por Daniel Gama e Colombo
para El País Brasil
Aqueles que abandonaram ou não seguem crenças e tradições religiosas sabem que o período eleitoral é usualmente um tempo de desânimo e desconfiança com instituições e figuras públicas. Abundam citações pouco republicanas a ‘deus’, e a quase totalidade dos candidatos afirma representar e aderir a ‘valores cristãos’, deixando claro que aqueles que não seguem essa cartilha pouco ou nada importam. Ainda assim, as eleições atuais conseguem surpreender mesmo alguém já acostumado com as atrocidades verbais de nossos pastores de votos.
Para se ter uma ideia da baixa pluralidade religiosa na política brasileira, nota-se que cerca de 70% dos deputados federais eleitos em 2014 declaravam-se católicos, e mais de 90% diziam-se cristãos. A famosa ‘bancada da bíblia’ atualmente conta com ao menos 84 deputados.
Mas mesmo considerando esse panorama pouco animador, as eleições deste ano constituem uma guinada desastrosa na relação entre religião e política.
Aviso de novo post por e-mail
Jair Bolsonaro afirma a evangélicos que está em missão divina
Projeto da Universal é tomar o poder em 'interesse de Deus’
Bancada evangélica sobe de 71 congressistas para 91
Fundamentalismo cristão avança em seu projeto de tomar o poder
A responsabilidade dos comentários é de seus autores.
para El País Brasil
Aqueles que abandonaram ou não seguem crenças e tradições religiosas sabem que o período eleitoral é usualmente um tempo de desânimo e desconfiança com instituições e figuras públicas. Abundam citações pouco republicanas a ‘deus’, e a quase totalidade dos candidatos afirma representar e aderir a ‘valores cristãos’, deixando claro que aqueles que não seguem essa cartilha pouco ou nada importam. Ainda assim, as eleições atuais conseguem surpreender mesmo alguém já acostumado com as atrocidades verbais de nossos pastores de votos.
Há elementos suficientes para suspeitar que estamos vivenciando uma escalada de intolerância religiosa que ameaça não apenas nossas vidas, mas também o tecido social e o princípio de pluralismo religioso que conquistamos nas últimas décadas.
Não é novidade ou surpresa que líderes e instituições religiosas influenciem eleições e decisões na esfera governamental.
Não é novidade ou surpresa que líderes e instituições religiosas influenciem eleições e decisões na esfera governamental.
Diferentes estudos provam que a religiosidade afeta o voto mesmo em democracias mais consolidadas, como na Europa e nos Estados Unidos. Seria ingênuo esperar que, no Brasil, país com a maior população católica do mundo, os candidatos não apelassem à religião para atrair eleitores.
Fernando Henrique Cardoso cometeu esse erro em 1985, quando se recusou a responder se acreditava em deus, e perdeu a eleição para Jânio Quadros.
A inauguração do Templo de Salomão em 2014 foi um espetáculo que reuniu a cúpula do PT e do PSDB, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff, que passou boa parte de sua vida “meio descrente, muito descrente”.
Governo que coloca Deus acima de tudo não tem apreço por que não crê em divindades |
Para se ter uma ideia da baixa pluralidade religiosa na política brasileira, nota-se que cerca de 70% dos deputados federais eleitos em 2014 declaravam-se católicos, e mais de 90% diziam-se cristãos. A famosa ‘bancada da bíblia’ atualmente conta com ao menos 84 deputados.
Mas mesmo considerando esse panorama pouco animador, as eleições deste ano constituem uma guinada desastrosa na relação entre religião e política.
O slogan do candidato favorito nas pesquisas - “Deus acima de tudo” - não deixa dúvidas: seu governo e suas propostas são direcionadas para os eleitores que professam o cristianismo. E antes que se diga que se trata apenas de manifestação legítima de sua fé, cabe lembrar que, no ano passado, o candidato declarou em alto e bom som que “não tem essa historinha de estado laico não, é estado cristão. E quem não concorda que se mude”. Se isso não constitui um claro chamado à perseguição religiosa, não sei mais o que poderia ser.
Tendo recebido formação religiosa na infância, não passa pela minha cabeça como é possível compatibilizar esse discurso com os tais ‘valores cristãos’ que a população brasileira tanto estima.
Em boa medida, esse discurso constitui uma retórica raivosa e vazia típica de líderes autoritários, que tenciona fortalecer a fidelidade de seus seguidores ao inflamá-los contra um suposto ‘inimigo’. Mas, ao mesmo tempo, essa fala forma o caldo político e cultural que legitima propostas que minam nossa frágil e restrita liberdade religiosa e laicidade do Estado, como a referência do assessor Aléssio Souto ao criacionismo e a proposta de ensino religioso em creches.
