Ramos pede à população reação à intolerância |
À frente de um grupo de pessoas — ex-TJs na maioria —, Ramos tenta sensibilizar a população munido de megafone, folhetos, faixas e carro de som. Ele tem usado a experiência que obteve como diretor de política e educação do Sindicato dos Servidores da UFC (Universidade Federal do Ceará).
A sua militância contra o fanatismo religioso se estende à internet e a outdoors. Ele tem procurado ajuda de autoridades governamentais, do Ministério Público e da Justiça. Fundou a Abravipre (Associação Brasileira de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso).
A obstinação marca a personalidade de Ramos. Quando foi fiel das TJs — por cerca de 10 anos, a partir de 2001 — ele batia de porta em porta para pregar a doutrina da religião. Acreditava piamente que assim estava ajudando a levar as pessoas para o reino de Deus.
Ramos, contudo, acabou sendo vítima da própria doutrina que pregava, com se tivesse sido atingido por um tiro que saiu pela culatra.
Ele foi sumariamente expulso das TJs, tornou-se um maldito, um desassociado. E por um motivo inesperado. Ramos estava publicando em jornais artigos elogiosos à doutrina. Até escreveu um texto fazendo restrição à transfusão de sangue.
Então ele deu conta de que as TJs cassam de seus fiéis o direito constitucional de livre expressão, pelo menos em relação a assuntos bíblicos e religiosos. Ninguém pode pensar com sua própria cabeça porque a igreja não tem controle sobre as conclusões às quais se pode chegar. Somente alguns poucos iluminados “anciões” (pastores) podem se manifestar em público sobre a doutrina.
Ramos passou a ser evitado por amigos, colegas e familiares que fazem parte da igreja. Sentiu o quanto pode ser odiosa e perversa a discriminação religiosa. Desde que foi chutado para fora dos salões das TJs, por exemplo, ele tem sido rejeitado pela sua irmã. Faz quatro anos.
Na entrevista abaixo, concedida por e-mail, além de sua luta contra a intolerância religiosa, ele fala por que se tornou um fiel das TJs e acabou escorraçado de lá.
Entrevista
Ramos teve seu direito de expressão cassado pela igreja |
As Testemunhas de Jeová são treinadas para atingir toda sorte de pessoas. Eu estava totalmente descrente nas religiões, com o movimento sindical e com a política quando fui abordado por pregadores das TJs. Eles disseram que os integrantes da religião não se envolviam com eleições, e então me encantei à primeira vista com a sua proposta. Troquei as passeatas pela pregação de porta em porta e, tempos depois, fui julgado e expulso da congregação simplesmente por escrever artigos de opinião em jornais, falando bem da doutrina das TJs. Aproximadamente passei dez anos nessa organização.
Parece-me estranho que alguém seja expulso de uma religião porque estava escrevendo elogiando sua doutrina. Dá para explicar isso melhor? As TJs cassam o direito de livre expressão de seus seguidores, mesmo quando eles fazem elogio à doutrina? É isso?
Falar na mídia sobre a doutrina das Testemunhas de Jeová teria que ser por meio de um grupo seleto (comissionado) de anciãos congregacionais. Fui o primeiro a publicar matérias em jornais a respeito das crenças das Testemunhas de Jeová. O seu conteúdo se pautava em pontos sensíveis para a Sociedade Torre de Vigia [nome oficial da religião], que denomina o inteiro sistema religioso de babilônico. Minha intervenção era direta nesse sentido. O observe neste link um dos textos que fizeram os anciões aumentarem a pressão sobre mim. Recebia elogios das TJs pelos escritos e ainda hoje continuo a receber e-mails.
O problema é que o direito de expressão não existe para as Testemunhas de Jeová, pois as publicações da congregação vêm condensadas aos interesses da cúpula que administra os templos no Brasil.
Fiquei com a impressão de que a direção da Sociedade Torre de Vigia temia que eu sozinho, começando a fazer análise de textos bíblicos, poderia identificar alguma contradição naquilo que eles pregam, invocando passagens bíblicas, como, por exemplo, o tratamento que deve ser dispensado a ex-membros, totalmente fora de qualquer propósito divino ou humano.
