro tremor: “Lembro-me do medo em sua voz. Em outras ocasiões, eles teriam fugido. Mas, naquela noite, com meu pai, eles repetiram a si próprios o que a comissão de risco tinha dito. E permaneceram”.
Ciência e o método científico
são o oposto do dogma
De volta, então, à pergunta do início desta coluna: por que os cidadãos de L’Aquila interpretaram a incerteza da comissão sobre a possibilidade de um terremoto de grandes proporções como certeza, a ponto de permanecerem na cidade mesmo depois do primeiro tremor mais forte?
A Ciência e o método científico são o oposto do dogma. Esta é justamente a sua beleza. Ao contrário da Religião, onde a premissa do fiel é a fé, na Ciência é preciso duvidar. O processo científico não é impulsionado por certezas, mas por dúvidas. E é por causa delas que usufruímos das descobertas impressionantes que se fazem presentes em todas as áreas do nosso cotidiano. Enquanto na Religião é imperativo crer, na Ciência é obrigatório duvidar, testar, provar. A incerteza é, portanto, matéria primordial da Ciência. É sua força – e não sua fraqueza.
O problema é quando a Ciência é interpretada a partir das premissas da Religião. Quando suas conclusões – ou mesmo a falta delas, como foi o caso italiano – são recebidas como dogmas, verdades absolutas e inquestionáveis. Talvez seja isso que possa ter acontecido no terremoto de L’Aquila.
Para os cientistas, como o americano Alan Leshner, é muito claro que – ainda – não se pode prever a ocorrência de um terremoto. E, no caso da Ciência, o “ainda” é muito importante, porque é provável que, no futuro, seja possível prever um terremoto. Mas, por enquanto, o que se pode fazer é reconhecer áreas com risco de abalos sísmicos e tomar precauções para minimizar os danos, como reforçar a estrutura dos prédios – o que está longe de ser pouca coisa. Leshner definiu as acusações contra os cientistas como “ingênuas”. Como se dissesse: “Ora, todo mundo sabe que não se pode prever um terremoto, como eles não sabiam disso”?
Para o pai de Guido Fioravanti e outros tantos milhares de cidadãos de L’Aquila, porém, não era nada óbvio. Para a maior parte da população, se havia possibilidade de um terremoto, os cientistas teriam avisado. Como não avisaram, eles permaneceram em suas casas – e por isso morreram.
Foi um ato de má fé dos cientistas? Não. Foi um ato de má fé da população de L’Áquila? De certa forma, sim. Má fé no sentido de que a Ciência demanda razão – e eles escutaram a palavra dos cientistas como crentes. Os cientistas diziam, possivelmente com palavras menos claras: “Não podemos prever” ou “Não temos certeza”. E a população entendeu: “Não vai acontecer”.
Agora, é importante pensarmos: a população de L’Aquila entendeu mal apenas por ingenuidade, como sugeriu Alan Leshner? Em parte, sim. Mas não só. É preciso perceber que os cientistas estão implicados nessa interpretação equivocada. Se no senso comum acredita-se que a Ciência pode tudo não é porque o cidadão, na Itália ou aqui, tirou isso da própria cabeça. Nosso cotidiano é povoado por pequenos confrontos com a arrogância exercida em nome da Ciência – hospitais e consultórios médicos são um dos exemplos mais triviais nos quais questionamentos têm grandes chances de serem mal recebidos. De tal forma nossa confiança na infalibilidade da Ciência é incorporada no dia a dia que, quando queremos provar ao nosso interlocutor a veracidade de nosso argumento, declaramos: “É científico”. Mesmo na imprensa, é comum buscar alguma pesquisa científica para emprestar credibilidade a uma tese. E até mesmo crenças religiosas, como o criacionismo, são travestidas por alguns grupos como “teorias científicas” para ganhar prestígio junto aos fiéis, quando suas certezas pertencem apenas ao campo da fé.
