Pular para o conteúdo principal

Macron e Igreja Católica planejam dar um golpe no secularismo francês


Presidente quer
'reparar' um vínculo
que não existe


por Stefano Montefiori
para Corriere dela Sera

Na segunda-feira à noite [9 de abril de 2018], Emmanuel Macron dirigiu-se para a Conferência Episcopal francesa no Collège des Bernardins, o edifício medieval do Quartier Latin, onde até a Revolução Francesa ficavam abrigados os monges cistercienses que estudavam na Universidade de Paris. Pela primeira vez um presidente da República havia aceitado o convite da hierarquia eclesiástica francesa.

Macron pronunciou um discurso solene que empolgou os bispos e causou desconforto naqueles, principalmente da esquerda, que ao longo dos anos têm defendido o secularismo - a separação entre a República e as religiões - como a condição mais importante da sociedade civil.

Em mais de uma hora de defesa apaixonada do papel - inclusive político e social – dos católicos, Macron foi contracorrente em relação ao discurso público dominante na França, desde os tempos da batalha contra o véu islâmico nas escolas (2004).

O presidente declarou logo no início a sua frase mais polêmica: "Estamos unidos de alguma forma no sentimento de que o vínculo entre a Igreja e o Estado tenha se deteriorado, e que repará-lo seria importante tanto para vocês como para mim". 

Mas tal vínculo, de acordo com a lei de 1905 mil vezes evocada ao longo dos anos, foi rescindido no início do século XX para o benefício de todos.

 Quem analisa isso de forma mais explícita é Jean-Luc Mélenchon da France Insoumise (esquerda radical): "Um discurso alucinante. Vínculo deteriorado? O vínculo entre Estado e Igreja foi rompido em 1905, e não há razão alguma para reatá-lo".

Macron estava ciente de que a sua presença e, especialmente, as suas palavras representavam uma ruptura na tradição republicana, tanto que na sequência do discurso afirmou: "Alguns poderão considerar que essas frases infringem a laicidade. (...) Mas a função da laicidade certamente não é a de negar o elemento espiritual em nome do elemento temporal, nem de erradicar das nossas sociedades a parte sagrada que alimenta muitos dos nossos concidadãos". 

E mais ainda: "Eu sou, como chefe de Estado, garante da liberdade de crer e não crer, mas não sou nem o inventor nem o promotor de uma religião de Estado que substitua à transcendência divina um credo republicano."


A questão tem bem pouco de doutrinário porque o secularismo foi protagonista dos momentos-chave na história recente francesa. Desde a proibição dos “símbolos religiosos visíveis” em escolas (o véu islâmico, mas também o crucifixo e o kipá), à lei sobre o mariage pour tous aprovada em 2013, apesar da forte oposição da Igreja.

O casamento homossexual volta a estimular a reflexão de Macron, que já em fevereiro de 2017 falou de "humilhação" da parte do país "que tem boas razões para viver em ressentimento" (ou seja, os milhares de católicos que haviam protestado nas ruas em vão). Em seu discurso aos bispos na segunda-feira à noite, Macron saudou "os sacerdotes que ajudam as famílias com um único pai, as divorciadas e as homossexuais".

As associações LGBT ficaram furiosas. "Em primeiro lugar, fala-se de famílias homoparentais e não homossexuais - ressaltou Catherine Michaud, presidente da GayLib - E depois eu gostaria de saber como elas seriam ajudadas pela Igreja. Talvez recomendando curas para se tornarem heterossexuais?".

Desconforto presente também no que resta da esquerda antigamente no governo, com o ex-primeiro-ministro Manuel Valls que afirmou "o secularismo é a França, e tem um único fundamento: a lei de 1905". 

O medo, também expresso em alta voz pelo Front National, é que ao romper o dique construído entre o Estado e a Igreja católica acabe-se por legitimar as reivindicações de todas as religiões, e, portanto, do Islã.

Com tradução de Luisa Rabolini para o IHU Online. O título acima é deste site.


Evangélicos se alastram na França, informa Le Monde

Estado laico brasileiro foi criado em 1890, mas ele ainda é frágil




A responsabilidade dos comentários é de seus autores.


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Onde Deus estava quando houve o massacre nos EUA?

Deixe a sua opinião aí embaixo, no espaço de comentários.