Na termologia das TJs, você foi “desassociado”, o que é pior do que a excomunhão da Igreja Católica, porque, no seu caso e de tantos outros, há por parte dos integrantes da igreja uma discriminação descarada, sem nenhum disfarce.
É isso mesmo que acontece. E o mais grave, no caso de expulsão, é que você não pode trocar sequer um “oi” com seus antigos amigos. Faz quatro anos que eu não vou à casa de minha irmã porque, para quem não mora sob o mesmo teto de seus familiares, o apartheid é total. Isso gera danos psicológicos gravíssimos, alguns até irreversíveis. Trata-se de um dos maiores atentado à vida e aos direitos humanos.
Você recorreu ao Ministério Público, que acionou a Justiça. Em que pé se encontra o processo judicial?
São três processos. Uma ação penal contra lideranças locais (ajuizada pelo MP do Estado do Ceará), uma ação civil pública pelo MPF/CE e uma ação por danos morais pela Defensoria Pública do Ceará. As duas primeiras foram extintas e a terceira continua sub judice.
Você realmente acredita que uma decisão judicial favorável a sua luta contra a intolerância, caso ocorra, possa mudar algo que está enraizado na doutrina das TJs? Você não estaria sendo idealista demais (para não dizer inocente), como já foi quando defendia essa mesma doutrina?
Na época em que abri um procedimento no Ministério Público Estadual do Ceará contra os pastores que me desassociaram, houve uma grande expectativa em todo o país. Entretanto, para um movimento que estava dando seus primeiros passos, precisava de algo que proporcionasse sustentação política devido às pressões crescentes da Torre de Vigia contra mim. E então passamos a "dialogar" com a sociedade através de panfletagens e manifestações sobre o tema. A Torre de Vigia, apavorada, enviou carta a todas as congregações da Grande Fortaleza e região alertando sobre o “perigo” que representava o nosso movimento. Na realidade estávamos corretos, pois nossas ações resultaram na construção de um movimento muito mais forte, o que possibilitou a criação da primeira associação de combate à intolerância religiosa no Brasil, a ABRAVIPRE.
Em resumo: em um determinado momento você se decepcionou com a política, com o movimento sindicalista e, de maneira geral, com as religiões, e acabou se encantando com as Testemunhas de Jeová, como se o dogmatismo dessa crença fundamentalista pudesse ser uma solução. Agora você procura apoio de políticos para combater a discriminação religiosa. Mas os políticos não estão preocupados com esse tipo de coisa. Eles querem mesmo é agradar os religiosos, incluindo os mais conservadores, na expectativa de obter votos. Você não estaria de novo navegando em um barco furado?
Concordo em número, gênero e grau com que você diz na pergunta. Historicamente, a política sempre esteve atrelada às religiosidades. Quando comecei a denunciar a desassociação, passei a bater na porta de todos os segmentos da sociedade, independentemente de sua ideologia política — partidária, religiosa e social. Quando passei a denunciar a tortura psicológica praticada contra as ex-Testemunhas de Jeová, consegui apoio institucional de alguns políticos que historicamente já combatiam violações de direitos humanos.
Retomando ao começo da entrevista, tenho uma curiosidade: na época em que escrevia elogios à doutrina das TJs, você chegou a defender a proibição de transfusão de sangue?
Todas as Testemunhas de Jeová acreditam piamente em tudo que é ensinado pelos pregadores, inclusive no veto às transfusões sanguíneas por motivo bíblico. Cheguei a publicar um artigo defendendo a transfusão (Novos Experimentos Revolucionam a Medicina Transfusional). Após a publicação desse texto, recebi uma visita da Colih — Comissão de Ligação com Hospitais — em meu trabalho, intimando-me a parar de escrever. Após a minha desassociação, denunciei as mortes que têm acontecido pela recusa das transfusões de sangue por meio de outro artigo (Morte imposta por decreto religioso).
Você atualmente segue alguma religião?