A Ciência, seus limites e seus enormes desafios são mal interpretados pela população porque falta divulgação científica de qualidade, cientistas dispostos a explicar ao cidadão quais são as premissas do método científico, as bases para as principais descobertas e o que está em jogo nas decisões sobre o nosso mundo, cada vez mais influenciadas pelo avanço tecnológico. É conhecida a enorme dificuldade que a comunidade científica tem para cumprir sua responsabilidade de se comunicar com a população. Mas também são mal interpretados porque parte dos cientistas esquece sua falibilidade vezes demais na prática cotidiana.
De certa forma, o protesto da comunidade científica internacional pela condenação de seus colegas italianos é: “Por que vocês acharam que a Ciência poderia prever um terremoto”? E a resposta que o pai de Guido Fioravanti talvez pudesse dar, se tivesse sobrevivido, seria: “Porque em algum momento vocês, cientistas, nos levaram a acreditar que podiam tudo”.
Vivemos em uma época em que a ilusão
de controle alcançou níveis perigosos
Embora a comunidade científica internacional tenha interpretado a condenação dos sete especialistas no tribunal italiano como um ataque à Ciência, talvez valha a pena pensar na possibilidade de ter ocorrido o contrário. Familiares de vítimas, promotoria e juiz supervalorizaram tanto a Ciência que deram a ela poderes que não tem. Se parte da população encontra dificuldades para compreender os princípios científicos que tornam possível uma simples lâmpada acender a cada anoitecer ou um avião atravessar o mundo voando em algumas horas, talvez seja difícil acreditar que cientistas tão eminentes não tivessem podido prever um terremoto. E, por isso, concluíram: “Esses homens, que podem tanto, só não nos salvaram porque foram negligentes”.
Os sete condenados estão pagando individualmente por uma crença coletiva. Estão pagando por uma visão da Ciência na qual há muitos protagonistas envolvidos, nas mais diversas esferas da sociedade. Espero que a condenação seja revogada nas instâncias superiores do Judiciário italiano. Mas seria uma pena que o episódio ficasse reduzido a certo e errado, conhecimento e ignorância, “nós que sabemos” contra “vocês, os ingênuos”.
Os 5 mil cientistas que assinaram a carta de protesto contra a condenação têm a obrigação moral de refletir sobre por que milhares de cidadãos de L’Aquila interpretaram a incerteza de seus colegas como certeza. Têm a obrigação moral, também, de compartilhar a responsabilidade sobre essa interpretação equivocada, que resultou na morte de mais de 300 pessoas. Se não fizerem isso, só estarão colaborando para que a Ciência continue a ser mal compreendida, abrindo espaço para novas tragédias humanas, quando não para um julgamento como este, que deixou cada um deles temeroso de divulgar informações científicas relevantes para o público, porque poderão ser julgados depois não pelo que sabem, mas pelo que não sabem.
Há ainda uma outra dimensão sobre a qual vale a pena pensar. Vivemos numa época na qual a ilusão de controle alcançou níveis perigosos. Diante da nossa abissal fragilidade, da incerteza de estar vivo no dia seguinte, do imponderável que trespassa cada existência, agarramo-nos a qualquer fantasia de poder controlar e impedir catástrofes. Mas se avançamos imensamente, em grande parte por causa da Ciência, continuamos presos ao nosso trágico destino humano, no qual a única certeza é o fim. Talvez ainda mais difícil de aceitar, agora que já conquistamos tanto.
Ao sentir o chão tremer debaixo dos seus pés, talvez o pai de Guido Fioravanti tenha atribuído poderes à Ciência semelhantes aos emprestados pelos homens pré-históricos aos primeiros deuses. Como não podem botar nenhuma divindade no banco dos réus, os cidadão de L’Aquila, devastados pela dor, culpam aqueles que encarnam um lugar de grande poder, saber e prestígio no mundo atual. Continuam sem querer perder as ilusões de controle, sem conseguir lidar com a incerteza de que outro terremoto não vá acabar com tudo outra vez. Os sobreviventes de L’Aquila podem estar punindo os cientistas por uma promessa que talvez nunca seja cumprida: a de que a Ciência um dia possa nos salvar de nosso destino mortal. Uma fábula que, como sabemos, os cidadãos de L’Aquila não inventaram sozinhos.
