Pular para o conteúdo principal

Religiosos não entendem que Estado laico beneficia a todos


'Há uma disputa pela
 mente dos brasileiros'

O Brasil ainda está distante de ter uma efetiva separação entre Estado e Igreja porque as lideranças religiosas se recusam a entender que o Estado laico beneficia a todos, disse Åsa Heuser, 59, presidente da LiHS (Liga Humanista Secular do Brasil). Para ela, uma das causa dessa renitência é o fato de o Brasil ter uma história de forte influência religiosa.

Na entrevista abaixo, Åsa fala sobre o movimento humanista no Brasil e faz um resumo das atividades de sua entidade. Trata-se da segunda parte de uma entrevista. O assunto da primeira foi astrologia.


"Religião não deveria ser a base da moral"

Paulopes: Você é a presidente da Liga Humanista Secular do Brasil, entidade que defende a separação entre Estado e Igreja. O que os movimentos humanistas têm feito ou podem fazer para deter o avanço dos religiosos sobre o Estado laico?

Åsa: Os movimentos humanistas têm tido um papel importante de educação da sociedade — muitos religiosos não entendem que o Estado Laico é benéfico para todos. Eles vêm com essa história de que queremos um Estado ateu, etc, mas defendemos o Estado Laico. Exceto para os mais fundamentalistas que vislumbram benefícios com a ascensão do seu Estado Teocrático, o Estado Laico é benéfico para todas as religiões e também para ateus, céticos, livres pensadores etc. Temos que tornar essa informação disponível. E já fomos até ao STF para passar essa mensagem representados pelo nosso diretor jurídico, Thiago Vianna. A LiHS se fez presente na audiência pública sobre ação contra ensino religioso obrigatório nas escolas públicas e além desta ação as que tratam de obrigatoriedade de Bíblias nas escolas e/ou bibliotecas.


​Os militantes humanistas são muito ativos no mundo virtual. Como você avalia essa militância? Ela não lhe parece superficial e fechada em si mesma, falando somente​ para uma audiência que já é humanista?

É mais fácil falar para nossos pares, então é natural que o primeiro alvo do ativismo humanista seja seus próprios membros. Mas acredito que é importante tornar o conteúdo disponível para outras audiências. Essa é uma das missões da LiHS, mostrar que muitos valores humanistas são benéficos não só para ateus humanistas, mas para deístas e teístas moderados também.

Os humanistas costumam ser mais propensos a tentar encontrar uma base comum com religiosos moderados — muitas coisas do humanismo em si vieram disso. Num ambiente virtual cada vez mais vitriólico, separatista e estimulador de rivalidades, essa postura faz toda a diferença. Devemos estar dispostos a botar as cartas na mesa do debate público. Uma vez que se nota que podemos todos concordar com direitos humanos (que não exigem que se aceite ideias implausíveis sobre a origem da moralidade), mas não com mandamentos divinos, já estamos dando um exemplo de concessão moderada e de racionalismo ao mesmo tempo.

A própria Constituição já pode ser vista como um código ético independente de premissas religiosas, apesar da menção a Deus no preâmbulo (que foi abandonada na constituição do estado do Acre).

Os ativistas humanistas diferem bastante entre si, por exemplo, quanto às prioridades: alguns se dedicam mais a ceticismo e crítica racionalista, outros mais a proposições em questões como direitos humanos. Às vezes discordam veementemente, estrondosamente até. Mas o que os une são os valores fundamentais do humanismo: de que podemos confiar em nós mesmos para encontrar conhecimento e ética, não dependendo de auxílio sobrenatural.

Você acha que a maioria dos brasileiros sabe quais são valores humanistas? A mesma pergunta com outra formulação: se disser ao porteiro de um prédio que você é humanista, ele vai entender?


Provavelmente não, mas ele não vai reagir mal como poderia reagir se você usasse "ateu", que tem mais estigma (que deveria ser dissipado), e não reagiria com confusão, como reagiria se você dissesse "agnóstico".

A palavra "humanismo" vai soar positiva para o porteiro, vai significar para ele algo como uma postura amena, de boa vontade para com as pessoas. Prova disso é que até membros da bancada teocrática já alegaram que são "humanistas". Há aí um pequeno fundo de verdade, porque em muitas situações a postura civil será a melhor para um humanista, embora não todas.

