Pular para o conteúdo principal

Ruanda denuncia Igreja Católica por encobrir genocídio de 1994

Milhares de crianças, mulheres e homens foram trucidados,
e sacerdotes se mantiveram em silêncio, disse embaixador
por André Langer
para o jornal belga DH

O representante da Ruanda na Unesco denunciou na segunda-feira, dia 07, a atitude da Igreja católica durante o genocídio de 1994, afirmando que “alguns de seus membros encobriram essas ações criminosas".

O embaixador francês junto à Unesco, Philippe Lalliot, não se manifestou depois da cerimônia na tribuna da agência da ONU, contrariamente ao que anunciou no programa da “Jornada internacional de reflexão sobre o genocídio de 1994 na Ruanda”.

“A Igreja católica, poder moral, instituição importante na vida internacional, refugiou-se no silêncio”, declarou o embaixador da Ruanda na França e representante junto à Unesco, Jacques Kabalé.

“Seu abandono foi vivamente sentido, mais ainda porque alguns de seus membros encobriram essas ações criminosas”, acrescentou. “Muitas igrejas na Ruanda tornaram-se lugares de memória de massacres de dezenas de milhares de tutsis que foram até elas para encontrar refúgio”.

O papa Francisco exortou, na quinta-feira, os bispos ruandeses a tomar “a iniciativa” de trabalhar pela reconciliação nacional, “fortalecendo as relações de confiança com o Estado” e apoiando as famílias feridas. Ele pediu à Igreja católica ruandesa para “falar uma só voz” “superando os preconceitos e as divisões étnicas”.

A diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, convidou para “tirar lições desse drama”. “Construir a paz é, é verdade, virar a página, disse. Mas, antes de virar a página é preciso lê-la e não omitir nada, nem esquecer nada, nem esconder nenhuma ação, da passividade da comunidade internacional”.

Sábado, Paris cancelou a participação da sua ministra da Justiça, Christiane Taubira, das cerimônias em Kigali, após as acusações feitas pelo presidente ruandês Paul Kagame contra a França. No domingo à noite, o embaixador da França foi visto retirando a acreditação do governo ruandês permitindo-lhe participar das cerimônias oficiais desta segunda-feira, comemorativas do genocídio de 1994.

100 dias de ferocidade

Cem dias de matança sistemática
sem que o mundo nada fizesse 
No dia 7 de abril de 1994, começaram os 100 dias mais ferozes da história da Ruanda e, talvez, da humanidade inteira depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Por mais de três meses, perpetrou-se um massacre sistemático que o mundo não soube prever nem enfrentar, muito menos parar.

O detonador da explosão de horror que resultou em décadas de conflito entre as etnias hutu e tutsi foi um atentado: no dia anterior, haviam sido mortos o presidente ruandês, Juvénal Habyarimana, e burundês, Cyprien Ntaryamira, quando foi derrubado o seu avião que estava aterrissando no aeroporto da capital ruandesa, Kigali. Com eles morreram dois ministros do Burundi, cinco funcionários da Ruanda e os três membros da tripulação francesa do avião.

Os dois presidentes voltavam de uma cúpula de chefes de Estado da África Central, realizada em Dar-es-Salaam, naTanzânia, e dedicada justamente à guerra que, há anos, via a contraposição entre os hutu e os tutsi que vivem nos dois países.

Não foram suficientes para parar o conflito nem mesmo os acordos assinados no dia 4 de agosto do ano anterior, em Arusha, também na Tanzânia, que previam um governo de transição na Ruanda, também com expoentes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), o grupo armado dos tutsi, liderado pelo atual presidente Paul Kagame.

Nenhuma investigação internacional jamais determinou quais foram os responsáveis pelo atentado. Mas a violência transbordou imediatamente, antes na capital Kigali e depois no resto da Ruanda, contra os tutsi e os hutu moderados.

Os soldados hutu da guarda presidencial se lançaram contra o bairro de Kigali onde estavam alojadas as milícias da FPR, que consideravam como os autores do atentado. Entre as primeiras vítimas, estavam dez soldados das forças de paz belgas da UNAMIR, a missão da ONU que começou em outubro do ano anterior. Os militares belgas foram capturados quando tentavam proteger a fuga da primeira-ministra, Agathe Uwilingiyimana, também ela morta, assim como outros expoentes do governo.

