Pular para o conteúdo principal

Jair Bolsonaro age com a autoridade de um emissário de Deus

por Ricardo Mariano
para Folha de S.Paulo

De acordo com o Datafolha, no segundo turno, 60% dos votos válidos dos evangélicos deverão ser no candidato do PSL contra 25% no petista, Fernando Haddad. Diante de tais números, vale analisarmos o entusiasmado apoio de vários líderes evangélicos, já no primeiro turno, a Jair Bolsonaro, apólogo contumaz da ditadura militar, da tortura e de torturadores.

Há, se olharmos em perspectiva, afinidades ideológicas de evangélicos de matiz conservadora com Bolsonaro que extrapolam o batismo do capitão reformado oficiado pelo pastor Everardo, presidente do PSC, e a filiação religiosa da esposa e dos filhos. E elas se somam ao crescente alinhamento evangélico à direita resultante dos embates de seus porta-vozes mais conhecidos com governos petistas e de seu posicionamento frente à polarização política e às reivindicações identitárias.

Historicamente, as igrejas evangélicas, com raras exceções, apoiaram a ditadura e a doutrina de segurança nacional contra o “perigo comunista”. 

Pastor Marco Feliciano (PODE/SP) a legitima afirmando que “não houve ditadura no nosso país”. O assembleiano Victório Galli (PSC/MT) edulcora o devaneio: “quem viveu aquele tempo tem saudade do sistema de governo que era. Não tinha corrupção, não tinha ladroagem, nem essa viadagem”. “No regime militar”, exalta o capitão reformado, “restabeleceu-se o progresso, a ordem, a disciplina e a hierarquia”.

Para justificar o apoio à atual chapa de militares à Presidência e demonizar seus adversários, invocam, por exemplo, teorias conspiratórias sobre a “Ursal”, de Olavo de Carvalho. Pastores garantem que os petistas almejam implantar o comunismo soviético ou venezuelano no Brasil, perseguir os cristãos, destruir a família, abolir o direito dos pais de educar os filhos, reorientar a sexualidade das crianças.

Indignados e inconformados diante do avanço do pluralismo cultural, das reivindicações feministas e LGBTs e das mudanças nos arranjos familiares e nas relações de gênero, tencionam fazer prevalecer sua moralidade privada no ordenamento jurídico pelo controle das instituições políticas.

Bolsonaro e a bancada evangélica são aliados na cruzada moralista em defesa da “cura gay”, do “orgulho heterossexual”, dos estatutos do nascituro e da família. Defensores da agenda de grupos “pró-vida” e “pró-família”, asseveram que as minorias LGBTs oprimem a maioria heterossexual. E trabalham para discriminá-las, combatendo a união civil de pessoas de mesmo sexo, a lei que obriga a rede pública de saúde a atender vítimas de estupro, os programas de prevenção à homofobia…

Bancada evangélica
e a da bala
chegam ao poder

Paladino da maioria cristã, o capitão reformado não tem pudores em alardear seus arroubos antidemocráticos: “Somos um país cristão. Deus acima de tudo. Não tem essa história, essa historinha de Estado laico, não. É Estado cristão. E quem for contra que se mude. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar. As leis devem existir para defender as maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”.

Em debate na TV Band em 9 de agosto, Bolsonaro defendeu a imposição da “Escola sem Partido”. Deputados evangélicos que encabeçam esse projeto advogam a sobreposição dos valores da ordem familiar à educação escolar. Para coibir a suposta doutrinação ideológica, pretendem censurar professores e impor conteúdos à escola avessos ao conhecimento científico, à cidadania e à educação laica e republicana.

E, na segurança pública, as bancadas evangélica e da bala, redutos do capitão reformado, compartilham a crença de que a elevada criminalidade e a ineficiência da segurança pública decorrem, em parte, de políticas de direitos humanos de partidos e governos de esquerda.

Em resposta, deputados evangélicos defendem o endurecimento das penas, a redução da maioridade penal, a revogação do estatuto do desarmamento. Pastor Eurico (PATRI/PE) propõe a prisão perpétua para traficantes. Marco Feliciano prevê a internação forçada de usuários de drogas. Marcos Rogério (DEM/RO), assembleiano, avalia que “temos uma polícia amedrontada por uma legislação que protege bandidos e pune bons policiais”.

O próprio candidato afirmou que sua intenção é retornar o Brasil no tempo em 50 anos na segurança pública [simbolicamente para o período mais duro da ditadura militar que teve início em 1968, ano do Ato Institucional Número 5, que restringiu liberdades e endureceu o regime].

Segue disso o discurso de endosso à rejeição da legislação para conter e punir o uso imoderado da força. Onyx Lorenzoni (DEM/RS), luterano, pleiteia que as forças de segurança “tenham excludente de ilicitude formalizado na lei”. Já existe tal provisão legal, mas o parlamentar defende, na prática, a inversão do ônus da prova, ou seja, se a polícia matou, ela o fez em legítima defesa e não haverá investigação obrigatória, que exigiria a análise por parte do Ministério Público e posterior decisão do Poder Judiciário.

Inspirados por versículos bíblicos e pela guerra contra o diabo, concebem a atuação policial como a luta do bem contra o mal. Em defesa dos “cidadãos de bem”, alguns pastores confundem justiça com vingança, identificam as forças policiais com “guerreiros de Deus” e lhes conferem autoridade divina para matar.

O lema “bandido bom é bandido morto” é apoiado por 57% dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha de 2016, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E tem respaldo, não de agora, de pastores e políticos evangélicos. Em discurso na Câmara em 2002, Cabo Júlio (PST/MG), pastor, propôs “extirpar” os bandidos: “Quando der para prender, prendemos; quando não, matamos”.