Essa ideia popular de "humanista" não é algo definidor de "humanismo", da forma como usamos na LiHS, seguindo a IHEU [International Humanist and Ethical Union]. A IHEU tem 64 anos enquanto o cristianismo tem milênios, não é de se admirar portanto que a definição de humanismo que usamos, que é não teísta, não seja ainda popular no país. Mas, a julgar por alguns líderes religiosos que já usam "humanismo" pejorativamente, parece que é algo prestes a mudar.

O Brasil tem séculos de influência religiosa e, diferentemente de outros países com tradições mais seculares, há uma mistura incestuosa entre igrejas e Estado. Não é de um dia para outro que se consegue mostrar para o porteiro do prédio que o humanismo é uma visão de mundo racionalista, cética, não teísta, e que religião não deveria (mais) ser a base da nossa moral, mas estamos tentando.

Nos últimos anos, muitos jovens se assumiram como ateus. Tendo em vista que neste ano haverá eleições, por que, entre os candidatos, ninguém se habilita para receber esses votos, com a apresentação de um programa fortemente humanista?

É uma boa pergunta, mas tem a ver com o fato de que humanistas ainda são uma pequena minoria no país. É muito mais fácil se eleger se você pertence a um grupo - por exemplo, uma denominação religiosa - com milhões de pessoas.

Não que não sejamos também milhões, mas são milhões pouco organizados, pouco afeitos à organização institucional (pois confundimos institucionalização do humanismo com transformá-lo em religião). No caso dos políticos religiosos, além do número de seguidores, eles ainda costumam ter à disposição bilhões de reais, canais de TV e estações de rádio. E, como houve com certa denominação que tem o apoio do Eduardo Cunha, conseguem lobby político até para perdoar dívidas de centenas de milhões com o Estado.


Há uma disputa pelas mentes dos brasileiros, e nós precisamos saber que muitos estão dispostos a usar a arte da propaganda para arrebanhar mentes. Nosso apelo, que é menos propagandístico e mais pautado em argumentos (e deve ser assim), requer mais esforço da mente individual para ser digerido e absorvido.

Podemos ser otimistas e esperar que, com o tempo, as pessoas se cansem de propaganda e exijam que seus candidatos tenham propostas programáticas claras. Teve candidato nas últimas eleições que esperou até o último minuto para publicar o que estava propondo, se fiando apenas em carisma e propaganda. Essa faceta negativa da publicidade é inimiga da abordagem racionalista do humanismo, que exige análise de ideias, propostas. Quando os cidadãos se importarem mais com análise de ideias, prevemos que o humanismo terá influência real na política.

A presidente Dilma tem se submetido à pauta conservadora da bancada evangélica, cujos parlamentares fazem parte de sua base de sustentação. Apesar disso, mesmo neste momento de grave crise político-econômica, representações humanistas e ateias têm se mantido neutras politicamente, para não magoar seus associados petistas. Esse seria o caso da LiHS?

A LiHS procura ser neutra politicamente — até porque possui membros de todos os partidos. Não é missão da LiHS ser uma organização de esquerda ou direita e muito menos ser um partido político.
A LiHS critica ou apoia ações de pessoas, instituições ou partidos mas não pretende ser um partido. E, é claro, existe para defender os valores do humanismo. Esperamos que nossos membros estejam dispostos a transcender o corporativismo ideológico e partidário na defesa dos valores humanistas, pois é isso que ser humanista exige deles. Mas errar é humano e é normal que algumas pessoas humanistas fiquem cegas na defesa deste ou daquele candidato, deste ou daquele partido. Criticando-se mutuamente, humanistas devem descobrir sozinhos como se posicionar, e não devem esperar que a LiHS produza respostas tão específicas.

A LiHS existe para as generalidades, pois nenhuma outra organização tem essa missão explícita no Brasil.

Para as próximas eleições presidenciais ou no caso do impeachment, qual seria, do ponto de vista humanista secular, o melhor ou o menos pior dos potenciais candidatos que se tem até agora?

