Cientista diz haver um abismo entre ele e a caricatura dele |
por Rowan Hooper
para New Scientist
Richard Dawkins (foto) é professor emérito de biologia evolutiva na Universidade de Oxford [Reino Unido] e autor de livros como “O Gene Egoísta” e “Deus, um delírio. Seu mais recente livro é The Making of a Scientist, que é a primeira parte do total de duas de suas memórias. Ele inspirou milhões com seus populares livros de ciência, mas também tem sido muito criticado por causa principalmente de suas controversas opiniões sobre religião. Rowan Hooper queria saber como ele se sente sobre sua imagem pública e se, aos 72 anos, se preocupa seu papel como o mais famoso ateu do mundo vai eclipsar seu legado científico.
Rowan Hooper: Você acaba de publicar a primeira parte de seu livro de memórias. É concebido como um exercício de humanização, para mostrar que você não é um vilão, desagradável?
Richard Dawkins: Eu não sei quantas pessoas acham que eu sou mau. Eu certamente não sou mau e, por isso, ao menos conscientemente, não tenho qualquer intenção de fazer uma limpeza em minha imagem ou qualquer coisa desse tipo. Gosto de pensar que o livro é um retrato honesto de como eu realmente sou, de um humano, sim, que sou.
Eu tenho duas teorias que não são mutuamente exclusivas. Um delas é o negócio da religião. As pessoas religiosas odeiam ser criticadas. Há uma atitude histórica de que a religião se coloca fora dos limites para da crítica.
Além disso, algumas pessoas acham que a clareza é ameaçadora. Eles gostam de confusão e do esquecimento. Então, quando alguém não faz mais do que falar claramente, isso soa ameaçador.
Você definitivamente polariza as pessoas. Como você se sente sobre o corrente de ódio a qual suscita?
Fiz um filme que está no YouTube com um música de violino ao fundo com essas mensagens de ódio. Trata-se de uma música doce para contrastar com afirmações como “seu maldito Dawkins, idiota", e assim por diante. Fazer comédia é uma boa maneira de absorver essas mensagens.
Você ainda recebe mensagens de fãs também?
Sim. O correio de ódio é analfabeto, mas o oposto é realmente muito comovente, e eu recebo respostas muito, muito gratificantes. Eu acabei de voltar de uma turnê pelos Estados Unidos promovendo o livro, e houve grande número de leitores interessados em obter meu autógrafo. E elas quase sempre diziam algo parecido como "eu me tornei um cientista por causa de você. Você mudou a minha vida. "
Alguma coisa o mudou ao longo dos anos?
Não mudou. Sempre tive um amor pela verdade, um amor pela clareza, um amor pela poesia da ciência. Denuncio a hostilidade e a superstição [dos líderes religiosos] porque eles estão minando a educação e privando os jovens da verdadeira glória da visão do mundo científico. Nesse caso, me preocupo principalmente com as crianças. É trágico ver crianças sendo conduzidas para pequenos cantos escuros, para a superstição medieval.
Você prefere ser lembrado como divulgador da ciência ou como crítico da religião?
Para mim, eles ascendem à mesma coisa — são lados diferentes da mesma moeda. Mas acho que eu prefiro ser lembrado para “explicador” da ciência. Eu ficaria chateado se as pessoas não me considerassem como cientista por causa da religião.
Você virou a sua atenção para o Islã recentemente. Por quê?
Acho que o meu amor à verdade e à honestidade obrigam-me a alertar a intelligentsia liberal dos países ocidentais onde o Islã se instalou que está traindo a si mesmo. Essa intelligentsia está paralisada pelo conflito entre ser contra a misoginia e à discriminação contra as mulheres, de um lado, e, por outro, pelo terror de ser considerada racista e ter incompreensão para com o Islã. Então, as pessoas que normalmente falam contra os maus-tratos às mulheres não o fazem quando esses maus-tratos estão relacionados à prática do islamismo. Elas não se preocupam com o que eu vejo como uma traição por meu próprio povo.
Outra de sua batalha tem sido contra a seleção de grupo — a ideia de que a evolução funciona selecionando características que beneficiam grupos, e não genes. Você destruiu esse paradigma, mas depois recuou.
Algo mais se apresentou com o mesmo nome. Se você olhar com cuidado, entenderá que a seleção de parentesco foi rebatizada como seleção de grupo. Essa confusão me irrita porque acho que está ocultando deliberadamente algo que era realmente bastante claro.
A acho que parte da razão pela qual se estabeleceu a confusão é política. Sociólogos amam a seleção de grupo, e eu acho porque eles são mais influenciados pelas avaliações emotivas dos impulsos humanos. Eu acho que eles querem o altruísmo como uma espécie de força motriz, e não há tal coisa como uma força motriz. Eles querem que o altruísmo como fundamental, ao passo que eu quero que ele seja explicado. Genes egoístas realmente explicam indivíduos altruístas. Ppara mim isso é cristalino.
Quais os assuntos que lhe interessam atualmente na biologia evolutiva.
Sou fascinado pela forma como a genética molecular tornou-se um ramo da tecnologia da informação. Eu me pergunto se a seleção natural não poderia realmente funcionar como uma espécie de ciência da computação. Em outras palavras, eu me pergunto o seguinte: se podemos prever a existência de vida em outros lugares do universo, ela poderá ter o mesmo tipo de genética digital de alta fidelidade, como temos hoje?
O engraçado é que, se você tomar as duas partes da fórmula darwinista — mutação e seleção —, achamos que estamos nos referindo a à selação de cada uma das espécies, exceto a nossa. Temos “distorcidos” lobos para que se tornem pequinês e repolhos selvagens para que virem couve-flor, e fazendo grandes revoluções na ciência agrícola. No entanto, com poucas exceções, não houve tentativas de criar pequineses humanos ou galgos humanos [galgos são cachorros caçadores ingleses].
Agora que a metade da mutação do algoritmo darwinista está se tornando passível de manipulação humana, as pessoas têm perguntado o que vai acontecer, quando começarmos a mexer com genes dos humanos?
Você acredita que existe uma base genética para a irracionalidade?
Seria muito surpreendente se não houvesse uma base genética para as predisposições psicológicas que tornam as pessoas vulneráveis à religião.
Uma ideia sobre a irracionalidade que eu e várias outras pessoas apresentaram é que os riscos que enfrentamos em nosso estado natural muitas vezes vieram de agentes evoluídos, como leopardos e cobras. Assim, em relação a um fenômeno natural como uma tempestade, a coisa prudente poderia ter sido atribuí-la a um agente causador ao invés de forças da física. Assim, pode ter sido construído entre nós um viés para ver agentes em vez de forças naturais.
Desta forma, mesmo que nós não precisam mais temer leopardos, herdamos os instintos para temê-los. Vemos agentes só porque nosso cérebro foi programado para tal.
Se somos irracionais, talvez uma das razões que as pessoas irritam com as outras é porque elas sentem que sua natureza está sob ataque.
Aceitamos que as pessoas são irracionais por boas razões darwinianas. Mas acho que não devemos ser tão pessimistas a ponto de pensar que, portanto, estamos sempre condenados a ser irracional.
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