Sou um defensor da liberdade religiosa. As pessoas têm o direito de exercer fé, ingressar em uma religião ou não ter fé em uma divindade. Particularmente, a proposta que as religiões hoje oferecem não me atrai mais. A máxima dos antigos repassada pelo meu pai é a metodologia que acredito hoje: "Creia em Deus, que é santo velho". Essa frase, em conexão com a leitura da Bíblia, me convenceu de que Deus não habita em templos erigidos por mãos humanas. Ou seja, onde dois ou três se reunirem em nome de Cristo, ou em particular, qualquer lugar, acredito que nossas orações podem ser ouvidas..
Para finalizar, fale um pouco sobre a Associação Brasileira de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso (ABRAVIPRE), da qual é fundador. Que tipo de apoio a associação dá às vítimas e dê exemplo de casos que têm aparecido por lá.
A ABRAVIPRE é fruto de uma trajetória muito conturbada. Denunciar a intolerância religiosa além do mundo virtual, em faixas, outdoors, manifestações públicas, TVs, rádios, jornais impressos), provoca fortes reações dos opressores.
Por outro lado, estamos colhendo frutos. Ao passamos com o áudio pelas ruas e avenidas, as pessoas saem às portas para nos cumprimentar e receber panfletos. Muitos têm afirmado que não mais frequentam o salão do reino das Testemunhas de Jeová devido ao nosso trabalho. Outros desistem do estudo da Bíblia com esse grupo.
A ABRAVIPRE é a primeira associação que se propõe a ajudar pessoas de todas as religiosidades que se sentirem discriminadas. Continuamos em processo de construção, objetivando uma ampliação de tarefas nos demais estados. Voluntários se propõem a nos ajudar em diversas modalidades. Um exemplo: um desassociado de Minas Gerais, que é proprietário de bancas de jornais, se propôs a colocar panfletos nos encartes que serão distribuídos aos milhares. Uma forma simples, mas objetiva. Outros deixam o panfleto nas caixas de correio, etc.
Mais exemplo: uma mulher denunciou que sua irmã doou seu carro e um cheque de valor expressivo para determinada igreja. Depois, ela passou a entregar parte do dinheiro da aposentadoria de sua própria mãe. A ABRAVIPRE procurou algumas entidades de direitos humanos para atuar em conjunto nessa causa, até porque nosso movimento desde o início tem conseguido apoios institucionais.
Não por acaso que, em parceria com entidades religiosas e institucionais, formalizamos o nosso Comitê Estadual em Defesa do Respeito à Liberdade Religiosa, Direitos Humanos e contra a Intolerância Religiosa - um ganho imensurável.
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Ex-Testemunha de Jeová conta como se transformou em ateu
abril de 2012Por outro lado, estamos colhendo frutos. Ao passamos com o áudio pelas ruas e avenidas, as pessoas saem às portas para nos cumprimentar e receber panfletos. Muitos têm afirmado que não mais frequentam o salão do reino das Testemunhas de Jeová devido ao nosso trabalho. Outros desistem do estudo da Bíblia com esse grupo.
A ABRAVIPRE é a primeira associação que se propõe a ajudar pessoas de todas as religiosidades que se sentirem discriminadas. Continuamos em processo de construção, objetivando uma ampliação de tarefas nos demais estados. Voluntários se propõem a nos ajudar em diversas modalidades. Um exemplo: um desassociado de Minas Gerais, que é proprietário de bancas de jornais, se propôs a colocar panfletos nos encartes que serão distribuídos aos milhares. Uma forma simples, mas objetiva. Outros deixam o panfleto nas caixas de correio, etc.
Mais exemplo: uma mulher denunciou que sua irmã doou seu carro e um cheque de valor expressivo para determinada igreja. Depois, ela passou a entregar parte do dinheiro da aposentadoria de sua própria mãe. A ABRAVIPRE procurou algumas entidades de direitos humanos para atuar em conjunto nessa causa, até porque nosso movimento desde o início tem conseguido apoios institucionais.
Não por acaso que, em parceria com entidades religiosas e institucionais, formalizamos o nosso Comitê Estadual em Defesa do Respeito à Liberdade Religiosa, Direitos Humanos e contra a Intolerância Religiosa - um ganho imensurável.
Ramos levou para rua sua luta contra intolerância religiosa |
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Casos de fanatismo das Testemunhas de Jeová
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