De novo, a LiHS não é um partido político ou um órgão de aconselhamento específico de postura política. Muitos dos argumentos que se pode usar para desaprovar que igrejas e líderes religiosos exortem seus seguidores a votar em determinada pessoa também valem para instituições humanistas. Entendemos que cada membro deve escolher, dentro da sua concepção de o que é melhor para seu município, estado ou país, seus candidatos. Isso costuma ter relação com a pauta do candidato em relação à questões sociais mas também tem relação com suas visões macroeconômicas, estratégicas, etc.


Podemos apontar ações que violam a laicidade, os direitos humanos, etc — como temos feito independentemente — mas não imaginamos que dividir a LiHS em dois ou três novos subgrupos ideológicos distintos seria benéfico. É Liga Humanista, não Liga Humanista Socialista ou Liga Humanista Conservadora, ou qualquer outra coisa do tipo. Nossa mensagem é propositalmente genérica, estamos aqui para dizer que existe vida com sentido sem religião.

Para finalizar, fale um pouco da LiHS. De sua história, atividades e projetos, quanto associados tem, endereços de contato, etc.

A LiHS foi fundada em Porto Alegre em 2010 e tem cerca de 3.700 membros, espalhados por todos os estados do Brasil. Tem atuação tanto virtual quanto no dia a dia, com ações em defesa do Estado Laico, representações junto ao Ministério Público, organização e participação de eventos e também em audiências no Supremo Tribunal Federal.

 Creio que nosso projeto mais bem-sucedido em organização foi o primeiro Congresso Humanista brasileiro em 2012. Somos conhecidos também por manter o blog Bule Voador desde 2009. Nosso mais ambicioso projeto virá em 2017: trazer pela primeira vez o Congresso Humanista Mundial ao Brasil. Mais informações em www.lihs.org.br.



Se Deus vê o futuro e aceita o mal, ele não é bom, diz escritor

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

Dinheiro do jogador é administrado por seu pai O jogador Neymar da Silva Santos Júnior (foto), 18, paga por mês R$ 40 mil de dízimo, ou seja, 10% de R$ 400 mil. Essa quantia é a soma de seu salário de R$ 150 mil nos Santos com os patrocínios. O dinheiro do jogador é administrado pelo seu pai e empresário, que lhe dá R$ 5 mil por mês para gastos em geral. O pai do jogador, que também se chama Neymar, lembrou que o primeiro salário do filho foi de R$ 450. Desse total, R$ 45 foram para a Igreja Batista Peniel, de São Vicente, no litoral paulista, que a família frequenta há anos. Neymar, o pai, disse que não deixa muito dinheiro com o filho para impedi-lo de se tornar consumista. “Cinco mil ainda acho muito, porque o Juninho não precisa comprar nada. Ele tem contrato com a Nike, ganha roupas, tudo. Parece um polvo, tem mais de 50 pares de sapatos”, disse o pai a Debora Bergamasco, do Estadão. O pai contou que Neymar teve rápida ascensão salarial e que ele, o filho, nun...

‘Psicóloga cristã’ faz desafio: ‘Quero ver se tem macho para me cassar’

Profissional abusa de vocabulário inadequado Marisa Lobo, que mistura psicologia com pregação religiosa e diz ser 'psicóloga cristã', escreveu em seu Twitter: “Quero ver se tem alguém macho para me cassar por que falar de Deus no meu TT. Nenhum código de ética está acima da Constituição do Brasil”.  Trata-se de um desafio ao CRP (Conselho Regional de Psicologia) do Paraná, que deu 30 dias para que ela desvincule na internet a profissão de sua crença religiosa. Ela corre o risco de ter cassado o seu registro profissional. O código de ética da profissão diz que ao psicólogo é vedado "induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais". Até agora, desde que foi advertida, no começo do mês, Marisa tem apostado no confronto com a entidade de classe, usando no Twitter um vocabulário no mínimo estranho para alguém que insiste em...

Padre acusa ateus de defenderem com 'beligerância' a teoria da evolução

O padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr . (foto) advertiu os seus fiéis de que não podem ser “ingênuos” quando estiverem debatendo a teoria da evolução porque o seu interlocutor pode ser um ateu “beligerante”.