Em vídeo no Youtube, pastor Lucinho, da Igreja Batista da Lagoinha, incitou: “Policial cristão ou não cristão (…), você é um emissário do céu, você é Jesus ali protegendo a nossa sociedade. Então, chegou o momento, tem que usar o revólver, não tem jeito. Irmão, pega o revólver e, oh, não dá pouco tiro, não, dá muito tiro, dá muito tiro. (…) A autoridade está respaldada pela Bíblia e por Deus para sentar tiro na cara do povo que não quer viver de acordo com as nossas leis”.

Em meio a pânicos morais, teorias conspiratórias, fake news e discursos de ódio, líderes evangélicos conservadores apoiam Bolsonaro e se mostram afinados com o repertório ideológico de extrema direita, sobretudo com as propostas morais, educacionais e repressivas que, creem, vão reinstaurar a “ordem” e favorecer as igrejas.

E, mais uma vez, o fazem em nome de Deus, da família e dos valores cristãos. O problema é que, ao optarem por este caminho, ignoram que a agenda de direitos é parte pétrea da nossa Constituição Federal de 1988 e antagonizam as minorias evangélicas progressistas, defensoras dos direitos humanos, da laicidade do Estado e da democracia.

Interesses privados são assumidos como valores religiosos e servem de combustível à onda neoconservadora. Todavia, a violência naturalizada por tais interesses não é compatível com políticas públicas de segurança no Estado de Direito.

Ricardo Mariano é professor do Departamento de Sociologia da USP. Estuda o ativismo político-partidário e eleitoral evangélico. O título do texto é de autoria de Paulopes.



Aviso de novo post por e-mail

Jair Bolsonaro afirma a evangélicos que está em missão divina

Esfaqueador de Bolsonaro disse ter cumprido uma 'ordem de Deus'

Bolsonaro é fantoche de fundamentalistas religiosos, denuncia pastor


Jair Bolsonaro promete fazer um governo para todos, ‘até para quem é ateu’

A responsabilidade dos comentários é de seus autores.

Comentários

Unknown disse…
Só basta ele ser homofóbico, os protestantes adoram, pois são todos homofóbicos.
08.04.2022
DEUSES E JUMENTOS. Os deuses castigam os pecadores porque são demasiadamente estúpidos e incompetentes para desenvolverem criaturas ou produtos de qualidade ou defeito zero. (L. C. Balreira).

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Conar cede a religiosos e veta Jesus de anúncio da Red Bull

Mostrar Jesus andando no rio é uma 'ofensa ' O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) se curvou diante da censura religiosa e suspendeu o anúncio da Red Bull que apresenta uma versão bem humorada de um dos milagres de Jesus. Ao analisar cerca de 200 reclamações, o órgão concluiu que o anúncio “desrespeita um objeto da fé religiosa”. O “desrespeito” foi Jesus ter dito que, na verdade, ele não andou sobre as águas, mas sobre as pedras que estavam no rio. Religiosos creem em milagres, mas impor essa crença a um anúncio é atentar contra a liberdade de expressão de uma sociedade constituída pela diversidade cultural e religiosa. O pior é que, pela decisão do Conar, a censura se estende aos futuros anúncios da Red Bull, os quais não poderão “seguir a mesma linha criativa”. Ou seja, a censura religiosa adotada pelo Conar “matou”, nesse caso, a criatividade antes mesmo de sua concepção — medida típica de regimes teocráticos. "Jesus...

Verdades absolutas da religião são incompatíveis com a política

por Marcelo Semer para o Terra Magazine   Dogmas religiosos não estão sob o  escrutínio popular No afã de defender Marco Feliciano das críticas recebidas por amplos setores da sociedade, o blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, disse que era puro preconceito o fato de ele ser constantemente chamado de pastor. Infelizmente não é. Pastor Marco Feliciano é o nome regimental do deputado, como está inscrito na Câmara e com o qual disputou as últimas eleições. Há vários casos de candidatos que acrescentam a sua profissão como forma de maior identificação com o eleitorado, como o Professor Luizinho ou ainda a Juíza Denise Frossard. Marco Feliciano não está na mesma situação –sua evocação é um claro chamado para o ingresso da religião na política, que arrepia a quem quer que ainda guarde a esperança de manter intacta a noção de estado laico. A religião pode até ser um veículo para a celebração do bem comum, mas seu espaço é nitidamente diverso. Na democracia, ...

Jornalista que critica Estado laico desconhece história

de um leitor a propósito de Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora As aulas de história passaram  bem longe de Rachel Sheherazade Que a apresentadora Rachel Sheherazade metida a Boris Casoy é péssima, isso já é sabido. Os comentários dela são, em sua gigantesca maioria, infelizes, sem nenhum conteúdo ou profundidade. E agora está se mostrando uma Malafaia de saia! Primeiro, é mentira que “laicistas” (como se fosse um grupo formado) perseguem o cristianismo. Não há uma única evidência disso. Ela alega isso para se fazer falsamente de vítima. Pura tática fundada na falácia ad terrorem . Segundo, as aulas de história passaram longe dela. Mas bem longe mesmo! O cristianismo não deu base nenhuma de respeito, liberdade, honestidade e justiça. Durante a idade média, era justamente o contrário que acontecia na maioria das vezes. A separação entre Estado e religião quem deu base para a maioria das liberdades, inclusive de jornalismo e profis...

Val Kilmer, ator do Batman, acreditava que podia curar com orações câncer no pescoço