Pular para o conteúdo principal

Medo dos deuses deu origem às superstições, diz o psicólogo Stuart Vyse

'Superstições nascem
 numa situação onde o
 resultado é incerto'

A palavra “superstição” vem do latim superstitio, que originalmente significava “ter muito medo dos deuses”.

A explicação é do psicólogo Stuart Vyse, que em agosto de 2019 esteve no Brasil a convite do Instituto Questão de Ciência.

Para ele, as superstições são eternas, ou quase, porque o cérebro humano necessita de um sentido a tudo, de uma explicação, qualquer que seja, principalmente para acontecimentos ruins.

Vyse foi entrevistado por jornais e revistas brasileiras.

A entrevista que segue foi concedida a André Biernath, da revista Saúde.

Como as superstições surgiram e como elas se tornaram praticamente eternas em nossas culturas?

Elas são realmente quase eternas. Superstições são tão antigas quanto as religiões. No começo, as superstições foram identificadas como “religiões ruins”. A palavra vem do latim superstitio e significa originalmente algo como “ter muito medo dos deuses”, ainda na época do Império Romano. Alguém que rezava muito, tomava muito banho, era excessivamente temeroso em relação aos deuses… Isso era superstitio

Com o passar do tempo, esse conceito mudou para classificar outras religiões como ruins. Quando os romanos se deparavam com as religiões do Oriente Médio ou de outros lugares onde dominaram, eles as categorizavam como "superstições".

Isso mudou de figura durante o Iluminismo. A superstição começou a ser encarada não mais como “religião ruim”, mas como “ciência ruim”.

Começamos a chamar todos os credos mágicos, que não faziam sentido racional, como superstição. E assim continua até hoje.

Eu diria que a superstição tem uma série de definições. Em geral, é crer em algo incompatível com a ciência. Ela também possui algum objetivo secreto por trás de cada gesto. Como, por exemplo, bater três vezes na madeira para não ter azar. 

Porém, ainda hoje essa palavra é usada de modo descuidado. Daí qualquer ideia diferente que outro indivíduo tem pode ser encarada como uma simples superstição.

E como elas se relacionam com cada povo ou nação? Há superstições que são globais?

Eu acho que a ideia de superstição é global e universal, mas há variações locais. Por exemplo, eu nasci num lugar no meio dos Estados Unidos no seio de uma família protestante. E eu nunca ouvi falar da superstição do mau olhado. Se eu fosse de uma família italiana ou se tivesse nascido na América do Sul, teria algum contato com isso, pois é um assunto muito popular nesses lugares.

Na Ásia, há muitas superstições ligadas a números e cores que não se aplicam em outros países. As superstições estão totalmente ligadas à cultura e nós as aprendemos conforme crescemos, muitas vezes sem saber de onde vieram — como o receio de gatos pretos e a regra de não pisar em rachaduras no chão.

O que acontece no nosso cérebro, comportamento e emoções quando a gente obedece ou desobedece uma superstição?

As superstições nascem numa situação onde o resultado é incerto. Se você souber fazer algo e até onde aquilo vai te levar, a superstição é inútil. Em circunstâncias incertas, se você se engaja num ritual, pode se sentir melhor ou aliviado. 

Há um conceito na psicologia chamado “ilusão do controle”. Quando você joga dados ou faz coisas que são completamente aleatórias, a superstição dá a noção estar realizando algo a mais para conseguir alcançar aquilo que é desejado.

Mas quando a gente se recusa a fazer certa superstição? Geralmente isso ocorre no caso daquelas relacionadas com o medo e o azar, como o número 13 ou o medo de gatos pretos. A verdade é que seria melhor se ninguém tivesse nos contado isso. Infelizmente, precisamos sempre encontrar explicações para as coisas ruins que nos acontecem.

Quando você não faz determinado ritual ou costume que está engendrado na sua cultura, invariavelmente terá que confrontar alguma ansiedade ou preocupação. Nós não acreditamos racionalmente naquilo. Mas, para não ter que lidar com esses sentimentos ruins, simplesmente fazemos.