Malafaia católico acusa juízes de seguirem valores ateístas

Azevedo fala manso, mas é mais radical Malafaia Ao comentar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de retirar os crucifixos de suas instalações, o padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr. (foto), da Arquidiocese de Cuiabá (MT), acusou os magistrados de imporem à sociedade uma “cultura ateia”, em detrimento dos valores cristãos.   Para ele, isso é uma “perversão que abala o princípio da própria Justiça”. Azevedo é um padre de fala mansa e gestos comedidos. Nesse aspecto, ele é bem diferente do espalhafatoso pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Mas Azevedo pode ser chamado de “o Malafaia da Igreja Católica” pela radicalidade de suas pregações e por suas ideias, que se situam à direita até mesmo em relação às do seu colega evangélico. Ambos sofrem dos males da teoria da conspiração contra os valores cristãos. Para Malafaia, o movimento gay quer dominar o Brasil e o mundo. Para Azevedo, os conspiradores preferenciais são os at...

CRP dá 30 dias para que psicóloga deixe de fazer proselitismo religioso

Petição pela retirada de Deus do real já tem mais de mil adesões

A referência ao Deus cristão é uma afronta ao Estado laico A petição on-line ao CMN (Conselho Monetário Nacional) da LiHS (Liga Humanista Secular do Brasil) pela retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas do real já tem mais de mil adesões. A LiHS congrega céticos, agnósticos, ateus e livres-pensadores em torno de valores éticos. Tem se destacado na defesa do Estado laico. Em dezembro de 2011, o Ministério Público Federal em São Paulo encaminhou ao Banco Central pedido pela supressão das cédulas da frase de cunho religioso. Como resposta, o BC disse que se trata de uma questão da alçada do CMN. Algumas pessoas estão justificando sua adesão à petição, como Henrique Jucá. Ele disse que o Estado brasileiro deve estimular a diversidade, mas não pode privilegiar a divulgação de nenhum credo. Para Natasha Avital, é uma afronta aos brasileiros não cristãos terem de “passar adiante uma profissão de fé” toda vez que usam dinheiro. Rafael Andrade argumentou que, em um Es...

Líder religioso confirma que atirador foi da Testemunhas de Jeová

O superintendente do Circuito Rio de Janeiro-07 da Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira, confirmou ao UOL que Wellington Menezes de Oliveira, o atirador do Realengo, frequentou um templo da religião na Zona Oeste da cidade. Casa do atirador tinha publicações da TJs O líder religioso procurou minimizar esse fato ao ressaltar que Wellington foi seguidor da crença apenas no início de sua adolescência. Ele não disse até que ano Wellington foi um devoto. Na casa do atirador, a polícia encontrou várias publicações editadas pela religião. (foto) Essa foi a primeira manifestação da TJs desde que Wellington invadiu no dia 7 de abril uma escola e matou 12 estudantes e ferindo outros. Oliveira fez as declarações em resposta a um ex-TJ (e suposto amigo do atirador) ouvido pelo UOL. Segundo esse ex-fiel, Wellington se manteve na religião até 2008. Por essa versão, Wellington, que estava com 23 anos, permaneceu na crença até os 20 anos. Ou seja, já era adulto, e não um pré-ad...

Igreja Mundial vende por R$ 91 fronha milagrosa dos sonhos

O pastor Valdemiro Santiago está vendendo por R$ 91 em programas de emissoras de TV e nos templos de sua igreja, a Mundial, fronha milagrosa dos sonhos, para o fiel colocar no travesseiro de drogado, desempregado ou de enfermos. O pagamento é por meio de depósito na conta da Igreja. A entrega é feita pelos Correios. O valor é uma referência ao Salmo 91, que, entre outras coisas, diz: “Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia”. O preço do Valdemiro está bem acima do cobrado pelo mercado. Para se ter ideia, o site do Magazine Luiza está oferecendo uma fronha avulsa branca 100% algodão de 70 cm por 50 por R$ 5,73. Pastor recomenda a fronha para drogado e desempregado A arrecadação da fronha milagrosa  — segundo o chefe da Mundial — se destina à “obra de Deus”, que é a construção no Rio da Cidade Mundial, ancorada em 91 colunas. Valdemiro tem aconselhado a quem “não tem conseguido dormir por causa de problemas e dificuldades” a comprar mais de uma fronha. U...

Líder de igreja é acusado de abusar de dezenas de fiéis