A fim de compreender a seriedade da situação, a ascensão desse projeto político precisa ser contextualizada em um quadro social mais amplo. Estamos vivendo um momento de crescimento da violência e ataques a minorias religiosas no país e no mundo.
Em boa medida, esse discurso constitui uma retórica raivosa e vazia típica de líderes autoritários, que tenciona fortalecer a fidelidade de seus seguidores ao inflamá-los contra um suposto ‘inimigo’. Mas, ao mesmo tempo, essa fala forma o caldo político e cultural que legitima propostas que minam nossa frágil e restrita liberdade religiosa e laicidade do Estado, como a referência do assessor Aléssio Souto ao criacionismo e a proposta de ensino religioso em creches.
A fim de compreender a seriedade da situação, a ascensão desse projeto político precisa ser contextualizada em um quadro social mais amplo. Estamos vivendo um momento de crescimento da violência e ataques a minorias religiosas no país e no mundo.
O ‘Índice de Hostilidade Social’ do Brasil (que mede o grau de violência e intimidações na sociedade motivadas por religião, em uma escala de 0 a 10) vem aumentando sistematicamente, passando de 0,8 em 2007 para 3,5 em 2016. O canal de denúncias de direitos humanos do governo federal (Disque 100) registrou cerca de 750 denúncias de violações à liberdade religiosa em 2016, um crescimento de cerca de 37% em relação ao ano anterior.
De acordo com o IBGE, havia no Brasil em 2010 cerca de 740 mil pessoas que se declaravam ateus ou agnósticos. A baixa visibilidade e o medo da exposição muitas vezes nos protegem de agressões, mas a discriminação e preconceito que sofremos são dos mais fortes e arraigados em nossa sociedade.
De acordo com o IBGE, havia no Brasil em 2010 cerca de 740 mil pessoas que se declaravam ateus ou agnósticos. A baixa visibilidade e o medo da exposição muitas vezes nos protegem de agressões, mas a discriminação e preconceito que sofremos são dos mais fortes e arraigados em nossa sociedade.
Os dados mais recentes (que datam de 10 anos atrás) indicam que 42% dos brasileiros sentem aversão aos ateus, índice superior ao observado para usuários de drogas, profissionais do sexo, homossexuais e transgêneros, e ex-presidiários; e que apenas 13% votariam em um ateu para presidente. À luz desses números, parece óbvio que ainda somos uma sociedade presa a preconceitos e que não enxerga a diversidade e a diferença como riquezas, buscando sempre no espelho as soluções para os problemas que nos afligem e as respostas para aquilo que não entendemos ou aceitamos.
É importante que se reconheça que Fernando Haddad e Manuela D’Ávila estão longe de ser exemplos de estadistas com um firme compromisso de manter religião e política em campos separados. A participação de ambos em uma missa no santuário de Aparecida em plena campanha e a ‘carta aos evangélicos’ (a ser divulgada) dão a entender que eles estão dispostos a sacrificar parte desses princípios em troca de alguns votos.
É importante que se reconheça que Fernando Haddad e Manuela D’Ávila estão longe de ser exemplos de estadistas com um firme compromisso de manter religião e política em campos separados. A participação de ambos em uma missa no santuário de Aparecida em plena campanha e a ‘carta aos evangélicos’ (a ser divulgada) dão a entender que eles estão dispostos a sacrificar parte desses princípios em troca de alguns votos.
Além disso, foge à minha compreensão como D’Ávila consegue compatibilizar seu cristianismo com as ideias marxistas de alienação religiosa. Ainda assim, há um abismo de diferença entre, de um lado, frequentar agremiações religiosas para colher votos e, de outro, defender publicamente um ‘estado cristão’ e propor a expulsão ou exílio daqueles que adotam uma escolha diferente.
É fundamental interrompermos a onda de autoritarismo e fundamentalismo religioso representada por Jair Bolsonaro. Suas declarações e propostas obscurantistas não ferem apenas os 0,4% de ateus e agnósticos de nossa população, mas constituem uma ameaça para todas e todos que possuem apreço pelas instituições e valores básicos de nossa sociedade.
É fundamental interrompermos a onda de autoritarismo e fundamentalismo religioso representada por Jair Bolsonaro. Suas declarações e propostas obscurantistas não ferem apenas os 0,4% de ateus e agnósticos de nossa população, mas constituem uma ameaça para todas e todos que possuem apreço pelas instituições e valores básicos de nossa sociedade.
