por Felipe Pontes e Danilo Venticinque
para a revista Época
Revista afirma que nova geração de ateus é tolerante com as religiões |
Em agosto, uma frase sua sobre a pequena quantidade de muçulmanos vencedores do Prêmio Nobel despertou indignação nos jornais e nas redes sociais. Em resposta, o escritor Reza Aslan, muçulmano, afirmou que Dawkins era “o pior tipo de fanático”. “Ele diz que nunca leu o Alcorão, mas tem certeza de que o islã é a maior força do mal no mundo.”
A postura agressiva e muitas vezes preconceituosa de Dawkins e de seus asseclas, como o neurocientista americano Sam Harris ou o filósofo americano Daniel Dennett, começa aos poucos a ceder espaço a um ateísmo de postura mais tolerante.
A postura agressiva e muitas vezes preconceituosa de Dawkins e de seus asseclas, como o neurocientista americano Sam Harris ou o filósofo americano Daniel Dennett, começa aos poucos a ceder espaço a um ateísmo de postura mais tolerante.
O filósofo britânico A.C. Grayling é um representante dessa transição. Grayling está longe de ser um fã da religião. “O mundo seria bem melhor se não acreditássemos em conto de fadas”, disse ele a ÉPOCA. “A religião é simplesmente inconsistente com a modernidade.”
Mas suas obras são bem menos cáusticas que as de Dawkins. Em março, Grayling lançou The god argument (O argumento divino, em tradução livre). O livro apresenta argumentos filosóficos contra a existência de Deus. Trata-se basicamente de um manifesto humanista. Mesmo acreditando que a religião é prejudicial à humanidade, Grayling não gasta muita energia em debates com religiosos. Em 2011, ele publicou The good book (O livro bom), uma espécie de guia de vida para ateus. Em 608 páginas, apresenta citações e conceitos de grandes pensadores, como Aristóteles, Confúcio, Cícero, Isaac Newton e Charles Darwin, em capítulos e versículos.
Não bastasse isso, Grayling imita a estrutura bíblica. O primeiro capítulo, sobre a origem do Universo de acordo com a ciência, é o Gênesis – então seguido de Lamentações e Provérbios, e assim por diante. Em vez de apenas criticar as religiões, os livros de Grayling tentam construir alternativas a elas.
Um passo além de Grayling estão os ateus que desejam dialogar com religiosos. Um defensor da ideia é o americano Chris Stedman. Autor de blogs de religião no jornal Washington Post, no site da emissora CNN e no site Huffington Post, ele lançou em novembro do ano passado o livro Faitheist (trocadilho com as palavras “ateu” e fé”, em inglês).
Um passo além de Grayling estão os ateus que desejam dialogar com religiosos. Um defensor da ideia é o americano Chris Stedman. Autor de blogs de religião no jornal Washington Post, no site da emissora CNN e no site Huffington Post, ele lançou em novembro do ano passado o livro Faitheist (trocadilho com as palavras “ateu” e fé”, em inglês).
Organizador da comunidade de ateus e agnósticos da Universidade Harvard, Stedman afirma que a diversidade de opiniões deve ser celebrada. “As pessoas fazem coisas boas ou ruins com ou sem religião”, afirma. Para ele, os ateus devem se organizar em comunidades para debater em pé de igualdade o privilégio religioso em sociedades como a americana.
Mas sem incitar qualquer tipo de rixa. “Uma verdadeira sociedade secular precisa de pluralismo”, afirma. Para Stedman, os ateus e religiosos devem se engajar em diálogos construtivos e pacientes. “É preciso identificar valores em comum, porque a religião dificilmente sairá do mapa. A cooperação é extremamente necessária num mundo em que as vozes extremistas costumam afogar as outras”, diz. Stedman fala com conhecimento de causa. Em suas próprias palavras, ele era um “católico fundamentalista” antes de virar ateu.