Vamos pensar na situação de um boxeador, que realiza uma série de rituais ou mandingas antes de entrar no ringue. Esses atos servem para que ele controle o estresse?

Sim. Seu exemplo do lutador é ótimo, porque o esportista pratica todo dia, faz exercícios com aquela finalidade. Porém, na hora da luta, não há nada mais que ele possa realizar para se preparar para o que está por vir. E tem aqueles minutos que ele precisa esperar antes de iniciar a luta. Deve ser um momento de muita ansiedade mesmo.

Aqui, a superstição seria como qualquer ritual que preenche o tempo e dá o foco naquilo que ele fará daqui a pouco. Não temos boas evidências quanto a isso, mas a superstição pode até melhorar a performance no ringue. Não por que ela é mágica, mas por ter esse benefício psicológico durante a preparação.

Na contramão, as superstições poderiam ser ruins para nossa saúde? Elas podem se tornar, por exemplo, um gatilho para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)?

Há tantas pessoas no mundo que são supersticiosas. E mesmo assim, o TOC é uma doença relativamente rara. Não sabemos se uma coisa causa a outra mesmo e não existe evidência científica em relação a isso.

Mas existem circunstâncias em que as superstições podem ser bem ruins, claro. Na maioria das vezes, elas são benignas e não fazem mal. Mas nos apostadores compulsivos, que acreditam na sorte e em maneiras de ficar mais sortudo, isso é perigoso. Esses indivíduos acabam perdendo dinheiro e se endividando.

Em termos de saúde, algumas pessoas usam técnicas de medicina alternativa e outras saídas supersticiosas para tratar doenças quando deveriam ir a um médico. O limiar está no prejuízo ao bem-estar e o desperdício de dinheiro.

E quando devemos quebrar esse ciclo e dizer para uma pessoa que determinada superstição não faz sentido?

Eu faria isso com base em cada situação. Pessoalmente, penso que é ok fazer certas superstições. Desde, claro, que saibamos que elas não fazem sentido. Se você cresce com essas coisas e elas fazem parte do seu contexto, é difícil descartar.

Devemos ter a noção de que elas não possuem lógica, mas, mesmo assim, fazemos para nos sentirmos melhores. Isso já é um grande passo. Em relação às superstições que provocam algum mal, vai depender de cada um e do dano que está provocando.

E que análise você faz sobre o mundo e a relação das pessoas com a superstição? Parece que as pessoas ficam cada vez mais interessadas em astrologia, por exemplo.

Tenho a impressão de que a força das superstições está crescendo no mundo todo. Isso, em parte, tem a ver com a atmosfera política. Além disso, nos Estados Unidos, as pessoas estão ficando menos religiosas. Elas então não recorrem mais às igrejas e templos, mas vão para a astrologia ou outra crença.

Parece ser um fenômeno que está acontecendo em outras partes do planeta. Vivemos um período em que a ciência está sendo atacada, em alguns casos até por motivos políticos. E isso afeta a forma como as pessoas olham para o conhecimento e para o transcendental/espiritual. Não é uma visão otimista. Mas espero que sua revista e o jornalismo de ciência ajudem a nos resgatar disso [risos].

Com foto de divulgação.



Astrologia persiste porque se tornou em superstição tolerada

Papa recusa doação de Macri por que valor tem 666

Paquistaneses sacrificam bode para garantir segurança de voo

Ciência fracassa em acabar com crendices, escreve Verissimo





Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Dawkins é criticado por ter 'esperança' de que Musk não seja tão estúpido como Trump

Tibetanos continuam se matando. E Dalai Lama não os detém

O Prêmio Nobel da Paz é "neutro" em relação às autoimolações Stephen Prothero, especialista em religião da Universidade de Boston (EUA), escreveu um artigo manifestando estranhamento com o fato de o Dalai Lama (foto) se manter neutro em relação às autoimolações de tibetanos em protesto pela ocupação chinesa do Tibete. Desde 16 de março de 2011, mais de 40 tibetanos se sacrificaram dessa dessa forma, e o Prêmio Nobel da Paz Dalai Lama nada fez para deter essa epidemia de autoimolações. A neutralidade, nesse caso, não é uma forma de conivência, uma aquiescência descompromissada? Covardia, até? A própria opinião internacional parece não se comover mais com esse festival de suicídios, esse desprezo incandescente pela vida. Nem sempre foi assim, lembrou Prothero. Em 1963, o mundo se comoveu com a foto do jornalista americano Malcolm Wilde Browne que mostra o monge vietnamita Thich Quang Duc colocando fogo em seu corpo em protesto contra a perseguição aos budistas pelo

TJs perdem subsídios na Noruega por ostracismo a ex-fiéis. Duro golpe na intolerância religiosa

Jornalista defende liberdade de expressão de clérigo e skinhead

Título original: Uma questão de hombridade por Hélio Schwartsman para Folha "Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos"  Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas. Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa. Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser l

Proibido o livro do padre que liga a umbanda ao demônio

Padre Jonas Abib foi  acusado da prática de  intolerância religiosa O Ministério Público pediu e a Justiça da Bahia atendeu: o livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, do padre Jonas Abib (foto), terá de ser recolhido das livrarias por, nas palavras do promotor Almiro Sena, conter “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”. O padre Abib é ligado à Renovação Carismática, uma das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ele é o fundador da comunidade Canção Nova, cuja editora publicou o livro “Sim, Sim!...”, que em 2007 vendeu cerca de 400 mil exemplares, ao preço de R$ 12,00 cada um, em média. Manuela Martinez, da Folha, reproduz um trecho do livro: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde no

Condenado por estupro, pastor Sardinha diz estar feliz na cadeia

Pastor foi condenado  a 21 anos de prisão “Estou vivendo o melhor momento de minha vida”, diz José Leonardo Sardinha (foto) no site da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude, seita evangélica da qual é o fundador. Em novembro de 2008 ele foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado por estupro e atentado violento ao pudor. Sua vítima foi uma adolescente que, com a família, frequentava os cultos da Plenitude. A jovem gostava de um dos filhos do pastor, mas o rapaz não queria saber dela. Sardinha então disse à adolescente que tinha tido um sonho divino: ela deveria ter relações sexuais com ele para conseguir o amor do filho, e a levou para o motel várias vezes. Mas a ‘profecia’ não se realizou. O Sardinha Jr. continuou não gostando da ingênua adolescente. No texto publicado no site, Sardinha se diz injustiçado pela justiça dos homens, mas em contrapartida, afirma, Deus lhe deu a oportunidade de levar a palavra Dele à prisão. Diz estar batizando muita gen

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Profecias de fim do mundo

O Juízo Final, no afresco de Michangelo na Capela Sistina 2033 Quem previu -- Religiosos de várias épocas registraram que o Juízo Final ocorrerá 2033, quando a morte de cristo completará 2000. 2012 Quem previu – Religiosos e teóricos do apocalipse, estes com base no calendário maia, garantem que o dia do Juízo Final ocorrerá em dezembro, no dia 21. 2011 Quem previu – O pastor americano Harold Camping disse que, com base em seus cálculos, Cristo voltaria no dia 21 de maio, quando os puros seriam arrebatados e os maus iriam para o inferno. Alguns desastres naturais, como o terremoto seguido de tsunami no Japão, serviram para reforçar a profecia. O que ocorreu - O fundador do grupo evangélico da Family Radio disse estar "perplexo" com o fato de a sua profecia ter falhado. Ele virou motivo de piada em todo o mundo. Camping admitiu ter errado no cálculo e remarcou da data do fim do mundo, que será 21 de outubro de 2011. 1999 Quem previu – Diversas profecias