Pular para o conteúdo principal

Lutero é o culpado pela secularização, afirma livro

por Massimo Faggioli
para jornal Europa

Martinho Lutero
Lutero é o
 pai da reforma
 protestante
O catolicismo contemporâneo se debate com a questão da relação com a modernidade: para alguns era a hora de que ocorresse o encontro entre cristianismo e mundo moderno; para outros, a decisão do cristianismo e da Igreja Católica em particular de se abrirem à modernidade foi a decisão mais grave e desastrosa dos últimos cinco séculos.

Uma forma simplista de abordar a questão é dividir os primeiros dos segundos de acordo com as categorias políticas clássicas de "progressistas" e "conservadores". Essa divisão explica algo daquela divisão entre culturas religiosas, mas não é exaustiva, especialmente para a cultura religiosa (cristã e católica) não europeia e anglo-saxônica, e norte-americana em particular.

Um livro essencial para compreender essa questão – que é a questão do cristianismo contemporâneo – é o de Brad Gregory, The Unintended Reformation: How a Religious Revolution Secularized Society (Harvard University Press, 2012, 592 páginas). O livro de Gregory, professor de história da University of Notre Dame, nos Estados Unidos, aborda a questão em livro de peso e referências bibliográficas que não é um exagero definir como intimidatórios.

Segundo a tese do livro, a reforma protestante, embora fosse uma reforma religiosa, causou a secularização do mundo Ocidental: isso com base na decisão dos reformadores religiosos do século XVI de se livrarem de uma cultura filosófica e teológica (a aristotélica e tomista), em nome de um sistema teológico baseado na Bíblia, que abriu as portas a um extremo pluralismo teológico e confessional que, ao longo do tempo, obrigou o Ocidente a se tornar indiferente com relação à questão da verdade.

Na Europa, especialmente, essa situação forçou o Estado moderno a garantir a liberdade religiosa, mas por parte de um poder declarada e crescentemente "secular" não no sentido de ateu ou agnóstico, mas sim no sentido de um poder "secular" que se encarregou de proteger e canalizar as expressões institucionais de busca da verdade religiosa.

O primeiro capítulo se intitula "Excluir Deus", partindo daquela cultura europeia que, no início do século XX (Kafka,Sartre, Beckett), excluiu Deus do horizonte de sentido do ser humano moderno com base no que, no segundo capítulo, Gregory chama de o processo de "relativização das doutrinas", causada pela rejeição da autoridade da Igreja e dos seus ensinamentos, desde o início da Reforma protestante.

Essa relativização da verdade levou, segundo Gregory, ao direito à liberdade religiosa e, em seguida, conduziu o Estado moderno ao "controle das Igrejas" (capítulo três): isso levou a um processo de "subjetivização da moralidade", em um mundo em que se tornou difícil, senão impossível, fazer afirmações sobre a moral que não sejam percebidas como puramente individuais e, portanto, relativas e atacáveis.

Nesse tipo de mundo, segundo Gregory, ideias como "virtude", "significado", "amor ao próximo", "cuidado dos pobres" tornaram-se ideias impraticáveis – senão na prática, certamente na teoria. Daí à criação de um mundo concentrado nas práticas do capitalismo e do consumismo, dominado pelas forças do mercado, a distância é curta e leva a uma "secularização do conhecimento", que excluiu a teologia e as ciências do divino não só das universidades, mas também do cânone das disciplinas úteis, sérias e intelectualmente respeitáveis no Ocidente industrializado.

O livro de Gregory, que leciona na universidade católica mais importante da América do Norte, mas certamente não pode ser contado entre os nostálgicos do catolicismo da apologética antiprotestante, enumera substancialmente uma série de fracassos: o fracasso histórico da reforma protestante, o fracasso da Europa moderna dos Estados confessionais e a crise da ideia de liberdade religiosa e de direitos humanos como utopia difícil de substanciar sem uma ideia de verdade enunciada sobre bases metafísicas.

The Unintended Reformation corre o risco de subestimar a contribuição da reforma ao pôr fim a uma cultura de coerção e de violência em nome de Deus e ao dar início às grandes aquisições no campo dos direitos da consciência. Mas esse livro merece uma tradução italiana, até para ajudar o público e os historiadores italianos a violar de uma vez por todas o tabu que vê, desde sempre, a ideia da Reforma protestante como "progressista" e "liberal", contra uma ideia de catolicismo essencialmente reacionário e devocional.

O livro aponta o dedo contra as fragilidades sociais e políticas da modernidade ocidental, evidenciando as suas raízes teológicas, mas o livro de Gregory não é um livro que espera um retorno à Idade Média: no catolicismo, muitos nostálgicos daquela idade de ouro (que nunca existiu) poderiam aprender muito com esse livro, que é um livro antissecularista mas certamente não conservador ou reacionário.

The Unintended Reformation: How a Religious Revolution Secularized Society
Livro afirma que reforma abriu
portas para um extremo pluralismo
O livro de Brad Gregory é um livro que filosoficamente se baseia em Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, os dois pilares da teologia católica nos Estados Unidos, e que tem entre as suas referências filosóficas contemporâneas pensadores como Alasdair MacIntyre, muito crítico da reviravolta cultural adotada pelo catolicismo no século XX e, especialmente, com o Concílio Vaticano II.