Mas sem incitar qualquer tipo de rixa. “Uma verdadeira sociedade secular precisa de pluralismo”, afirma. Para Stedman, os ateus e religiosos devem se engajar em diálogos construtivos e pacientes. “É preciso identificar valores em comum, porque a religião dificilmente sairá do mapa. A cooperação é extremamente necessária num mundo em que as vozes extremistas costumam afogar as outras”, diz. Stedman fala com conhecimento de causa. Em suas próprias palavras, ele era um “católico fundamentalista” antes de virar ateu.
O filósofo suíço Alain de Botton é ainda mais conciliador que Stedman. “Tenho um respeito profundo pela religião, apesar de não acreditar em seus aspectos sobrenaturais”, disse Botton a ÉPOCA. “As grandes religiões são enormes máquinas capazes de transmitir ideias sobre a bondade, a morte, a família e a comunidade. Não há nada parecido com isso no mundo laico, e isso é uma pena.”
Em seu livro "Religião para ateus" (editora Intrínseca), Botton se propõe a “roubar” das religiões ideias sobre como viver. Uma de suas sugestões mais polêmicas é a construção de um templo para ateus, no centro de Londres. Dawkins, é claro, detestou a ideia. “Ateus não precisam de templos para buscar o sentido da vida”, disse ele ao jornal britânico The Guardian.
Botton, em resposta, afirmou que a ideia era uma reação a Dawkins. “Por causa de Richard Dawkins, o ateísmo tornou-se conhecido como uma força destrutiva”, diz. “Escrevo para pessoas que não acreditam em Deus, mas, mesmo assim, reconhecem o lado positivo da religião: os rituais, a arquitetura, a música e a conexão com o passado.”
Nem todos os ateus aderiram à postura mais tolerante defendida por Botton e Stedman. Um exemplo é a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea). Ela tem 10 mil membros e arrecada R$ 2 mil por mês. Apesar dos números modestos, ganhou destaque ao organizar a primeira campanha publicitária ateísta do país em Porto Alegre. Em julho, voltou às manchetes graças a um protesto contra os gastos públicos relacionados à chegada do papa Francisco ao Brasil. “É preciso ser enérgico. Quem não é engajado ignora os males causados pela religião, como a ascensão da bancada evangélica no Brasil”, diz Daniel Sottomaior, um dos fundadores da Atea. “Até porque criar ativismo para depois ficar sentado não faz muito sentido.”
Nesse debate, uma das vozes mais sensatas é de Peter Steinberger, professor de ciência política do Reed College, em Portland, nos Estados Unidos. Steinberger lançou em julho o livro The problem with God: why atheists, true believers, and even agnostics must all be wrong ("O problema com Deus: por que ateus, crentes e até agnósticos devem todos estar errados).
Nem todos os ateus aderiram à postura mais tolerante defendida por Botton e Stedman. Um exemplo é a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea). Ela tem 10 mil membros e arrecada R$ 2 mil por mês. Apesar dos números modestos, ganhou destaque ao organizar a primeira campanha publicitária ateísta do país em Porto Alegre. Em julho, voltou às manchetes graças a um protesto contra os gastos públicos relacionados à chegada do papa Francisco ao Brasil. “É preciso ser enérgico. Quem não é engajado ignora os males causados pela religião, como a ascensão da bancada evangélica no Brasil”, diz Daniel Sottomaior, um dos fundadores da Atea. “Até porque criar ativismo para depois ficar sentado não faz muito sentido.”
Nesse debate, uma das vozes mais sensatas é de Peter Steinberger, professor de ciência política do Reed College, em Portland, nos Estados Unidos. Steinberger lançou em julho o livro The problem with God: why atheists, true believers, and even agnostics must all be wrong ("O problema com Deus: por que ateus, crentes e até agnósticos devem todos estar errados).
O livro defende uma tese antiga, mas esquecida no meio do debate religioso iniciado por Dawkins: qualquer discussão relacionada à existência divina é uma perda de tempo. “As religiões são incoerentes, mas Dawkins também é incoerente por não ter uma prova definitiva da inexistência de Deus”, diz.