Tweet
Nobel da Academia Pontifícia diz a bispos que a evolução é fato
outubro de 2012
Ciência versus religião.
por Eliane Brum para Época
"Incerteza é a matéria primordial da Ciência, é a sua força" |
A questão que me parece interessante pensarmos é justamente o avesso: por que o tribunal e a população de L’Aquila acreditaram que a Ciência poderia prever o terremoto, a ponto de centenas perderem a vida e milhares perderem suas casas em nome dessa crença?
Primeiro, os fatos. Em 2009, uma série de tremores atingiu a região de L’Aquila, no centro da Itália, durante meses. Em 6 de abril daquele ano, um terremoto de 6,3 graus destruiu L’Aquila, matando mais de 300 pessoas, ferindo 1500 e deixando cerca de 65 mil desabrigados, além de reduzir o patrimônio histórico e artístico a escombros. Seis dias antes, os sete especialistas, que integravam a Comissão Nacional de Grandes Riscos, haviam se reunido na cidade. Depois de mais de um ano de julgamento, o tribunal acolheu a tese da promotoria: “Os cientistas deram informações inexatas, incompletas e contraditórias”. Ao subestimarem a possibilidade de ocorrer um terremoto de grandes proporções, teriam levado as autoridades a não tomarem providências e a população a não se proteger.
Em uma carta ao presidente italiano, Alan Leshner, CEO da poderosa American Association for the Advancement of Science (Associação Americana para o Avanço da Ciência), enumera os principais argumentos contra a criminalização dos cientistas: 1) As acusações são injustas e ingênuas, na medida em que não há método científico capaz de prever terremotos com precisão; 2) Não é razoável esperar mais do que os cientistas podem fazer com o conhecimento atualmente disponível; 3) Condenar cientistas por supostamente falharem em previsões hoje impossíveis terá efeitos perigosos para o conjunto da Ciência, na medida em que inibirá a livre troca de ideias e a circulação de conhecimento, fundamentais para o avanço de pesquisas científicas de grande interesse público.
São colocações pertinentes e sensatas. Não há conhecimento científico suficiente para prever terremotos, logo não é justo responsabilizar cientistas por não preverem o que não pode ser previsto. Argumentos como estes foram usados pela defesa durante o julgamento, mas foram vencidos por depoimentos como o de Guido Fioravanti, que perdeu o pai no terremoto. Ele contou ter ligado para a mãe, logo depois do primeiro tremor: “Lembro-me do medo em sua voz. Em outras ocasiões, eles teriam fugido. Mas, naquela noite, com meu pai, eles repetiram a si próprios o que a comissão de risco tinha dito. E permaneceram”.
Ciência e o método científico
são o oposto do dogma
De volta, então, à pergunta do início desta coluna: por que os cidadãos de L’Aquila interpretaram a incerteza da comissão sobre a possibilidade de um terremoto de grandes proporções como certeza, a ponto de permanecerem na cidade mesmo depois do primeiro tremor mais forte?
A Ciência e o método científico são o oposto do dogma. Esta é justamente a sua beleza. Ao contrário da Religião, onde a premissa do fiel é a fé, na Ciência é preciso duvidar. O processo científico não é impulsionado por certezas, mas por dúvidas. E é por causa delas que usufruímos das descobertas impressionantes que se fazem presentes em todas as áreas do nosso cotidiano. Enquanto na Religião é imperativo crer, na Ciência é obrigatório duvidar, testar, provar. A incerteza é, portanto, matéria primordial da Ciência. É sua força – e não sua fraqueza.
O problema é quando a Ciência é interpretada a partir das premissas da Religião. Quando suas conclusões – ou mesmo a falta delas, como foi o caso italiano – são recebidas como dogmas, verdades absolutas e inquestionáveis. Talvez seja isso que possa ter acontecido no terremoto de L’Aquila.