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Papa afirma que casamento gay ameaça o futuro da humanidade

Bento 16 disse que as crianças precisam de "ambiente adequado" O papa Bento 16 (na caricatura) disse que o casamento homossexual ameaça “o futuro da humanidade” porque as crianças precisam viver em "ambientes" adequados”, que são a “família baseada no casamento de um homem com uma mulher". Trata-se da manifestação mais contundente de Bento 16 contra a união homossexual. Ela foi feita ontem (9) durante um pronunciamento de ano novo a diplomatas no Vaticano. "Essa não é uma simples convenção social", disse o papa. "[Porque] as políticas que afetam a família ameaçam a dignidade humana.” O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou indignado com a declaração de Bento 16, que é, segundo ele, suspeito de ser simpático ao nazismo. "Ameaça ao futuro da humanidade são o fascismo, as guerras religiosas, a pedofilia e o abusos sexuais praticados por membros da Igreja e acobertados por ele mesmo", disse. Tweet Com informação

Pastor mirim canta que gay vai para o inferno; fiéis aplaudem

Garoto tem 4 anos Caiu na internet dos Estados Unidos um vídeo onde, durante um culto, um menino de quatro anos canta aos fiéis mais ou menos assim: “Eu sei bem a Bíblia,/Há algo de errado em alguém,/Nenhum gay vai para o céu”. Até mais surpreendente do que a pregação homofóbica do garotinho foi a reação dos fiéis, que aplaudiram de pé, em delírio. Em uma versão mais longa do vídeo, o pai, orgulhoso, disse algo como: “Esse é o meu garoto”. A igreja é a Apostólica do Tabernáculo, do pastor Jeff Sangl, de Greensburg, Indiana. Fanático religioso de amanhã Íntegra do vídeo. Com informação da CBS . Pais não deveriam impor uma religião aos filhos, afirma Dawkins. julho de 2009 Intolerância religiosa no Brasil

Cristãos xingam aluna que obteve decisão contra oração

Jessica sofre hostilidades desde meados de 2011 Uma jovem mandou pelo Twitter uma mensagem para Jessica Ahlquist (foto): “Qual é a sensação de ser a pessoa mais odiada do Estado? Você é uma desgraça para a raça humana.”  Outra pessoa escreveu: “Espero que haja muitos banners [de oração] no inferno quando você lá estiver apodrecendo, ateia filha da puta!” Jessica, 16, uma americana de Cranston, cidade de 80 mil habitantes de maioria católica do Estado de Rhode Island, tem recebido esse tipo de mensagem desde meados de 2011, quando recorreu à Justiça para que a escola pública onde estuda retirasse uma oração de um mural bem visível, por onde passam os alunos. Ela é uma ateia determinada e leva a sério a Constituição americana, que estabelece a separação entre o Estado e a religião. Os ataques e ameaças a Jessica aumentaram de tom quando um juiz lhe deu ganho de causa e determinou a retirada da oração. Nos momentos mais tensos, ela teve de ir à escola sob a proteção da

Anglicano apoia união gay e diz que Davi gostava de Jônatas

Dom Lima citou   trechos da Bíblia Dom Ricardo Loriete de Lima (foto), arcebispo da Igreja Anglicana do Brasil, disse que apoia a união entre casais do mesmo sexo e lembrou que textos bíblicos citam que o rei Davi dizia preferir o amor do filho do rei Saul ao amor das mulheres. A data de nascimento de Davi teria sido 1.040 a.C. Ele foi o escolhido por Deus para ser o segundo monarca de Israel, de acordo com os livros sagrados hebraicos. Apaixonado por Jônatas, ele é tido como o único personagem homossexual da Bíblia. Um dos trechos os quais dom Lima se referiu é I Samuel 18:1: “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como a sua própria alma”. Outro trecho, em Samuel 20:41: “E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais”. Em II Samuel 1:26, fica claro p

Adventista obtém direito de faltar às aulas na sexta e sábado

Quielze já estava faltando e poderia ser reprovada Quielze Apolinario Miranda (foto), 19, obteve do juiz Marcelo Zandavali, da 3ª Vara Federal de Bauru (SP), o direito de faltar às aulas às sextas-feiras à noite e aos sábados. Ela é fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prega o recolhimento nesses períodos. A estudante faz o 1º ano do curso de relações internacionais da USC (Universidade Sagrado Coração), que é uma instituição fundada por freiras na década de 50. Quielze corria o risco de ser reprovada porque já não vinha comparecendo às aulas naqueles dias. Ela se prontificou com a direção da universidade em apresentar trabalhos escolares para compensar a sua ausência. A USC, contudo, não aceitou com a alegação de que não existe base legal para isso. Pela decisão do juiz, a base legal está expressa nos artigos 5º e 9º da Constituição Federal e na lei paulista nº 12.142/2005, que asseguram aos cidadãos a liberdade de religião. Zandavali determinou

Na última entrevista, Hitchens falou da relação Igreja-nazismo

Hitchens (direita) concedeu  a última entrevista de  sua vida a Dawkins da  New Statesman Em sua edição deste mês [dezembro de 2011], a revista britânica "New Statesman" traz a última entrevista do jornalista, escritor e crítico literário inglês Christopher Hitchens, morto no dia 15 [de dezembro de 2011] em decorrência de um câncer no esôfago.