“Os novos ateus acham que a ciência atual é suficiente para explicar o mundo, mas isso não é possível.” Se as discussões entre religiosos e ateus se esvaziarem por falta de provas, como Steinberger sugere, os ateus moderados estarão um passo à frente dos militantes: terão sido os primeiros a abandonar um confronto inútil e a buscar maneiras de coexistir com os religiosos. “Ser ateu é como não colecionar selos”, diz Grayling. “É possível ser um ‘não colecionador de selos’ militante? Basta não colecionar selos.”
Os dez mandamentos do bom ateu,
Os dez mandamentos do bom ateu,
segundo Chris Stedman
Stedman pede paciência aos ateus |
1 – Enxergue além dos estereótipos e rótulos. Trate as pessoas como indivíduos, em vez de representantes de um grupo. Tente ser bem-intencionado sempre que possível.
2 – Evite generalizações. As comunidades religiosas são muito diversas, e poucas ideias (ou nenhuma) podem ser aplicadas universalmente a todas as religiões.
3 – Antes de expor seu ponto de vista, faça perguntas e ouça cuidadosamente o ponto de vista de alguém diferente de você.
4 – Identifique preocupações em comum com religiosos. Como vivemos num mundo que enfatiza o conflito, é fácil perder de vista os valores compartilhados.
5 – Conte sua experiência pessoal e tente humanizar os ateus para aqueles que não estão familarizados com o ateísmo.
6 – Enfatize seus valores. Muitos sabem que os ateus não têm fé, mas pode ficar surpresos quando você explica no que acredita para um mundo melhor.
7 – Seja paciente. O ateísmo é extraterrestre e pouco familiar para muitos. Você pode ser a primeira oportunidade de alguém conhecer o ateísmo diretamente de um ateu.
8 – Estude as diversas maneiras por meio das quais as crenças religiosas são expressas. O conhecimento o ajudará a navegar por um mundo altamente religioso e a articular melhor seu ponto de vista.
9 – Tome conta de si mesmo. Alguns odeiam ateus e querem até machucá-los. Uma comunidade de ateus pode oferecer apoio.
10 – Trate os outros com bondade. Pode parecer simples, mas o amor e a compaixão podem vencer a intolerância e a falta de compreensão de maneiras imprevisíveis.
2 – Evite generalizações. As comunidades religiosas são muito diversas, e poucas ideias (ou nenhuma) podem ser aplicadas universalmente a todas as religiões.
3 – Antes de expor seu ponto de vista, faça perguntas e ouça cuidadosamente o ponto de vista de alguém diferente de você.
4 – Identifique preocupações em comum com religiosos. Como vivemos num mundo que enfatiza o conflito, é fácil perder de vista os valores compartilhados.
5 – Conte sua experiência pessoal e tente humanizar os ateus para aqueles que não estão familarizados com o ateísmo.
6 – Enfatize seus valores. Muitos sabem que os ateus não têm fé, mas pode ficar surpresos quando você explica no que acredita para um mundo melhor.
7 – Seja paciente. O ateísmo é extraterrestre e pouco familiar para muitos. Você pode ser a primeira oportunidade de alguém conhecer o ateísmo diretamente de um ateu.
8 – Estude as diversas maneiras por meio das quais as crenças religiosas são expressas. O conhecimento o ajudará a navegar por um mundo altamente religioso e a articular melhor seu ponto de vista.
9 – Tome conta de si mesmo. Alguns odeiam ateus e querem até machucá-los. Uma comunidade de ateus pode oferecer apoio.
10 – Trate os outros com bondade. Pode parecer simples, mas o amor e a compaixão podem vencer a intolerância e a falta de compreensão de maneiras imprevisíveis.
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Peter Higgs acusa Dawkins de ser ateu fundamentalista
janeiro de 2013
Ateísmo Richard Dawkins
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