Para os cientistas, como o americano Alan Leshner, é muito claro que – ainda – não se pode prever a ocorrência de um terremoto. E, no caso da Ciência, o “ainda” é muito importante, porque é provável que, no futuro, seja possível prever um terremoto. Mas, por enquanto, o que se pode fazer é reconhecer áreas com risco de abalos sísmicos e tomar precauções para minimizar os danos, como reforçar a estrutura dos prédios – o que está longe de ser pouca coisa. Leshner definiu as acusações contra os cientistas como “ingênuas”. Como se dissesse: “Ora, todo mundo sabe que não se pode prever um terremoto, como eles não sabiam disso”?
Para o pai de Guido Fioravanti e outros tantos milhares de cidadãos de L’Aquila, porém, não era nada óbvio. Para a maior parte da população, se havia possibilidade de um terremoto, os cientistas teriam avisado. Como não avisaram, eles permaneceram em suas casas – e por isso morreram.
Foi um ato de má fé dos cientistas? Não. Foi um ato de má fé da população de L’Áquila? De certa forma, sim. Má fé no sentido de que a Ciência demanda razão – e eles escutaram a palavra dos cientistas como crentes. Os cientistas diziam, possivelmente com palavras menos claras: “Não podemos prever” ou “Não temos certeza”. E a população entendeu: “Não vai acontecer”.
Agora, é importante pensarmos: a população de L’Aquila entendeu mal apenas por ingenuidade, como sugeriu Alan Leshner? Em parte, sim. Mas não só. É preciso perceber que os cientistas estão implicados nessa interpretação equivocada. Se no senso comum acredita-se que a Ciência pode tudo não é porque o cidadão, na Itália ou aqui, tirou isso da própria cabeça. Nosso cotidiano é povoado por pequenos confrontos com a arrogância exercida em nome da Ciência – hospitais e consultórios médicos são um dos exemplos mais triviais nos quais questionamentos têm grandes chances de serem mal recebidos. De tal forma nossa confiança na infalibilidade da Ciência é incorporada no dia a dia que, quando queremos provar ao nosso interlocutor a veracidade de nosso argumento, declaramos: “É científico”. Mesmo na imprensa, é comum buscar alguma pesquisa científica para emprestar credibilidade a uma tese. E até mesmo crenças religiosas, como o criacionismo, são travestidas por alguns grupos como “teorias científicas” para ganhar prestígio junto aos fiéis, quando suas certezas pertencem apenas ao campo da fé.
A Ciência, seus limites e seus enormes desafios são mal interpretados pela população porque falta divulgação científica de qualidade, cientistas dispostos a explicar ao cidadão quais são as premissas do método científico, as bases para as principais descobertas e o que está em jogo nas decisões sobre o nosso mundo, cada vez mais influenciadas pelo avanço tecnológico. É conhecida a enorme dificuldade que a comunidade científica tem para cumprir sua responsabilidade de se comunicar com a população. Mas também são mal interpretados porque parte dos cientistas esquece sua falibilidade vezes demais na prática cotidiana.
De certa forma, o protesto da comunidade científica internacional pela condenação de seus colegas italianos é: “Por que vocês acharam que a Ciência poderia prever um terremoto”? E a resposta que o pai de Guido Fioravanti talvez pudesse dar, se tivesse sobrevivido, seria: “Porque em algum momento vocês, cientistas, nos levaram a acreditar que podiam tudo”.
Vivemos em uma época em que a ilusão
de controle alcançou níveis perigosos
Embora a comunidade científica internacional tenha interpretado a condenação dos sete especialistas no tribunal italiano como um ataque à Ciência, talvez valha a pena pensar na possibilidade de ter ocorrido o contrário. Familiares de vítimas, promotoria e juiz supervalorizaram tanto a Ciência que deram a ela poderes que não tem. Se parte da população encontra dificuldades para compreender os princípios científicos que tornam possível uma simples lâmpada acender a cada anoitecer ou um avião atravessar o mundo voando em algumas horas, talvez seja difícil acreditar que cientistas tão eminentes não tivessem podido prever um terremoto. E, por isso, concluíram: “Esses homens, que podem tanto, só não nos salvaram porque foram negligentes”.
