Pular para o conteúdo principal

Evangélicos venceram a esquerda e o papa Francisco, afirma estudiosa

Com a eleição de Jair Bolsonaro, o movimento evangélico derrotou ao mesmo tempo a esquerda e o papa Francisco, diz a jornalista franco-marroquina Lamia Oualalou.

Ela deu uma entrevista a Eduardo Febbro dizendo que a teologia da prosperidade venceu a teologia da libertação.

“Isto implica uma mudança no que diz respeito à relação com Deus: Deus tem que te dar isso e você só precisa saber pedir. E para pedir a ele, você deve fazer parte do grupo evangélico, pagar e rezar.”

A jornalista diz que os evangélicos ocuparam a lacuna que o Estado e a Igreja Católica deixaram na periferia.

Lamia Oualalou, que morou Brasil, fala sobre essa ocupação de espaço pelo conservadorismo evangélico em seu livro Jésus t’aime (‘Jesus te ama').

Na entrevista (ver abaixo) ao jornal argentino Página/12 não há menção ao sistema de corrupção montado pelo PT, o que é também uma causa da derrota da esquerda.

Livro analisa
 vitória dos
evangélicos 

Com os resultados das eleições no Brasil e o peso considerável que os evangélicos tiveram nela, é possível dizer que há uma expansão dos evangélicos na América Latina?

Sim, há uma expansão no México, na Argentina, no Chile. No Brasil, vemos a consequência da influência dos evangélicos diretamente nas eleições: os pastores evangélicos convocaram para votar em Bolsonaro. Hoje, temos uma boa parte da população brasileira que não só é evangélica como também segue o que o pastor diz. Isto teve e terá um impacto muito complicado, porque o PT não sabe falar com os evangélicos. Esse foi um dos grandes erros que cometeu no passado.

Em sua pesquisa, você demonstra que essa expansão dos evangélicos é uma resposta à ausência do Estado... e algo mais.

Houve vários fatores combinados. Por um lado, pouco a pouco a Igreja Católica foi desaparecendo dos lugares mais populares, sobretudo das novas cidades e favelas que foram criadas em uma velocidade enorme, após os anos 70. 

A Igreja Católica tem aqui um problema de presença urbana: nas favelas e cidades emergentes, a Igreja Católica não entra. Nesse mundo suburbano, pobre, com gente oriunda por exemplo do Nordeste, não há lugares de socialização. A única coisa que existe é o templo evangélico, onde podem cantar, fazer amigos, deixar seus filhos. 

Não estão presentes o Estado com seus auxílios (saúde, trabalho, educação), nem a Igreja Católica, mas, sim, os evangélicos que costumam prestar alguns desses serviços. Os evangélicos, no Brasil, ocuparam o espaço do Estado com o consecutivo impacto cultural e político que isso acarreta: as pessoas só ouvem a rádio evangélica, veem o canal evangélico, participam dos grupos evangélicos do Facebook e WhatsApp. As pessoas vivem fechadas nesse mundo. E, claro, vivem nesse círculo porque os partidos e movimentos progressistas, o PT por exemplo, abandonaram estas pessoas. Por fim, o que aconteceu é que foram cortadas as pontes para dialogar com as pessoas humildes.

Que enorme e doloroso paradoxo! O Brasil foi a terra onde se forjou a Teologia da Libertação e hoje se tornou o berço evangélico, que você define como uma “teologia da prosperidade”.

A lógica da teologia da prosperidade é fascinante porque diz ao membro da Igreja que, basicamente, tem direito a tudo: à saúde, a uma boa vida material. E isso agora mesmo e não na próxima vida!. E se não já não tem isso é porque não sabe exigir. Isto implica uma mudança no que diz respeito à relação com Deus: Deus tem que te dar isso e você só precisa saber pedir. E para pedir a ele, você deve fazer parte do grupo evangélico, pagar e rezar. E, ao final, de alguma forma funciona: quando os evangélicos dizem “deixa de beber e você vai encontra um trabalho”, as pessoas acabam trabalhando mais e melhor sem estar bêbadas. Por isso, as pessoas acabam vendo que há um impacto positivo em suas vidas, ainda que aquilo que obtenham seja mínimo.

A esquerda brasileira parece que também não entendeu o tema da teologia da prosperidade.

Não, claro que não e isso foi outra tragédia. A esquerda interpretou a teologia da prosperidade de forma muito básica. Fez a leitura dela unicamente como uma adaptação do neoliberalismo. É certo que há uma parte de consumismo, mas também existe uma forte lógica de solidariedade. Hoje, se pagam as consequências: o que começou com Deus se tornou um enorme movimento moralista, anti-PT, anti-intervenção do Estado.

