por Gabriela Rondon
para o site Jota
O que se decide nas comissões da Câmara dos Deputados está sob especial holofote nas últimas semanas, com as reformas trabalhista e da previdência movimentando a maior parte das atenções. Mas, há poucos dias, por outra razão os órgãos legislativos foram parar em notícias: o anúncio de que, em vez de debates parlamentares, suas salas recebem todas as semanas cerimônias católicas e evangélicas, em horário de funcionamento da Casa.
Católicos e evangélicos fazem proselitismo na Câmara |
Na mesma manhã e no mesmo corredor, outro deputado, Pastor Eurico (PHS-PE), conduzia o culto evangélico na Comissão de Tributação e Finanças, onde chegou a bradar “a nossa justiça não é a nossa justiça, é a justiça do senhor Jesus cristo”. Poucas frases são tão óbvias no ataque à laicidade do Estado como essa.
O problema dos eventos religiosos na Câmara dos Deputados não é só que ocupem o tempo de trabalho de parlamentares, embora esse ponto já seja suficientemente grave.
O problema dos eventos religiosos na Câmara dos Deputados não é só que ocupem o tempo de trabalho de parlamentares, embora esse ponto já seja suficientemente grave.
É uma afronta à democracia que considerem possível colonizar o espaço público das comissões legislativas com seus ritos privados de adoração a deuses.
A confusão das esferas não se limita ao uso inadequado de um espaço previsto para outro fim, mas reverbera na atuação desses mesmos deputados. Basta lembrar que Pastor Eurico foi um dos responsáveis por apresentar projeto apelidado de “cura gay”, que pretendia permitir a realização de terapias para “reverter homossexualidade”, e é uma das vozes atuantes na cruzada “contra a ideologia de gênero” e “em favor da família” para impedir debates sobre discriminação e desigualdade no parlamento e em escolas.
Na Constituição Federal não há nenhuma vez a palavra laicidade ou Estado laico. Mas isso não significa que o princípio não esteja claro: o art. 19 estabelece textualmente que é vedado ao Estado em qualquer de suas esferas, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas”, ou “manter com seus representantes relações de dependência ou aliança”.
Na Constituição Federal não há nenhuma vez a palavra laicidade ou Estado laico. Mas isso não significa que o princípio não esteja claro: o art. 19 estabelece textualmente que é vedado ao Estado em qualquer de suas esferas, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas”, ou “manter com seus representantes relações de dependência ou aliança”.
Quando deputados se reúnem em horário útil, despendendo tempo e recursos públicos para reforçar os dogmas que orientam suas atuações proselitistas, é a aliança com os divinos particulares, e não com os princípios republicanos do debate público, que é reforçada. Exatamente o que o texto constitucional veda.
Mas sempre é tempo de lembrar àqueles que nos representam: a casa do povo é nossa. Não de seus deuses.
Envio de correção
Conselho do Ministério Público quer reforço ao Estado laico
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