por Gad Lerner
Cardeal de Milão diz temer o 'ateísmo anônimo' de 'cristãos'
setembro de 2013
Ateísmo
para La Repubblica
Quem serão aqueles cristãos ambrosianos que correm o risco de "ateísmo anônimo", palavra do seu arcebispo Angelo Scola? É uma acusação no mínimo insólita, ateísmo anônimo. Como se dissesse que você pensa ser religioso, cristão, mas, ao contrário, você faz parte, inconscientemente, do mecanismo de uma Milão sem Deus. Ateu sem sabê-lo!
A denúncia é do pastor ao pedir à assembleia dos seus sacerdotes que reforce a vigilância e também olhem para trás: a eles cabe "evangelizar a metrópole", e paciência se o seu apelo parece quase conferir a Milão o triste recorde de cidade incapaz de crer, até mesmo ateia sem o seu conhecimento.
A partir de hoje, transbordarão os perfis para desenhar a fisionomia de quem é fiel apenas na aparência. Não teremos êxito apontando para o habitual [Roberto] Formigoni, nem confundindo a refinada categoria do "ateu anônimo" com a mais grosseira do "ateu devoto" (já fora de moda).
Qual é, então, a doença diagnosticada por Angelo Scola? O que o induziu, novo Moisés, a denunciar, sem comoção, a presença de um bezerro de ouro até mesmo dentro do perímetro do seu rebanho? Não faltarão as oportunidades para discutir o assunto.
Enquanto isso, a acusação chama a atenção pela sua originalidade, mas talvez também porque, com o novo papa, estávamos desacostumados ao ataque direto da Igreja "contra" as categorias individuais dos pecadores: homossexuais praticantes, relativistas empedernidos, codificadores das uniões de fato ou do testamento biológico...
Aqui, ao mesmo tempo, há muito mais. A Milão sem alma, a Milão até mesmo sem Deus. Mas com o atenuante da inconsciência e com o reconhecimento inédito de que não basta a observância formal para se preservar do ateísmo.
Certamente, o seu tom é mais afável, mas o cardeal Scola, pedindo aos seus párocos que "evangelizem a metrópole", sabe bem como retomar o assunto contrarreformista do seu ilustre antecessor, São Carlos Borromeu: o crítico dos costumes que incitava os sacerdotes lombardos se sentirem plenamente missionários na própria casa, dedicados à "conquista das almas".
A importância atribuída por São Carlos ao restaurado sacramento da confissão, que ele tornou obrigatório, ainda é estudado como uma formidável experiência de controle social implantado no território, através da rede das paróquias.
Cinco séculos depois, o mesmo juízo violento sobre o povo que se desviou do caminho se transforma em uma advertência pastoral, agora que a Igreja não é mais capaz de assumir um papel de vigilância pública contra os desvios. Diante do ateísmo anônimo dos milaneses, que espaço pode ter uma Igreja carrancuda e minoritária? O predileto de Ratzinger não tem medo de se apresentar com a advertência do conservador, mesmo no tempo dos sorrisos de Francisco.
Irão nos interrogar sobre quem são, entre nós, os ateus anônimos, esperando ter mal interpretado a postura e a ênfase do refinado intelectual que veio em missão aqui entre nós, infiéis lombardos. Mas foi o próprio Scola que lembrou, no mesmo discurso inaugural do ano pastoral, o outro grande antecessor seu, Carlo, falecido exatamente um ano atrás: Carlo Maria Martini.
Na verdade, Martini, ele também um intelectual rigoroso, tendia, ao invés, a pôr na cátedra os não crentes para buscar também neles a essência da espiritualidade contemporânea, que a doutrina, por si só, não é suficiente para interpretar. Martini apontava mais para a confiança, que não significa indulgência, do que para a crítica.
Na metrópole descristianizada, mais do que o ateu anônimo, ele buscava o cético, o desencorajado, cuja fragilidade humana era compartilhada. Mas não é evidente que o desafio cultural, do qual Scola certamente não irá retroceder, fugindo do perigo do anátema, pode envolver a Milão sem Deus na tentativa de preencher o fosso da incomunicabilidade recíproca.