Os evangélicos estão em uma lógica de consumo capitalista. Não obstante, é preciso ressaltar que esse era o discurso de todo o país. Inclusive nos anos de Lula se dizia: “Agora todos os brasileiros podem ser cidadãos porque têm acesso a um cartão de crédito” (Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda). Para muita gente, os anos de Lula deram mais legitimidade à teologia da prosperidade. Esse discurso se apoderou de todo o país. 

Ser evangélico também é uma forma de ascensão na escala social. Nem o trabalho, nem a política, nem o sindicalismo permitem isso.

Os evangélicos fizeram um trabalho de penetração setor por setor: seduziram os atletas, os atores, os surfistas, a polícia, o crime organizado, etc. Setorizaram sua expansão.

De fato, não há uma Igreja evangélica, mas muitas. Seu único ponto em comum é a forte personalidade dos pastores. Os evangélicos têm uma visão de marketing sobre a sociedade. Fazem uma Igreja que interessa as pessoas que jogam futebol, outra Igreja para os gays porque estão excluídos, outra Igreja mais rigorosa e uma mais permissiva. Isto acaba tendo uma força incrível porque você sempre acaba encontrando uma Igreja do seu gosto. 

Estão igualmente em todas as esferas de poder: no sistema judiciário, na política (têm 90 deputados), na polícia. Se forem à página da polícia militar, verão que uma parte das ajudas sociais estão organizadas pelos evangélicos. São majoritários até nas prisões. No Rio de Janeiro, das 100 representações religiosas que estão presentes nas prisões, 92 são evangélicas. 

O Estado permite isso porque perdeu sua capacidade de intervenção.

Com Bolsonaro e seus apoios evangélicos estamos diante de uma dupla derrota: a do PT e a do papa Francisco.

Acredito que quando veio ao Brasil o papa Francisco se deu conta de que era muito tarde. As imagens da viagem do papa com milhões e milhões de pessoas correspondiam a bairros católicos. Quando se perguntava aos evangélicos o que pensavam de Francisco, muitos deles não sabiam quem era o papa. E estamos falando do primeiro país católico do mundo. 

Além disso, para não perder terreno, uma parte da Igreja Católica acaba em muitos casos imitando a Igreja Evangélica. O papa teve que aceitá-los.

 A única maneira de mudar a situação atual é com trabalho de base. Contudo, as pessoas que estão no Brasil foram nomeadas pelos dois papas anteriores (Bento XVI e João Paulo II) e hoje não repercutem o que Francisco ordena. Derrota também do PT, claro. 

Como a esquerda brasileira abandonou as populações pobres, esta população foi cada vez mais para a direita. Além disso, a campanha se articulou em torno do WhatsApp, detalhe que o PT também não entendeu.

Em suma, Bolsonaro não estaria onde está sem as contribuições dos evangélicos. Estes derrotaram o PT nos templos antes das eleições.

Ele entendeu muito bem como falar com eles. Não é evangélico (sua mulher sim), mas aceitou toda uma parte do circo evangélico: pediu a um pastor que o batizasse e comparece com frequência aos atos evangélicos.

Neste momento de crise e de medo, ele vem com este discurso de ordem, de matar os bandidos. A isto se acrescenta o trabalho de demonização do PT que os pastores empreenderam.

Nos templos se diz que a crise e a recessão são culpa de satanás, e esse satanás é o PT. Apresentam o PT como se fosse um partido radical, quando na realidade é de centro-esquerda. Distribuem uma retórica que nada tem a ver com a realidade e as pessoas acreditam.

Além disso, os evangélicos trabalharam o tema dos meios de comunicação. A segunda televisão do país é propriedade de Edir Macedo, o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Macedo pôs todo o seu aparelho midiático a serviço de Bolsonaro. O poder de Bolsonaro irá depender muito do poder dos pastores evangélicos. 

O PT tenta às pressas se aproximar desse eleitorado, mas é tarde. O que precisaria fazer é desconstruir a imagem dos pastores e demonstrar que são bandidos, que são as principais fortunas do país. Mas isto não se realiza em algumas semanas.