Os sete condenados estão pagando individualmente por uma crença coletiva. Estão pagando por uma visão da Ciência na qual há muitos protagonistas envolvidos, nas mais diversas esferas da sociedade. Espero que a condenação seja revogada nas instâncias superiores do Judiciário italiano. Mas seria uma pena que o episódio ficasse reduzido a certo e errado, conhecimento e ignorância, “nós que sabemos” contra “vocês, os ingênuos”.
Os 5 mil cientistas que assinaram a carta de protesto contra a condenação têm a obrigação moral de refletir sobre por que milhares de cidadãos de L’Aquila interpretaram a incerteza de seus colegas como certeza. Têm a obrigação moral, também, de compartilhar a responsabilidade sobre essa interpretação equivocada, que resultou na morte de mais de 300 pessoas. Se não fizerem isso, só estarão colaborando para que a Ciência continue a ser mal compreendida, abrindo espaço para novas tragédias humanas, quando não para um julgamento como este, que deixou cada um deles temeroso de divulgar informações científicas relevantes para o público, porque poderão ser julgados depois não pelo que sabem, mas pelo que não sabem.
Há ainda uma outra dimensão sobre a qual vale a pena pensar. Vivemos numa época na qual a ilusão de controle alcançou níveis perigosos. Diante da nossa abissal fragilidade, da incerteza de estar vivo no dia seguinte, do imponderável que trespassa cada existência, agarramo-nos a qualquer fantasia de poder controlar e impedir catástrofes. Mas se avançamos imensamente, em grande parte por causa da Ciência, continuamos presos ao nosso trágico destino humano, no qual a única certeza é o fim. Talvez ainda mais difícil de aceitar, agora que já conquistamos tanto.
Ao sentir o chão tremer debaixo dos seus pés, talvez o pai de Guido Fioravanti tenha atribuído poderes à Ciência semelhantes aos emprestados pelos homens pré-históricos aos primeiros deuses. Como não podem botar nenhuma divindade no banco dos réus, os cidadão de L’Aquila, devastados pela dor, culpam aqueles que encarnam um lugar de grande poder, saber e prestígio no mundo atual. Continuam sem querer perder as ilusões de controle, sem conseguir lidar com a incerteza de que outro terremoto não vá acabar com tudo outra vez. Os sobreviventes de L’Aquila podem estar punindo os cientistas por uma promessa que talvez nunca seja cumprida: a de que a Ciência um dia possa nos salvar de nosso destino mortal. Uma fábula que, como sabemos, os cidadãos de L’Aquila não inventaram sozinhos.
Tweet
Nobel da Academia Pontifícia diz a bispos que a evolução é fato
outubro de 2012
Ciência versus religião.
Comentários
Ensinar o método científico, como e porque se chegam à determinadas conclusões.
Mostrar que a dúvida não é algo ruim e deve ser o estímulo à pesquisa.
Ciências pode ser muito estimulante e divertido.
Enquanto formos um povo dependente de ciências, mas, ao mesmo tempo, afastado da compreensão da mesma, iremos cometer atrocidades como essa.
Teremos mais tapados e ignorantes mais preocupados com a sexualidade alheia, com lendas e mitos da Idade do Bronze, com pessoa "especialistas" em interpretar o contexto de um livro dito sagrado, pra saber o que um lenda "quis dizer na verdade".
O método científico abre os olhos e a mente, o obscurantismo da religião, nos cega e amedronta.
Essa cidade é conhecida historicamente por sofrer de tempos em tempos abalos sísmicos. Uma pesquisa simples no Google informa que durante séculos, senão milênios, a cidade de L’Aquila é uma região passível de sofrer esses abalos, como de fato tem acontecido.
Posto isso, vemos que no ano de 2009, ano do desastre em questão, antes da ocorrência fatídica, a cidade teria sofrido uma série de pequenos abalos, indicando que algo de grandes proporções poderia acontecer. “Poderia”, sim, essa é a palavra, pois, por mais lógica que possa ser uma previsão sismológica, ela é apenas isso, uma previsão. Falo aqui em previsão, mas não me refiro à previsão científica propriamente dita. Falo da previsão baseada em senso comum.