Por 100 dias, centenas de milhares de mulheres e de homens, de idosos e de crianças, foram trucidados em todas as localidades, durante uma caçada humana aterrorizante. Um ano depois, também foi atroz a vingança dos tutsi que chegaram ao poder. No campo de Kibeho, milhares de hutu foram mortos, incluindo mulheres e crianças, enquanto, emKigali, o novo governo reivindicava "o direito de separar os refugiados dos autores do genocídio".

As forças da ONU, depois de terem assistido, impotentes, ao primeiro e aterrorizante ataque, conseguiram resgatar milhares de crianças, muitas vezes encontradas ao lado dos cadáveres das mães. Aquelas horas marcaram para sempre a memória de quem as viveu. Aquelas crianças não falavam, não choravam, algumas estavam enlouquecidas. Também vacilou a razão daqueles que fizeram o máximo para tornar aquele horror, embora minimamente, menos cruel ou daqueles que tiveram que relatá-lo.

Um aspecto do conflito entre hutu e tutsi, populações de grande maioria católica, não pode ser calado: o do envolvimento de muitos religiosos. Desde o início, o sangue marcou a Igreja ruandesa muitas vezes com a cor do martírio, mas às vezes – e é algo que ainda surpreende – manchando mãos culpadas.

Não por acaso, recebendo os bispos ruandeses justamente nessa semana, o Papa Francisco recordou os "tantos sofrimentos e feridas, ainda longes de serem cicatrizadas" e os exortou a "seguir resolutamente em frente, testemunhando incessantemente a verdade", ressaltando que "a Igreja tem um lugar importante na reconstrução de uma sociedade reconciliada".

Uma impressão amarga se difundiu nas consciências naquela primavera de 1994. Mas a comunidade internacional não captou imediatamente o assustador porte dos acontecimentos. O Conselho de Segurança da ONU se limitou a solicitar que o então secretário-geral, Boutros Boutros-Ghali, tomasse "as medidas necessárias para assegurar a segurança" dos cidadãos estrangeiros na Ruanda.

Uma década depois, Kofi Annan, o sucessor de Boutros-Ghali, que em 1994 era responsável pelas missões militares da ONU, admitiu, ele mesmo, que tinha subestimado a situação. Assim como, um ano depois, em julho de 1995, as forças de paz francesas da ONU demonstraram ser impotentes diante de outro genocídio, o de Srebrenica, na Bósnia eHerzegovina.

Além disso, nem mesmo a trágica história balcânica realmente envolveu o norte rico e poderoso do mundo, onde se viviam os anos do fim do bipolarismo leste-oeste com um alívio que as décadas posteriores se encarregariam de demonstrar que era infundado.

O que estava sendo preparado e o que depois aconteceu nos Bálcãs e na região dos Grandes Lagos pegou despreparada a comunidade internacional. No entanto, aquelas imagens, aquelas notícias de massacres, de campos de concentração que viam encadeados homens concretos e a própria dignidade do homem, valas comuns onde se enterravam cadáveres e a própria humanidade, não eram novas.

Não eram tão inéditas a ponto de parecerem incríveis. Acontecia de novo, como acontecera 50 anos antes na Europa. A imprensa propunha evidências cruas e ressuscitava memórias dolorosas. Mas essa insistência da memória não soube se tornar compaixão ativa, reflexão atenta, vigilância solícita.

Declinava, entregando os seus horrores ao duro julgamento da posteridade, um século marcado pelas atrocidades, o século que inventara os campos de concentração, as limpezas étnicas, os genocídios sistemáticos, que tinha proposto a epidemia recorrente dos totalitarismos, que devastara a fisiologia das nações com a patologia dos nacionalismos, que havia transformado a identidade étnica na máscara zombeteira do racismo.

Centenas de caveiras lembram que a omissão pode ser criminosa
Igreja ajudou fascismo até com fornecimento de armas
agosto de 2012

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias