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Estou de volta, agora com o coração recauchutado

Nélson Amério Hossne Jr.
Nélson Hossne Jr. 
fez sutura reforçada
com fio de aço
Algumas pessoas acreditam que nenhum ateu morre descrente porque, para elas, no último instante de vida o ímpio se dobra ao Senhor, para se livrar das labaredas do inferno.

Temi que esse último instante de vida pudesse estar próximo quando notei que, embora o implante de uma safena e de uma mamária tinha sido um sucesso, eu tinha contraído pneumonia no hospital, o que poderia complicar minha recuperação da cirurgia. “Foi um momento de tensão”, admitiria depois o cardiologista Marcos Damião C. Ferreira (na foto logo abaixo).

Mas em nenhum momento me senti tentado a pedir ajuda a alguns dos milhares de deuses — incluindo o papaizão bipolar dos cristãos. A minha salvação foi a ciência, como só poderia ser.

O cirurgião Nélson Américo Hossne Jr. (na foto acima) me mandou aplicar antibióticos de amplo espectro (vancomicina, meropenem e linezolida), debelando a pneumonia. Sai do hospital como entrei: ateu.

Mesmo assim agradeço às pessoas que rezaram por mim. Não acredito em orações, claro, mas me comovo profundamente com pessoas que se sensibilizam com quem sofre e tentam ajudá-lo ao seu modo, com preces, nesse caso. Elas acreditam que, assim, ajudam, e eu respeito a crença de quem quer que seja.

Excluo dessas pessoas aquela que, diante do pedido no Facebook de minha mulher por doadores de sangue (tenho um tipo raro de sangue: B Negativo), e embora devedora de favores, se ofereceu para... orar. A hipocrisia sempre acaba marcando presença.

Se orações resolvessem alguma coisa, os bancos de sangue do país não estariam em falta crônica.

Devo agradecimento a muitas pessoas. A começar por Gabriella Laviola Meirelles, da Sameb (Serviço de Assistência Médica de Barueri), que foi a primeira médica a me socorrer. Ela aplicou os melhores protocolos que exigiam o caso, evitando um segundo enfarto, que me seria fatal.

Marcos Damião C. Ferreira
O cardiologista Marcos Ferreira
se tornou meu amigo
Agradeço aos funcionários do Hospital São Paulo, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, para onde fui transferido com direito à ambulância com sirene ligada na marginal Pinheiros em plena hora de rush.

Fico grato, também, aos doadores de sangue e a entidades como a Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos do Brasil), LiHS (Liga Humanista Secular do Brasil) e SR (Sociedade Racionalista), que divulgaram em suas páginas do Face o pedido por sangue.

Amigos, parentes, leitores e desconhecidos atenderam ao pedido da doação de sangue, do qual acabei não precisando. O sangue foi destinado a outros pacientes.

Fiquei no hospital de 24 de junho a 27 de julho — portanto, 33 dias. Se não fosse a pneumonia, teria saído antes.

Acabei me afeiçoando há várias pessoas, a médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem, copeiras, camareiras e arrumadeiras.

Tornei-me amigo do cardiologista Marcos, que me visitava todos os dias ao final tarde. Foi ele o primeiro a dizer que eu teria de me submeter a uma ponte de safena e a outra de mamária, no mínimo.

Nossas conversas eram circulares: começavam se referindo ao meu estado de saúde, passando por outros temas, de atualidade, filhos e filosofia, incluindo vinho e culinária, retornando ao meu coração e às minhas queixas como, após a cirurgia, de ter de ficar no leito só de costas, em posição de múmia.

Da equipe de cirurgia, quem mais me visitou, quase diariamente, foi o jovem médico Caio César Camargo (na foto abaixo).

Se alguém ainda tiver dúvida de que todo cirurgião tem algo de louco, é preciso conhecê-lo.

Caio César Camargo
Caio Camargo se mostrou
estudioso e articulado
Caio sempre chegava de mansinho, nas pontas dos pés e flexionando o rosto, como se estivesse interpretando um personagem: ele próprio. Sempre mantinha certo suspense sobre a sua visita.

Um dia ele entrou no quarto, disse que não tinha nada para dizer, virou-se e foi embora.

Uma vez Caio apareceu com uma enorme seringa e disse que ia tirar 750 ml de água — o equivalente a uma garrafa de cerveja — do meu pulmão esquerdo. “Será a primeira vez que faço isso”, brincou.

Ele advertiu que, apesar da anestesia, ia doer. E doeu mesmo!

Nossas conversas eram mais técnicas, por assim dizer. Ele me explicou, por exemplo, como atuam os antibióticos e por que alguns deles precisam de mais tempo para agir. Quem conversa com Caio percebe logo que ele é estudioso e gosta do que faz.

Também recebi com frequência a visita dos aplicados cirurgiões Thiago Villa Nova de Araújo e Ademir Koeche.

Nélson Hossne Jr., o cirurgião que abriu o meu peito e implantou as pontes, sempre passava às pressas pelo meu quarto, como se estivesse vindo da sala de cirurgia e precisasse voltar logo, como se ali fosse seu habitat natural. O que deve ser mesmo.

Ele me informou que, devido ao porte forte do meu corpo, usou em meu peito uma sutura reforçada com aço na longitudinal para receber a transversal. Espero que esse reforço também me ajude a suportar as emoções mais fortes.

Os olhos de Nélson Hossne brilhavam quando ele falava sobre o uso de células-tronco na área de doenças coronarianas. Tenho a impressão de que ainda vou ouvir muito sobre suas pesquisas.

Ana Maria Gagliardi
A doutora Ana Gagliardi
acompanhou todo o caso
Também sempre esteve por perto a geriatra doutora e professora na Escola Paulista de Medicina, Anna Maria Gagliardi (foto), tia do meu genro.

Naninha, como é chamada em família, acompanhou todo o caso, detalhando-o para os mais íntimos. Ainda me lembro do beijo tranquilizador que ela me deu na sala de cateterismo.

Como já escrevei aqui, sou um ateu que tem um “anjo de guarda”. Esse anjo é minha mulher, a jornalista Maria Fernanda, com quem tenho quatro filhas.

Fernanda ficou todo o tempo comigo no hospital, dia e noite. Me deu comida, me levou ao banheiro, me deu banho.

Cuidou de mim com tanta dedicação e apreço, os quais eu atribuo à sua bondade e a nossa longa jornada juntos de mais de 30 anos, às vezes com alguns revezes, mas sempre juntos.

Estou retomando este site, graças aos profissionais da ciência, como esses.





Diário de um infartado: ateu deve ficar no 'armário' do hospital?
2 de julho de 2013

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