Pular para o conteúdo principal

Liberdade de consciência exige retirada de crucifixo de tribunais


Exibição de símbolo 
católico no Supremo
 viola a separação 
entre Estado e Igreja

por Roberto Arriada Lorea

A ostentação de um crucifixo no plenário do STF é inconstitucional porque viola a separação entre o Estado e a igreja, ferindo o direito à inviolabilidade de crença religiosa que é assegurado a todos os brasileiros. Não se trata aqui de examinar o conteúdo das religiões cristãs que se identificam com esse símbolo religioso em particular. Escrevo em defesa de um Judiciário laico, único modelo capaz de preservar a igualdade de tratamento a todos os cidadãos, independentemente de sua crença religiosa, assegurando também a imparcialidade das decisões judiciais.

No Estado democrático de Direito, é ilegítima a pretensão da igreja de reger toda a sociedade. Um determinado discurso religioso se exerce legitimamente apenas para o grupo de seguidores, que voluntariamente aderem a essa crença.

O argumento de que o uso de crucifixos nos foros e tribunais do Poder Judiciário se justificaria pelo fato de a maioria da população brasileira ser cristã não resiste a uma análise imparcial. Isso porque não se trata de saber se a maioria da população é ou não cristã ou se está ou não representada por este ou aquele símbolo religioso.

A questão é aceitar que o Brasil é um país laico e que a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado. Conforme o Ibope, a esmagadora maioria dos católicos brasileiros (85%) apoia a separação entre a igreja e o Estado.


Quanto ao argumento de que os crucifixos nos tribunais não têm conotação religiosa, é preciso lembrar os ensinamentos da antropologia: quanto menos percebido for (enquanto tal) um símbolo, maior é a sua eficácia simbólica. Ou lembrando Simone de Beauvoir: o mais escandaloso dos escândalos é aquele a que nos habituamos.

Preservar o espaço dos tribunais, utilizando-se somente dos símbolos da República elencados no artigo 13, primeiro parágrafo, da Constituição Federal, é o único modo de assegurar a liberdade de consciência e de crença a essa parcela minoritária da população, bem como respeitar aqueles que professam a religião da maioria, mas não desejam ser julgados segundo os dogmas de sua própria confissão.

Se é verdade que o magistrado, como um cidadão, é livre para aderir (ou não) aos livros sagrados, não é menos verdadeiro que, no exercício da magistratura, como um agente político do Estado, deve obediência a um único livro: a Constituição federal.

Do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, espera-se que honre o cargo que está ocupando, com o exemplar cumprimento do artigo 19, inciso um, da Constituição federal. Não o fazendo, chancela o controle religioso de um dos Poderes da República.

O uso do crucifixo no Supremo Tribunal Federal, além de violar a liberdade religiosa de milhões de brasileiros, reproduz, no plano simbólico, a aliança entre o Estado e a igreja, vigente durante a Monarquia, mas abolida com a proclamação da República.

Essa aliança não é apenas simbólica, traduz-se nas práticas do Poder Judiciário e eventualmente adquire visibilidade, como aconteceu por ocasião da cassação da liminar relativa à antecipação terapêutica de parto em razão de anencefalia fetal, quando o ministro Cezar Peluso sentiu-se à vontade para embasar seu voto com o argumento cristão de que o sofrimento em si não é alguma coisa que degrade a dignidade humana, é, ao contrário, essencial à vida.

Tratando-se de um Estado laico, evidentemente que a motivação das decisões judiciais devem estar embasadas em pressupostos razoáveis, revelando-se inconstitucional que a decisão judicial imponha uma crença religiosa particular como se fosse uma razão de ordem pública.

Ao ostentar um crucifixo, o Judiciário está, implicitamente, aderindo a um conjunto de valores que não são compartilhados por milhões de brasileiros que não se vêem contemplados nessa tomada de posição do Estado, aí incluídos muitos que professam a religião da maioria. Mostra-se ilegítima essa postura estatal que sinaliza para toda a sociedade que o Judiciário tem premissas jurídicas calcadas em uma fé específica.

Diante do quadro atual, todo cidadão cuja presença seja exigida em qualquer foro ou tribunal do país (seja advogado, defensor público, membro do Ministério Público, servidor, jurado, testemunha, parte ou réu) tem o direito constitucional de exigir a retirada de qualquer símbolo religioso que esteja afixado nas dependências do Poder Judiciário, a fim de ver respeitada a sua liberdade religiosa, eis que ninguém está obrigado se submeter à crença religiosa de outrem. Entretanto, em um Estado democrático de Direito é o próprio Poder Judiciário que deveria, ao não ostentar quaisquer símbolos religiosos, assegurar esse direito aos cidadãos.

Roberto Arriada Lorea é antropólogo e juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Esse artigo foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo no dia 24 de setembro de 2005.


TRE-RS usa argumento pífio para colocar crucifixo no plenário

Papa derruba balela de juízes de que crucifixo não símbolo de religião





A responsabilidade dos comentários é de seus autores.


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê