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Papa valoriza mais o ateu consciente que o católico hipócrita, escreve monge

por Enzo Bianchi
monge italiano fundador da Comunidade de Bose

Algumas expressões fortes do papa Francisco na audiência geral na quarta-feira (2 de janeiro de 2019) deram origem a uma audaciosa comparação entre "cristãos hipócritas" e "ateus".

Na realidade, o papa insistiu sobretudo na incoerência daquele que "frequenta a igreja ... e depois vive odiando os outros". É para ele que seria "melhor não ir à igreja: viver assim, como se fosse um ateu! "

A ênfase da exortação papal não recai tanto no comportamento mais ou menos correto daqueles que se professam ateus e sua comparação com a coerência de vida dos crentes, mas sim sobre a intolerável hipocrisia religiosa de quem é "capaz de tecer orações ateias, sem Deus". E que fique bem entendido o papa está dizendo: há quem reza sem se sentir diante de Deus, sem escutar Deus, sem ser verdadeiramente tocado pela presença e pela voz de Deus.



A condenação da hipocrisia, um vício típico das pessoas religiosas de todos os tempos, é uma das advertências mais presentes já nos profetas de Israel, enquanto nos Evangelhos é um dos traços mais marcantes da pregação de Jesus. Por essa razão, retomá-la hoje, aplicando-a aos comportamentos daquele que não segue a fé que professa, mas a exterioridade das aparências, é simples atualização do ensinamento de Jesus. 

Naquelas "orações ateias" - expressão inédita, mas de rara eficácia – o papa Francisco denuncia orações, liturgias, gestos religiosos em que Deus é nomeado e invocado, mas na realidade, ignorado. E ao chamar em causa o ateu coerente com os seus princípios, com a sua consciência, Francisco reconhece que quem se professa ateu e segue a sua consciência é mais correto de quem se diz cristão, mas tem um coração duplo e vive em hipocrisia.

A dura advertência do papa lembra a todos, começando justamente por aquele que se professa cristão, uma dimensão constante da doutrina católica: o princípio último permanece a consciência autêntica, comprovada e comparada de cada um, que é superior a qualquer autoridade e qualquer lei. 

Precisamente por isso o papa Francisco aproxima tantas vezes a hipocrisia com a corrupção: se outros pecados "chamam" para a conversão, a hipocrisia e a corrupção tendem, por sua natureza, a sufocar a consciência, a silenciá-la, a violentá-la em sua dimensão mais íntima. É então verdadeiro motivo de "escândalo" assumir a postura de pessoa de oração e depois não amar o próximo, fingir dialogar na oração com o "Deus que não pode ser visto" e desprezar "o irmão que pode ser visto". Então melhor viver "como ateu", sem professar a fé cristã, em vez de contradizer com o comportamento o que se professa com os lábios.


O papa mais uma vez confessa que os cristãos caem em pecado como os outros, reafirma que as bem-aventuranças proclamadas por Jesus não são moralismo, mas boas novas e revelação. 

Na catequese sobre o "Pai Nosso", o papa Francisco não apresentou nenhum convite ao ateísmo, mas expressou novamente uma forte condenação da hipocrisia daqueles que usam atitudes e até a oração cristã como símbolos a serem ostentados, como autocelebrações identitárias, mas permanecem incoerentes com a mensagem do Evangelho, alimentando em si a indiferença, se não o ódio pelos pobres e sofredores, a hostilidade para com aqueles que são diferentes e estrangeiros.

É por isso que esta foi uma exortação do papa Francisco apaixonada e convincente para crentes e não crentes, para pessoas "pensantes" de qualquer ou nenhuma filiação religiosa. O papa Francisco simplesmente recordou a expressão do grande padre da igreja, Inácio de Antioquia: "Melhor ser cristão sem dizê-lo e exibi-lo em vez de proclamar-se cristão sem sê-lo".

Com tradução de Luisa Rabolini para IHU Online.



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