Oras, se eu moro em um local desses, e percebo durante semanas ou meses que o chão está tremendo, é sério, eu é que não vou esperar pelo pior. E se eu decidir por ficar, é mais honesto assumir os riscos de minha decisão, e não culpar nem os cientistas, nem o governo, nem ninguém pelo que pode acontecer de pior.
Aí o cidadão decide ficar em sua casa, mesmo com chão tremendo sob seus pés. O pior acontece, e a culpa é do cientista que não tinha como prever a ocorrência.
Que historinha mais ridícula essa. Sinceramente.
cheia de violência. Assim, ele matou
todos os seres vivos para tornar o
mundo menos violento. [ Gn 6:11-13]
D'us falhou porque além de continuar violenta voltou muito mais perigosa com armas muito mais mortiferas que antes.
jesus declara, eu e o pai somos um.
creio que não é necessário exemplificar quais são né.
http://jeovanaoeopai.blogspot.com.br/2012/10/jeova-nao-e-mais-eterno-vai-morrer.html#comment-form
Sabedoria MODE OFF.
"Cientistas no mínimo incompetentes e negligentes. Já passa da hora de estes "cientistas" darem conta de suas afirmações."
Se um cientista descobre um jeito de prever o desastre, e por isso salva um monte de gente, aí vão dizer que foi Deus que operou um "milagre".
Como não foi o caso, então a incompetência e negligência é dos cientistas.
Vai entender esse povo.
Absoluto / perfeito / suficiente / inerrante
Não seriam essas as qualidades do seu Deus?
Até onde eu sei, cientistas conhecem suas limitações, e não tentam operar milagres.
Meu amigo, fala sério!
>> "Cientistas no mínimo incompetentes e negligentes. Já passa da hora de estes "cientistas" darem conta de suas afirmações."
Isso não é negligência e incompetência de cientistas. Se vc parar de ler a bíblia um pouco e pesquisar, vc verá que não tem como prever terremotos.
A ciência é movida pela dúvida e infelizmente não tem respostas pra td (mas pelo menos ela não inventa respostas que não condizem com a realidade, como é o caso das religiões e seus mitos). A ciência não resolve td num passe de mágica como a sua religião te leva a acreditar.
A ciência ajudou, ajuda e ajudará mto a humanidade. É graças à ela que nossa expectativa de vida aumentou e não corremos mais o risco de morrer aos 30 anos por qualquer coisinha.
E a hipocrisia rola solta com vc. Vc acusa os cientistas de não darem conta de suas afirmações sendo que vc tb não dá conta das suas afirmações.
Td o que vc sabe fazer é ser papagaio de bíblia pq vc não sabe argumentar e contra-argumentar. Pra td vc cita passagens da bíblia como se ela fosse a fonte de todo o conhecimento do mundo e como se ela fosse pra ser levada a sério. Bom, vou te dizer uma coisa: a sua bíblia não é a fonte de conhecimento do mundo e ela não é pra ser levada à sério já que a maior parte de suas estórias não passam de mitos.
Vc não sabe pensar por si próprio. Vc deixa a sua religião e a sua bíblia pensarem por vc pq é mais cômodo assim. É cômodo pra vc se contentar com respostas fáceis que não condizem com a realidade e que não passam de mentiras contadas há milhares de anos e que foram inventadas por pessoas que não tinham o conhecimento que temos hj sobre o mundo que nos cerca.
Filho de Abraão
Não é você que diz que há muitas coisas acima da capacidade do homem? Por que está cobrando estes homens por coisas além de sua capacidade? Por que não cobra deus, seu bondoso e infalível deus? Por que ele não avisou seus filhos amados num sonho ou numa oração?
Winston Smith
Desse modo só posso concluir em conveniência. Em índole e caráter humano. Tanto ciência quanto religião são só panos de fundo para algo maior e mais brutal: a natureza humana.
É quase um tapa.
A comentarista acerta ao ver equívocos de todos os lados.
Contra fatos não há teoria de conspiração anti-gay!