Aviso de novo post por e-mail

Filme 'Nada a perder' mostra poder crescente dos evangélicos, diz Le Monde

Fanatismo evangélico ameaça a democracia no Brasil, diz reverendo

Crivella afirma que só o ‘Brasil evangélico é que vai dar jeito nessa pátria’




Leia trecho de livro-reportagem sobre o projeto de poder dos evangélicos


A responsabilidade dos comentários é de seus autores.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Cristianismo é a religião que mais perseguiu o conhecimento científico

Cristãos foram os inventores da queima de livros LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião As epidemias e pandemias durante milhares de anos antes do cristianismo tiveram as mais estapafúrdias explicações dos deuses. Algumas mentes brilhantes da antiguidade, tais como Imhotep (2686-2613 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.) tentaram passar explicações científicas para as massas de fanáticos religiosos, ignorantes, bestas humanas. Com a chegada ao mundo das feras cristãs, mergulhamos numa era de 2000 anos de trevas e ignorância. Os cristãos foram os inventores da queima de livros e bibliotecas. O cristianismo foi a religião que mais perseguiu o conhecimento científico e os cientistas. O Serapeu foi destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo cristão de Alexandria, sob a proteção de Teodósio I.  Morte de Hipatia de Alexandrina em ilustração de um livro do século 19 A grande cientista Hipátia de Alexandria (351/370) foi despida em praça pública e dilacerada viva pelas feras e bestas imundas cristãs. So

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Felippe,  da 16ª

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Seleção de vôlei sequestrou palco olímpico para expor crença cristã

Título original: Oração da vitória por Daniel Sottomaior (foto) para Folha de S.Paulo Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim! Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta. Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra. Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para

Com 44% de ateus, Holanda usa igrejas como livrarias e cafés

Livraria Selexyz, em Maastricht Café Olivier, em Utrecht As igrejas e templos da Holanda estão cada vez mais vazios e as ordens religiosas não têm recursos para mantê-los. Por isso esses edifícios estão sendo utilizados por livrarias, cafés, salão de cabeleireiro, pistas de dança, restaurantes, casas de show e por aí vai. De acordo com pesquisa de 2007, a mais recente, os ateus compõem 44% da população holandesa; os católicos, 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4%. A maioria da população ainda acredita em alguma crença, mas, como ocorre em outros países, nem todos são assíduos frequentadores de celebrações e cultos religiosos. Algumas adaptações de igrejas têm sido elogiadas, como a de Maastricht, onde hoje funciona a livraria Selexyz (primeira foto acima). A arquitetura realmente impressiona. O Café Olivier (a segunda foto), em Utrecht, também ficou bonito e agradável. Ao fundo, em um mezanino, se destaca o órgão da antiga ig

Bíblia diz que pastor tem de ganhar bem, afirma Malafaia

Malafaia disse  a Gabi  que ama os  gays como  ama os bandidos   Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirmou que a “Bíblia diz que pastor deve ganhar muito bem”. Ainda assim, afirmou ao ser entrevistado por Marília Gabriela , faz 25 anos que ele abriu mão do salário da igreja. Falou que seus rendimentos vêm de palestras e da venda de livros e CDS de sua editora, a Central Gospel. O pastor levou a sua declaração do Imposto de Renda ao  programa "De Frente com Gabi", apresentado ontem pelo SBT, para mostrar que seus bens dão o total de R$ 4,5 milhões, em valores atualizados. Afirmou que, por isso, vai processar a revista americana Forbes por ter lhe atribuído uma fortuna de R$ 300 milhões, quantia que o colocaria na terceira posição na lista de pastores mais ricos do Brasil, abaixo apenas de Edir Macedo e Valdemiro Santiago. Malafaia chamou o jornalista que escreveu a reportagem de “safado, sem vergonha, caluniador”, porque, disse, que

Suposto ativista do Anonymous declara guerra a Malafaia

Grupo Anonymous critica o enriquecimento de pastores O braço brasileiro dos ativistas digitais Anonymous (ou alguém que está se passando por eles) declarou guerra ao Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e aos demais pastores que pregam "mentiras" e “a prosperidade usando a Bíblia” para enriquecimento próprio. “Vamos buscar a fé verdadeira e a religião”, promete uma voz feminina gerada por um soft, de acordo com um vídeo de 14,5 minutos. As imagens reproduzem cenas de programas antigos do pastor pedindo aos fiéis, por exemplo, contribuição no valor de um aluguel, inclusive dos desempregados. Em contraposição, o vídeo apresenta o depoimento de alguns pastores que criticam a “teologia da prosperidade”. Resgata uma gravação onde Malafaia chama de “palhaço” um pastor cearense que critica a exploração dos fiéis. Como quase sempre, é difícil confirmar a autenticidade de mensagem dos Anonymous. Neste vídeo, o curioso é que os ativistas estão preocup