Seria uma pena renunciar a esse debate, especialmente em tempos de generalizada dificuldade de viver. Ainda mais agora que, graças a Scola, até a fronteira do ateísmo nos parece muito mais matizada.
Dom Angelo Scola, de Milão, criticou os "cristãos" que são "ateus "anônimos |
A denúncia é do pastor ao pedir à assembleia dos seus sacerdotes que reforce a vigilância e também olhem para trás: a eles cabe "evangelizar a metrópole", e paciência se o seu apelo parece quase conferir a Milão o triste recorde de cidade incapaz de crer, até mesmo ateia sem o seu conhecimento.
A partir de hoje, transbordarão os perfis para desenhar a fisionomia de quem é fiel apenas na aparência. Não teremos êxito apontando para o habitual [Roberto] Formigoni, nem confundindo a refinada categoria do "ateu anônimo" com a mais grosseira do "ateu devoto" (já fora de moda).
Qual é, então, a doença diagnosticada por Angelo Scola? O que o induziu, novo Moisés, a denunciar, sem comoção, a presença de um bezerro de ouro até mesmo dentro do perímetro do seu rebanho? Não faltarão as oportunidades para discutir o assunto.
Enquanto isso, a acusação chama a atenção pela sua originalidade, mas talvez também porque, com o novo papa, estávamos desacostumados ao ataque direto da Igreja "contra" as categorias individuais dos pecadores: homossexuais praticantes, relativistas empedernidos, codificadores das uniões de fato ou do testamento biológico...
Aqui, ao mesmo tempo, há muito mais. A Milão sem alma, a Milão até mesmo sem Deus. Mas com o atenuante da inconsciência e com o reconhecimento inédito de que não basta a observância formal para se preservar do ateísmo.
Certamente, o seu tom é mais afável, mas o cardeal Scola, pedindo aos seus párocos que "evangelizem a metrópole", sabe bem como retomar o assunto contrarreformista do seu ilustre antecessor, São Carlos Borromeu: o crítico dos costumes que incitava os sacerdotes lombardos se sentirem plenamente missionários na própria casa, dedicados à "conquista das almas".
A importância atribuída por São Carlos ao restaurado sacramento da confissão, que ele tornou obrigatório, ainda é estudado como uma formidável experiência de controle social implantado no território, através da rede das paróquias.
Cinco séculos depois, o mesmo juízo violento sobre o povo que se desviou do caminho se transforma em uma advertência pastoral, agora que a Igreja não é mais capaz de assumir um papel de vigilância pública contra os desvios. Diante do ateísmo anônimo dos milaneses, que espaço pode ter uma Igreja carrancuda e minoritária? O predileto de Ratzinger não tem medo de se apresentar com a advertência do conservador, mesmo no tempo dos sorrisos de Francisco.
Irão nos interrogar sobre quem são, entre nós, os ateus anônimos, esperando ter mal interpretado a postura e a ênfase do refinado intelectual que veio em missão aqui entre nós, infiéis lombardos. Mas foi o próprio Scola que lembrou, no mesmo discurso inaugural do ano pastoral, o outro grande antecessor seu, Carlo, falecido exatamente um ano atrás: Carlo Maria Martini.
Na verdade, Martini, ele também um intelectual rigoroso, tendia, ao invés, a pôr na cátedra os não crentes para buscar também neles a essência da espiritualidade contemporânea, que a doutrina, por si só, não é suficiente para interpretar. Martini apontava mais para a confiança, que não significa indulgência, do que para a crítica.
Na metrópole descristianizada, mais do que o ateu anônimo, ele buscava o cético, o desencorajado, cuja fragilidade humana era compartilhada. Mas não é evidente que o desafio cultural, do qual Scola certamente não irá retroceder, fugindo do perigo do anátema, pode envolver a Milão sem Deus na tentativa de preencher o fosso da incomunicabilidade recíproca.
Seria uma pena renunciar a esse debate, especialmente em tempos de generalizada dificuldade de viver. Ainda mais agora que, graças a Scola, até a fronteira do ateísmo nos parece muito mais matizada.
setembro de 2013
Ateísmo
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