Esta Comissão de Magisters, nos states tavez fosse chamada de Magestic Seven, se reuniu pra fazer o quê? Se foi para tranquilizar a população sobre um terremoto fulminante, então eles merecem a sentença! Merecem por que submeteram seu julgamento a interesses políticos, empresariais ou até interesses particulares de manterem altos cargos de caráter científico no Estado.
Ao contrário do que diz o texto da Jornalista, incerteza não é matéria primordial da Ciência, nem é sua força. A matéria primordial da Ciência é o Conhecimento! Este sim, é que dá sustentação e rumo à Ciência! Um Conjunto de práticas fundamentado na dúvida não se chamaria Ciência, e sim algo como "Insciência". Nesta, nunca haveria descrição dos fenômenos, nem previsões; os Inscientistas se reuniríam apenas para comunicar suas dúvidas, suas incertezas e o que não saberíam.
A Incerteza na previsão de terremotos não nos devia trazer segurança, mas sim o contrário. Pois sentir-se seguro diante da incerteza de um fenômeno destruidor pode nos submeter a surpresas ruins. Tudo bem, pode não acontecer nada. Mas só porque as chaces da "ruína" e do "nada" são iguais o Cientista deve ser otimista? Não.
A Análise de Risco ensina que diante da incerteza de um fenômeno perigoso provocar dano ou não, adota-se postura pessimista e introduz-se elementos de controle e condições de segurança. Se não ocorrer nada, ninguém perde nada; se vier a agressão, o dano será mínimo ou inexistente.
Então, orgulho e comprometimento com causas outras que não seja o apego ao Conhecimento fazem do Cientista um jogador que vê as pessoas como cobaias. Me parece que é esta a sensação do Povo de L’Aquila. E, certamente, ele se sentirá mais seguro no futuro, sob a orientação de Cientistas comprometidos somente em fazer Ciência!
Muito bom seu argumento! Me fez considerar o óbvio – “é o conhecimento que move a ciência, e não á dúvida!” Uma correção necessária ao belo texto da Eliane Brum.
Quanto à cautela, é fato que houve uma certa negligência de todos os envolvidos no tal desastre natural.
Como eu já mencionei alhures, se se sabia (e se sabe) que aquela região é afetada por eventos sísmicos periódicos e imprevisíveis, diante da iminência de um possível desastre, o que fazer? Claro está que se deveria ter adotado medidas de prevenção, o que não foi feito.
Agora, se eu moro em um local de risco, e percebo a iminência de um desastre, eu não vou esperar pela opinião de nenhum especialista. Vou sim tomar minhas próprias decisões, e assumir a responsabilidade pelas minhas escolhas.
Jogar a culpa nas autoridades é muito cômodo.
E otimismo e esperança exacerbados são grandes fontes de males para a vida prática. Um tanto de pessimismo e pragmatismo são muitas vezes positivos para evitar tais males.
As pessoas em geral buscam certezas absolutas, e se amparam em qualquer coisa que alimente a sensação de estar sendo conduzido por forças determinísticas maiores: seja a religião, seja a ciência. Um tanto de incerteza e consciência de que fatores aleatórios ("acaso") são constantes no mundo e no Universo não fazem mal a ninguém, pelo contrário.
"'Por que será que tal fenômeno ocorre?' ou 'O que acontece se eu fizer determinado experimento?'"
Não saber não é sinônimo de incerteza e sim de desconhecimento.
Existe diferença entre desconhecimento e incerteza. No primeiro eu não sei o resultado do experimento ou a causa do fenômeno; já na incerteza eu tenho conhecimento das várias causas possíveis do fenômeno e dos vários resultados possíveis do experimento, mas não tenho elementos para identificar, ao certo, uma destas causas ou resultados. A Incerteza se dá nos casos em que a conexão, das várias causas com o fenômeno e dos vários resultados com o experimentos, é puramente aleatória. Ou seja, diversas causas podem gerar um fenômeno e não há preferência sobre nenhuma delas. O mesmo ocorre no caso de certos experimentos e seus resultados.
Postar um comentário