A separação entre Estado e religião é um dos pilares do iluminismo e das democracias modernas, um princípio inegociável e base do desenvolvimento intelectual, científico e econômico contemporâneo.
O momento que vivemos não trata mais de disputas entre diferentes projetos de governo, políticas econômicas ou ideologias políticas, mas da preservação do mínimo de estado de direito que conquistamos. Quaisquer que sejam as justificativas, apoiar essas ideias ou ‘declarar-se neutro’ neste segundo turno é ser conivente com o recrudescimento da intolerância e da violência. E principalmente os cristãos deveriam saber muito bem o que acontece quando aqueles que possuem o poder para mudar as coisas optam por lavar as mãos.
O autor do texto é doutor em Economia do Desenvolvimento pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). O título acima é deste site.
O momento que vivemos não trata mais de disputas entre diferentes projetos de governo, políticas econômicas ou ideologias políticas, mas da preservação do mínimo de estado de direito que conquistamos. Quaisquer que sejam as justificativas, apoiar essas ideias ou ‘declarar-se neutro’ neste segundo turno é ser conivente com o recrudescimento da intolerância e da violência. E principalmente os cristãos deveriam saber muito bem o que acontece quando aqueles que possuem o poder para mudar as coisas optam por lavar as mãos.
O autor do texto é doutor em Economia do Desenvolvimento pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). O título acima é deste site.
Aviso de novo post por e-mail
Jair Bolsonaro afirma a evangélicos que está em missão divina
Projeto da Universal é tomar o poder em 'interesse de Deus’
Bancada evangélica sobe de 71 congressistas para 91
Fundamentalismo cristão avança em seu projeto de tomar o poder
A responsabilidade dos comentários é de seus autores.
Comentários
Precisamos de honestidade e não de gente hipócrita.
As opções que temos são essas. Um candidato honrado que nunca furtou -- e quem quiser me desmentir, prove -- e um candidato socialista, cínico até o pescoço. Ladrão e conivente com a bandidagem do PT.
O segundo ponto é o que Theodor Adorno chamou de "Teatro do Absurdo". O fascismo se consolidou na Europa pq suas ideias eram propagadas de tal forma que pareciam absurdas demais para serem verdades. Aconteceu principalmente com Mussolini na Itália, na forma de pícaro (palhaço), traço presente em líderes como Berlusconi e Trump na nossa atualidade. O absurdo nunca vai parecer real até o momento que ele se concretiza. Ta aí Ketlyn Jenner, transexual que apoiou a campanha de Trump, agora profundamente arrependida pq o governo dos EUA não irá reconhecer a transexualidade e ela está prestes a perder sua cidadania e reconhecimento formal. Foi o mesmo motivo que fez Hitler ter apoio do general Röhm (notadamente homossexual) em seu partido; e dps assassiná-lo na "noite das facas longas".
O que nos diferencia aqui é que historiadores e cientistas políticos de direita e esquerda ESTÃO GRITANDO para falar que o que acontece hj tem os mesmos elementos da Europa da década de 30 do século passado. Ninguém botou muita fé que Hitler ia expurgar minorias como tinha dito. Ninguém acreditava que aquilo iria acontecer de fato, mesmo que, quando apossado do poder, Hitler começou invasão de territórios e já planejava um expurgo fortíssimo de oposições políticas e de determinados grupos, como judeus. E ele o fazia desde a década de 30, embora em eventos isolados. Mas ngm acreditava. Deram a capa da Revista Time para ele, um prêmio Nobel e tentaram apaziguar a situação na Europa conforme foi invadindo territórios. Cada país "diminuto" no mapa que ele invadia era uma justificativa engolida pelo outro lado de que só seria mais aquele território e ponto. Até o momento que invadiu a Polônia.
Todos os elementos discursivos e a figura de Bolsonaro correspondem ao modelo fascista europeu, adaptado à própria história recente da Am. Latina. E Bolsonaro, há menos de 3 dias disse que vai eliminar a oposição (de maneira violenta) a hora que chegar ao poder. O filho dele ameaçou fechar o STF à força e o pai tem proposta de dobrar o número de ministros do mesmo órgão para ter um colegiado que legitimar a tirania, dando ar de legalidade ao seu governo. O seu vice já disse que se não estabilizar o país (leia-se se não se curvarem ao que querem) irá fechar o Congresso Nacional- o coração institucional da democracia, principal controlador do Poder Executivo, responsável por vigiar e destituir o presidente em caso de crime. Vc ainda acha que depois disso, com o general que ele tem de vice ele está mesmo mentindo? O que mais precisa fazer para te convencer do contrário?
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