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Secularização da América Latina tende a atingir a média global


O lento afundamento da religião

por José Eustáquio Diniz Alves
para EcoDebate

“Deus quer evitar o mal, mas não pode fazê-lo? Então não é onipotente.
É capaz de evitar, mas não quer? Então é malvado.
Deus pode e quer evitar o mal? Então por que permite a maldade?
Deus não pode e nem quer evitar o mal? Então por que chamá-lo Deus?”
(Epicuro de Samos, 341-270 a. C.)


A América Latina e o Caribe (ALC) têm passado por um aumento da secularização, pois, além da menor dominação dos símbolos religiosos sobre as instituições, cresce o número de pessoas que se declaravam sem religião que, na média da região, estava em torno de 1% em 1970 e chegou a 8% em 2014.

O Uruguai é o país mais secularizado de todo o continente americano, com 37% da população se declarando sem religião, sendo 10% de ateus e 3% de agnósticos.

A laicidade tem uma longa tradição no Uruguai. Em 1861, o governo nacionalizou os cemitérios em todo o país, rompendo o controle que existe pelas igrejas. Logo depois, o governo proibiu as igrejas de ter papel protagonista na educação pública ou emitir certificados de casamento. No século XX, uma nova constituição consagrou a separação entre religião e esfera pública.

O percentual de pessoas sem religião na República Dominicana e entre a população hispânica dos EUA ficou empatado em 18%. Em seguida aparece o Chilecom 16% de pessoas sem religião, sendo 2% ateus e 3 agnósticos. El Salvador tinha 12% sem religião. A Argentina com 11% sem religião, sendo 4 ateus e 1% agnóstico. Honduras tinha 10% sem religião, sendo 1% de agnósticos. Costa Rica com 10% de sem religião e 1 agnóstico. Brasil com 8% sem religião e 1% agnóstico. O país menos secularizado era o Paraguai com somente 1% de pessoas sem religião.

No Brasil, o percentual de cristãos (católicos + evangélicos) caiu de 97%, segundo o censo demográfico de 1970, para 96% em 1980, para 92% em 1991, para 89% em 2000 e para 87% no último censo, do IBGE, de 2010. Concomitantemente, o percentual de pessoas que se declaram sem religião passou de 0,8% em 1970, 1,6% em 1980, 4,7% em 1991, 7,4% em 2000 e 8,0% em 2010.

As diversas pesquisas do Instituto Datafolha mostram um crescimento mais acelerado do percentual de pessoas sem religião no Brasil. Em agosto de 1994 havia 5% de pessoas sem religiões no país, passou para 7% em abril de 2014 e para 14% em dezembro de 2016.

Contudo, este número é muito diferenciado nos municípios. Por exemplo, a cidade de Chuí no Rio Grande do Sul, quase na divisa com o Uruguai, é onde o percentual de pessoas sem religião é a mais alta do país, conforme mostra a tabela abaixo. No ano 2000 havia 38,5% de pessoas sem religião em Chuí e este percentual passou para 54,2% em 2010.


Mas há outras cidades no Brasil com alto percentual de pessoas sem religião: Gaúcha do Norte, MT, com 40,1%, Álvaro de Carvalho, SP, com 38,4%, Roteiro, AL, com 38,3%, Barra de Santo Antônio, AL, com 35%.


Parece que os ventos secularizantes vão continuar soprando no Brasil e fazendo com que a categoria de pessoas que se declaram sem religião cresça em volume. 

O percentual de sem religião é maior entre os homens e os jovens que nasceram depois de 1980. Isto quer dizer que a tendência a uma maior secularização deve aumentar na medida em que estas gerações mais jovens envelheçam e o Brasil se torne um país mais plural em termos religiosos.

Além disto o Brasil está abaixo da média do Global Index of Religiosity and Atheism (2012) do WIN-Gallup International, que aponta uma média mundial de 23% para as pessoas que se declaram sem religião e de 13% para os que se declaram ateus. Portanto, o aumento da secularização da ALC está indo na direção de se aproximar da média mundial. Nos EUA o percentual de pessoas sem religião passou de 7% na década de 1990 para 23% em 2014.

Como mostra Phil Zuckerman, os países com alto índice de pessoas sem religião, em vez de serem bastiões de pecado e corrupção (como o direito cristão sugeriu que uma sociedade sem Deus seria), são países que estão no topo do “índice de felicidade” e desfrutam de sociedades saudáveis, que possuem algumas das taxas mais baixas de crimes violentos no mundo.

No caso da ALC, um sinal da perda de influência da Igreja Católica (mas também das evangélicas) é que o “sacramento” do casamento religioso é cada vez mais infrequente na região. Praticamente, em todos os países latino-americanos diminui o percentual de casamentos religiosos e cresce o percentual de casamentos consensuais e, também, o número de nascimentos fora do casamento legal. Por exemplo, segundo o IBGE, no Brasil o percentual de casamentos “civil e religioso” era de 63,8% em 1980 e caiu para 42,9% em 2010. O percentual de casamentos “só religioso” era de 8,1% em 1980 e caiu para 3,4% em 2010.

A diversificação religiosa e o crescimento do Estado Laico fazem com que diversas instâncias da sociedade funcionem de acordo com a lógica da ciência e os critérios lógicos da racionalidade e não em termos de dogmas religiosos. Nesse sentido, na média da região, a América Latina e Caribe, mesmo com ampla predominância cristã, está cada vez mais plural e secularizada.

O autor do texto é doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.





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