Mas The Unintended Reformation também se propõe como um útil contraponto à visão da modernidade oferecida há apenas alguns anos por Charles Taylor no seu monumental "Uma era secular" (Editora Unisinos, 2010), e como solução definitiva para aquela subespécie de cultura neoateia (Hitchens, Dawkins, Harris, com o seguidor italiano Odifreddi) que, nos últimos anos, lucrou vendendo a ideia de que a ciência é para os inteligentes, e a fé, para os crédulos.

The Unintended Reformation revela-se necessário também para compreender uma parte da cultura católica cada vez mais importante no mundo ocidental e no Vaticano, a do catolicismo norte-americano, cético com relação a uma modernidade econômica e tecnologicamente impiedosa, cada vez menos capaz de dar razão de si mesma, senão por fidelidade ao ídolo do crescimento, que há muito tempo já substituiu a muito mais compreensível ideologia do bem-estar.

Com tradução de Moisés Sbardelotto.





Crentes reagem com violência ao avanço da secularização
novembro de 2011

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Wyllys luta contra a 'poderosa direita religiosa', diz Guardian

Jornal dedicou texto de 700 palavras ao deputado Wyllys disse que se sente como um Don Quixote O jornal britânico The Guardian afirmou que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), 37, na foto, tem sido um guerreiro contra a poderosa direita religiosa brasileira. Nesse embate, afirmou o jornal, “o primeiro deputado federal assumidamente homossexual do Brasil precisa de todo o apoio que puder conseguir”. Comparou Wyllys a Havey Milk (1930-1978), que foi o primeiro político gay assumido dos Estados Unidos  - ele foi assassinado. Wyllys disse ao The Guardian que às vezes, nessa batalha, se sente como dom Quixote. “É uma batalha difícil de combater, mas essa é a minha vocação.” Ele afirmou que pregadores radicais evangélicos avançaram “silenciosamente nos corações e mentes” dos brasileiros. “Agora, estamos começando a perceber a força política em que se tornaram.” Para o deputado, os pastores radicais estão com “as mãos sujas de sangue” porque a sua pregação ince...

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Padre Marcelo diz não gostar de gatos porque eles são traiçoeiros

Igreja Católica já foi perseguida de gatos Em missa para mais de dez mil fiéis e com transmissão pela TV, o padre Marcelo disse no começo de outubro de 2011 que gosta de cachorro, mas não de gato porque se trata de um bicho traiçoeiro. O padre tem três cachorro e foi mordido pelo vira-lata de sua mãe.

Malafaia se refere a Wyllys como deputado ‘safado, mentiroso’

Malafaia disse que ser gay  é um comportamento O pastor Silas Malafaia (foto), 53, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, se referiu como “safado, mentiroso” ao deputado federal segundo o qual a igreja evangélica causa tortura física e psicológica quando se propõe a curar a homossexualidade. Ele não citou o nome do único deputado federal assumidamente gay, Jean Wyllys (PSOL-RJ). Foi esse deputado que recentemente acusou igrejas de causarem  sofrimento aos gays ao considerarem a homossexualidade uma doença que tem cura. Malafaia, que é formado em psicologia, afirmou que “a igreja não cura”, mas propicia a “libertação” [da homossexualidade]. Para ele, “ninguém nasce homossexual” porque se trata de “um comportamento como tantos outros”, a ponto, inclusive, de haver ex-gays. “Existe uma associação de ex-gays”, disse o pastor ao portal iG. “O cara que preside foi travesti em Roma, com silicone no peito e na bunda (ri). Ele é casado há dez anos.” Ele acusou, mais...

Livro mostra o que a Bíblia tem de bizarro, hilário e perturbador

O jornalista americano David Plotz ficou surpreso ao descobrir na Bíblia que Deus tem obsessão por carecas.

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Ateus de 25 cidades confirmam participação em encontro

Encontro também se destina a agnósticos e humanistas em geral Até o momento, jovens ateus, agnósticos e humanistas de 25 cidades de diferentes regiões do Brasil já confirmaram participação no 2º Encontro Nacional de Ateus. O encontro será realizado no dia 17 de fevereiro de 2013 em cada uma das cidades inscritas, sob a coordenação da SR (Sociedade Racionalista). Trata-se de uma entidade que defende os princípios do laicismo, mas não é antirreligiosa, até porque, de acordo com seu site, cultiva o pluralismo de ideias. O vídeo institucional do evento reproduz áudio de uma entrevista onde Drauzio Varella diz que os ateus hoje estão tendo a coragem de “sair do armário”. Também destaca uma famosa frase do cientista britânico Richard Dawkins segundo a qual todos são ateus em relação ao deus ou deuses dos outros. Segundo ele, a diferença em relação aos que se assumem como ateus é que estes não acreditam em deus algum. Segue a relação das cidades já confirmadas, com seus respectiv...